foto: Bruno Espadana

30 abril 2006

#  Current mood

(c) Bruce Eric Kaplan / The New YorkerCartoon de Bruce Eric Kaplan / The New Yorker

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#  E depois da Transilvânia de Vlad Dracul...

Capa de 'A Baviera de Joseph Ratzinger'
Now that is creepy...

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29 abril 2006

#  Pensamento do dia

«As pessoas boas fazem coisas boas e as más, coisas más. Mas para as pessoas boas fazerem coisas más é preciso a religião.»

(Steven Weinberg, Prémio Nobel da Física 1979)

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#  Coexistência de espectro limitado

Tenho, ao longo dos anos, deparado com diversos sites (por exemplo, a Rua da Judiaria e A Origem das Espécies) que ostentam o seguinte logotipo:

Coexist
A ideia é simpática, ecuménia e tal — mas não consigo deixar de me perguntar: então e os budistas, os hindus, os xamanistas, os ateus...?

Depois penso: quanto aos budistas, aos hindus, aos xamanistas... não sei — mas nós, ateus, estamos representados no vazio entre as letras.

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#  Sensibilidade ateia

O post acima trouxe-me à lembrança um cartoon de Vince O’Farrell, publicado na sequência da polémica dos cartoons de Maomé:

(c) Vince O'Farrell
«Notícia de última hora: 15.000 ateus revoltosos invadiram a redacção de um jornal depois de 12 folhas em branco terem sido encontradas na secretária de um cartoonista...»

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28 abril 2006

#  A emulação

Título no Público de hoje:
Lixo electrónico pode vir a imitar estilo de escrita dos utilizadores

Ainda não está claro se a convergência dos estilos se deverá mais ao desenvolvimento de técnicas de inteligência artificial, utilizadas pelos spammers — se à estupidificação dos utilizadores.

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#  O que ficou por dizer

Título no Público de ontem:
Casas em Lisboa custam mais do dobro da média do país

O que ficou por dizer:
Poder de compra em Lisboa é quase o triplo da média do país

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#  Fosca-se, venha a escolha múltipla!

Não sei se o que se segue é ou não autêntico — mas que conheço professores que acham que a principal função da Escola é doutrinar sociopoliticamente os alunos, lá isso conheço. Depois é capaz de dar nisto... Matematicamente, é o que se vê — mas louvo-lhe a ética de trabalho.

PerguntaPrimeira parte da resposta à alínea bSegunda parte da resposta à alínea b

Transcrição da resposta:
b. Quando o trabalhador tiver muita experiencia de trabalho nesta área vai trabalhar muitos de forma quase automática, o que vai provocar um sério aumento de rapidez e eficiência na forma de trabalhar, deste trabalhador em questão, em relação aos seus colegas de trabalho. Como vai trabalhar mais e mais rápido vai receber um aumento substancial no ordenado o que vai provocar uma melhoria também substancial das condições de vida deste trabalhador e da sua respectiva familia. Ele vai poder ter mais poder de compra, o que lhe vai facilitar a vida, pois vai poder fazer umas surpresas à mulher de quem ele gosta tanto, vai poder comprar um presente ao filho e de vez em quando até vai poder ir ver os jogos do Sporting ao grandioso estádio José de Alvalade Sec XXI.
Esta melhoria vai fazer com que este trabalhador fique feliz no seu local de trabalho e produza cada vez mais e mais. Ao produzir cada vez mais vai ser eleito o empregado do ano e com esta distinção vai receber um novo aumento de ordenado e mais um prémio por ter sido eleito "empregado do ano". Desta vez vai poder trocar de carro e vão poder pagar todas as dividas pendentes que tinham, vai também poder pagar a universidade ao filho para também ele ser tão bom trabalhador como o pai, de forma a ter boas condições de vida como o pai. Como este trabalhador vai produzir muito, vai também perceber muito sobre o trabalho que está a fazer e como já tem muito dinheiro, se a fábrica, por motivos de força maior um dia abrir falência, este trabalhador vai poder comprar a fabrica e desta forma vai salvar muitos postos de trabalho de pessoas que precisam daquele emprego para dar de comer aos filhos.
Em conclusão, quando este trabalhador tiver muita experiencia nesta área, vai subir na vida e vai-se tornar o herói de muita gente.
E por estas e por outras que trabalhar rápido e bem compensa.


Fonte: http://mat116.no.sapo.pt/index.html

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#  À consideração do Ministério da Educação

Ideias para melhorar os Exames Nacionais:
  1. 50:50
  2. Ajuda do público
  3. Ajuda telefónica
  4. Usar o Joker

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27 abril 2006

#  À consideração do Governo

Cortar nas despesas, transformando o Ministério da Educação numa recôndita subsecção do Instituto Nacional de Estatística.

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#  Cruzes, canhoto!

Concorda com que o Exame Nacional de Português do 12.º ano tenha perguntas de interpretação de escolha múltipla (cruzinhas)?

opção 1:Sim, porque eu até já tinha o hábito de responder sem ler a pergunta.
opção 2:Sim, porque é um teste mais inclusivo: não exclui desnecessariamente os desfavorecidos que não sabem ler.
opção 3:Sim, porque é mais democrático. Democracia não é pôr a cruzinha no papel?
opção 4:Claro! E já agora, não daria para a pergunta ser também uma cruzinha?
opção 5:Hã?...




Assine a petição online “Pela Dignidade do Ensino”.

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#  E em 2007...

... Exame Nacional de Português para pintar!

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25 abril 2006

#  Não há Simplex para a Educação

'Pontos nos ii' n.º 4Finalmente, duas semanas depois do compromisso, volto ao n.º 4 da revista Pontos nos ii. Um dos temas abordados em mais do que um artigo é o da sufocante burocracia existente no ensino — burocracia que, mais do que sinal de incapacidade administrativa, denota uma verdadeira conspiração: derrotar qualquer veleidade de rigor e exigência pelo peso da papelada. Vejamos:

Gabriel Mithá Ribeiro, artigo «Filhos de Kafka»:
[...] Reduzir, aligeirar, simplificar em muito a carga burocrática nos mais diversificados domínios constitui um dos passos incontornáveis para qualquer melhoria do sistema educativo.
[...] Apesar dos números já de si alarmantes, a verdadeira dimensão do problema tem sido muito mitigada por «pressão estatística» a que se juntam expedientes burocráticos e facilitistas a que os professores são forçados a recorrer para não se penalizarem nem transformarem os seus alunos concretos nas vítimas excepcionais. Só existe luz verde para contornar o insucesso não-importa-como, nunca para travar o facilitismo. [...]

Luís Filipe Torgal, artigo «A ilusão do sucesso educativo»:
[O propósito do Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro] é evidente e previsível [...]: extinguir a todo o custo o insucesso educativo num ensino básico onde não exista exclusão social. E alguns dos artifícios engendrados para cumprir esse objectivo não são também inéditos. Pretende-se burocratizar ainda mais o processo avaliativo e transformar ainda mais os professores em mangas-de-alpaca e tutores paternais dos alunos [...].
Com estas «normas orientadoras», o ME irá sem dúvida diminuir a estatística do insucesso escolar que tanto embaraça Portugal e o seu Governo na UE. Contudo, será que estas medidas facultam aos alunos uma melhor formação académica e fazem deles melhores cidadãos? Todos sabemos que não, e são várias as razões que fundamentam esta inabalável convicção.

Sobre este mesmo despacho, escrevi eu na mesma linha de Torgal, a 17/11/2005 (ainda no blogue da Periférica):

Os números negros da Educação em Portugal

O Público online de ontem anunciava que, por despacho do Ministério da Educação, «Os conselhos pedagógicos das escolas básicas terão o poder de decidir se os alunos repetentes em vias de voltar a não passar de ano vão ou não ter aproveitamento» [leia-se, passarão «porque sim»]. O objectivo, anunciavam as televisões à noite, é «contrariar os números negros da educação em Portugal».
Não tenho muitas dúvidas de que tal medida facilitista (a n-ésima...) conseguirá branquear um pouco os números negros — já a realidade, essa ficará mais negra.

Voltando ao artigo de Luís Filipe Torgal:
Por outro lado, é mais uma vez pouco honesto o subterfúgio do ME de pretender solucionar o problema do insucesso escolar enredando os professores num kafkiano emaranhado burocrático. É certo que tal estratagema acabará por levar muitos docentes a exigir menos e a simplificar os seus conteúdos de avaliação de forma a permitir a progressão de todos os seus alunos — e nesta medida os propósitos do ME serão conseguidos. Mas esta prática tem consequências perversas e catastróficas: nivela por baixo todos os alunos, premeia a ociosidade e a irresponsabilidade [...].

Nota à margem: Não sem humor (mas nota-se que o sorriso é amarelo), Luís Filipe Torgal apresenta-se como «Professor de Pré-História e História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea do 3.º Ciclo e do Ensino Secundário, Docente de Estudo Acompanhado, de Área de Projecto, de Formação Cívica e de Aulas de Substituição, Director de Turma e tutor paternal de crianças e jovens, manga-de-alpaca e tudo.» Por distracção, certamente, esqueceu-se da recém-adquirida valência de «entertainer»...

Por falta de (grande) experiência pessoal no ensino pré-universitário não tenho discorrido muito sobre esta questão, mas o ano lectivo que passei a leccionar numa escola secundária (já lá vão dez anos) foi deveras esclarecedor. Em primeiro lugar, mesmo no ensino secundário continuam a verificar-se «milagres» nos Conselhos de Turma, com alunos a passarem de sete ou oito negativas para apenas duas ou três (quando, finda a escolaridade obrigatória, supor-se-ia que a avaliação fosse «a doer»). Depois, verdadeiro terrorismo burocrático, pedem-nos mil e uma justificações por escrito para toda e qualquer descida registada na classificação atribuída no final do período a um aluno, mas se uma turma passar de 70% de «classificações inferiores a 10» (dizer «negativas» é antipedagógico...) para 100% de aprovações ninguém nos interroga sobre o «fenómeno»...

Um exemplo particularmente paradigmático da força do «argumento burocrático» na avaliação vivi-o eu em primeira-mão: pretendendo atribuir um 9 a um aluno que no 2.º Período tinha obtido um 10 a título de «incentivo» (depois de um outro 9 no 1.º Período), com que argumentos tentou a Directora de Turma dissuadir-me? Que o aluno era esforçado? Que, a nível global, o 10 traduzia mais o seu desempenho do que o 9? Que eu era demasiado rigoroso? Que eu não sabia avaliar? Não. Simplesmente, que «ainda nos fazes vir aqui em Agosto», porque o aluno iria certamente apresentar um pedido de recurso. Fiz finca-pé, dizendo que o «argumento do Algarve» não era válido, e não houve qualquer recurso: o aluno certamente fez as contas e constatou que, dada a nota da Prova Global, nem com um 10 no final do 3.º Período conseguiria a aprovação à disciplina.

Nota à margem: O ano lectivo de 1995/96 foi aquele memorável em que o Governo do recém-eleito António Guterres, esse coração-mole, cedeu às pressões de supostas Cassandras (que auguravam uma razia nos Exames Nacionais) e decidiu bonificar em dois valores todas as notas de todas as provas. O que eu e os meus colegas nos rimos — um riso ditado pelo sentido do ridículo —, naquela tarde em Setembro, enquanto registávamos nos livros de termos classificações de 21 e 22...

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#  A questão da responsabilização

'Pontos nos ii' n.º 4Outra questão abordada em diferentes artigos da última Pontos nos ii é a da responsabilização. Esta, estranhamente — e cada vez mais —, vem recaindo apenas sobre os professores, na prática apresentados como os culpados da situação da Educação nacional, no geral (são uma espécie de “funcionários públicos ao quadrado”), e do insucesso de cada aluno, em particular (para além, claro, do «contexto social» — o que nos remete para a questão da exigência diferenciada).

Citemos um pouco mais:

Gabriel Mithá Ribeiro:
Se se exigem — e bem! — esforços e resultados aos professores, essa é uma meia verdade transformada num embuste enquanto não se fizer o mesmo aos alunos (e encarregados de educação), o que passará por uma revisão séria e corajosa do sistema de avaliação no sentido da simplificação e da exigência. Só será possível avaliar com rigor o trabalho dos professores quando se avaliar com igual rigor e ao mesmo tempo o trabalho dos alunos. Dizer e tentar o contrário é continuar na senda da burocracia e da mentira.

Luís Filipe Torgal:
[...] porque será que o Despacho aqui analisado concentra as responsabilidades nos professores e não exige obrigações e prevê penalizações a todos os encarregados de educação que se demitem de educar e acompanhar de facto o percurso escolar das suas crianças? É que parece que os nossos pedagogos diplomados e políticos do ME se esqueceram que a escola instrui e quando muito complementa a educação que começa em casa no seio da família. Como podem os professores [...] exigir e obter dos seus alunos na escola comportamentos e atitudes que demasiadas vezes se situam nos antípodas daquilo que essas crianças (des)aprendem todos os dias no seu lar, rua e bairro? [...]

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#  A questão da exigência

'Pontos nos ii' n.º 4Relacionada com a questão da responsabilização está a da exigência, pecado nefando que, supostamente, potencia a exclusão social.

Gabriel Mithá Ribeiro:
Não ser mais exigente na avaliação (por inerência nos comportamentos e no resto) a pretexto do aumento da exclusão social nem sequer é argumento. Há mais de duas décadas que os decisores políticos impuseram (e continuam a impor) o facilitismo com resultados sociais inversos às intenções. Tal só revela preconceitos de classe (dominantes nas elites políticas da esquerda à direita) que pressupõem que os estudantes, particularmente os oriundos de meios sociais desfavorecidos, são dotados de uma inteligência menor a quem nem sequer o elementar se pode exigir, restando esperar que a selecção social comprove a sua inferioridade.

Esta é, como diriam os anglo-saxónicos, uma self-fulfilling prophecy: não se lhes exige, porque não estarão “socialmente” preparados para tal — e não ficam preparados para ascenderem socialmente, porque não se lhes exigiu. Sobre esta questão fala Nuno Crato no livro, nunca demasiado celebrado, O ‘Eduquês’ em Discurso Directo: para alguns pedagogos «democráticos», aos filhos dos agricultores não se deveria exigir mais do que saber contar pelos dedos, para os não votar ao insucesso... Keep your expectations low — Salazar não diria melhor (patrioticamente em português, claro).

(c) 1993 Bruce Eric Kaplan / The New Yorker
Esta questão traz-me à lembrança algo que se passou com uma amiga minha: um «inspector» de visita à escola, lendo as actas dos Conselhos de Turma (os inspectores nacionais não se interessam pela qualidade científica das aulas, só pelas actas e demais papelada — e lá voltamos à questão da burocracia), deixou como reparo negativo o facto de a avaliação «não reflectir o contexto socioeconómico dos alunos». Ou seja, deveriam aplicar-se critérios avaliativos diferenciados conforme o aluno em causa fosse filho de um «senhor doutor» ou de um cavador — posição que logo colheu inúmeros apoios na Sala dos Professores. (Há poucos locus mais horrendus do que uma Sala dos Professores...) A minha amiga contestou tal ideia: Se, perante dois trabalhos com igual correcção e qualidade, se deveria olhar ao «contexto socioeconómico», dando melhor nota ao filho do cavador do que ao do «senhor doutor» — e muitas cabeças acenavam concordantemente à sua volta —, que segurança sentiríamos nós, como doentes, se soubéssemos estar perante um médico que, ao longo do seu percurso escolar, foi sucessivamente beneficiado devido ao «contexto socioeconómico» de que provinha? De facto, que só entrara em Medicina devido aos benefícios desse «contexto»? Quereríamos nós ser pacientes de um tal «médico do contexto»?

Ainda na Pontos nos ii, conclui Luís Filipe Torgal:
[...] não é com alquimias como esta [Despacho Normativo n.º 50/2005], não é com cosméticas políticas fartas de demagogia e irresponsabilidade que o ME irá conseguir promover o sucesso escolar. Em boa verdade, Despachos prestidigitadores como este falsificam as estatísticas do sucesso educativo e prejudicam o país ao fomentarem a legalização de processos de progressão administrativa que irão contribuir para atolar ainda mais Portugal num pântano de incivismo, iliteracia e incompetência.

Parafraseando David Justino, na mediocridade somos todos iguais.
«I'm sorry, but you know too much.»

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#  «Contra a memorização, marchar, marchar!»

'Pontos nos ii' n.º 4Uma das bandeiras preferidas dos pedagogos de algibeira é a oposição categórica à memorização, expressa na forma de anátema ou fat’wa: «Não se decora — compreende-se!» (Ironicamente, tal máxima anti-memorização é das poucas coisas que a generalidade dos alunos sabe na ponta da língua...)

Convém dizer que o princípio atrás enunciado não é totalmente despido de mérito. O problema é que, à custa de simplificações abusivas (as “Ciências” da Educação têm muito de «cognitive science for dummies») e generalizações precipitadas, pretende-se estar perante um axioma ou, termo mais apropriado à mentalidade subjacente, um dogma.

Uma formulação mais correcta do que a anterior seria: «Não se deve apenas decorar — deve-se também compreender.» E já agora, dever-se-á ir ainda mais além, pois o conhecimento não se fica (não se deve ficar) pela mera compreensão.

De facto, os objectivos cognitivos podem ser organizados numa hierarquia de seis níveis (Taxonomia de Bloom*), correspondentes às desejadas etapas do desenvolvimento de competências intelectuais:

  1. Memorização (retenção de informação)

  2. Compreensão (capacidade de chegar a conclusões não directamente contidas na informação memorizada)

  3. Aplicação (abstracção e utilização do conhecimento em casos práticos)

  4. Análise (aptidão para dividir o todo em partes)

  5. Síntese (aptidão para reunir as partes — conhecimento avulso — num todo — conhecimento estruturado — que constitua algo de novo)

  6. Avaliação (aptidão para criticar métodos e resultados: aferir valor e verdade, refutar...)
Desejar compreender sem memorizar nada é como estucar a parede antes de assentar os tijolos: atira-se o gesso à parede, mas não está lá nenhuma parede. E advogar que os alunos não devem ser «ensinados», sendo a função do professor levar cada um deles a «criar o seu próprio conhecimento» (salto quântico para o nível da síntese!) é algo tão incomparavelmente irresponsável e ignorante do que são os processos cognitivos, que a metáfora do começo da casa pelo telhado fica muito aquém.

É por isso que expressões sonantemente poéticas como «chegando-se à memória através do raciocínio» (Odete Santos, artigo «Conhecimento não é para privilegiados», Pontos nos ii n.º 4), não estando nós — não devendo estar — no domínio da poesia, são não só vácuas como perigosas: roem todo um edifício cognitivo pela base, comprometendo-o. E isto não é futurologia barata: olhando em volta, já os vemos a ruir.


* Dizem-me que a Taxonomia de Bloom «já não é muito utilizada». Tal facto, mais do que incorrecção ou desactualização da teoria, não denotará a infestação das “Ciências” da Educação por espécimes a quem a ideia de um conhecimento estruturado, hierarquizado e progressivo desagrada? A quem o próprio conhecimento desagrada? (Et pour cause.)

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24 abril 2006

#  Algo tem de mudar para que tudo fique igual

Segundo o Público,

Republicanos querem ver [Condoleeza] Rice no lugar de [Dick] Cheney

[...] Os republicanos estão nervosos com as eleições intercalares para o Congresso, e tentam convencer Bush [de] que só uma medida drástica, como a demissão de um dos pesos-pesados — Cheney ou o secretário da Defesa Donald Rumsfeld — poderá convencer os eleitores de que o Presidente vai mudar algo de fundo.

Livrar-se de Cheney pode não ser uma tarefa fácil, dado o ascendente que o vice-presidente parece ter sobre Bush. Conforme escrevia Hendrik Hertzberg há coisa de mês e meio:
Truly, this is the Bush-Cheney Administration, in alphabetical order. The hyphen looks like a coy equal sign [...].

E se alguns falavam já no afastamento de Cheney, o articulista da New Yorker discordava — pelo menos até certo ponto:
[...] Insight, an obscure but well-connected Washington “news magazine,” asserted last week that Cheney will “probably” be eased into retirement after November’s congressional elections. That seems farfetched. [...] If, come next year, Cheney really does resign his office “for reasons of health,” he will have done so, almost certainly, for reasons of health.

Mas também é verdade que mês e meio se passou...

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#  Terapia de grupo?

«[...] em Portugal existem 307 entidades destinadas à promoção do empreendedorismo.»

(Dia D, citando um investigador americano que trabalha cá.)

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23 abril 2006

#  Quão alto chegarão os cordelinhos?

(c) Michael Kountouris / 'Galera'Até ao Altíssimo?...

Desenho de Michael Kountouris (Grécia), 3º Prémio (categoria “Desenho de Humor”) no World Press Cartoon 2006.

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22 abril 2006

#  As carnívoras flores-de-cheiro

Helena Matos escreve no Público de hoje sobre as cedências ocidentais à “sensibilidade” religiosa islâmica («Sensibilidade, relativismo e cobardia»), ilustrando com dois casos recentes: o da Bershka (um caso que eu desconhecia de todo) e o da série de animação South Park (que tinha tudo menos tradição de respeito pela sensibilidade religiosa fosse de quem fosse... até agora). Cito a parte para mim fundamental:
[...] Stone e Parker [criadores de South Park] perceberam que as religiões não são de facto todas igualmente sensíveis. Ou, parafraseando Orwell, as religiões são todas iguais, mas há algumas mais iguais que outras. Assim, um episódio em que surgiria uma imagem de Maomé não foi para o ar. Em sua substituição foi emitido um outro no qual se vê Jesus Cristo a defecar em cima de George W. Bush e da bandeira americana. O recurso à escatologia não deve ser suficiente para esconder o óbvio: com Maomé não se brinca. Somos muito irreverentes, muito polémicos mas apenas com aqueles cujos seguidores não nos ameaçam degolar numa esquina.
Na verdade, não está em causa a sensibilidade do outro. O que está em causa é o medo que o outro nos inspira. [...]

Uma vez mais, concordo plenamente com Helena Matos.

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#  Merdicionário

Ilustração de Paulo Araújo O que se segue não é propriamente um dicionário (só a minha indomável presunção permitiu assim chamá-lo); é mais uma realidade indefinida entre o glossário avulso, o guia de conversação e o repertório de citações famosas.

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Abandonado:
Deixado na merda.

Agnosticismo:
Não há forma de entender esta merda.

Alentejano:
Orã vãmû lá a vêri... Mér’da ficã âssi cômo quêm vai p’râ Bádájôz, mã nã párã e ségui más û pôcuchinhû, ‘tá vêri...

Álvaro Cunhal:
Merda? Olhe que não! Olhe que não!...

Ambientalista:
1. Isto pode ser uma merda, mas pelo menos é biodegradável...
2. Vamos reciclar esta merda.

Anti-semitismo:
Judeus de merda!

Ateísmo:
Não acredito nessa merda.

Ateísmo (absoluto):
Essa merda é impossível.

Candide (de Voltaire):
Esta merda é boa para cultivarmos o nosso jardim.

Censura:
#####.

Computador:
Por que é que esta merda não funciona?!

Confiança:
Esta merda já está ganha!

Consumismo:
1. Quanto é que esta merda custa?
2. Tu compras estas merdas?!

Cubismo:
Por onde é que a merda sai?!

Curiosidade:
Que merda é esta?

Déjà vu:
Acho que esta merda já me aconteceu, mas não tenho a certeza...

Desenrascar-se:
Desenmerdar-se.

Desentendido:
Merda? Que merda?

Desinteresse:
Estou-me a cagar para isso...

Deus (no Monte Sinai):
Tira as sandálias de teus pés, pois a merda que pisas é sagrada.

Dislexia:
Deram.

Ecumenismo:
No fundo, acreditamos todos na mesma merda.

Egoísmo:
1. Esta merda é minha!
2. Prisão de ventre.

Eleição de Mário Soares (1ª vez, 1986):
Esta merda é fixe!

Eleições 1999 (slogans):
CDS-PP: Não às pensões de merda.
PS: A merda em boas mãos.
PSD: Em quatro anos fazemos mais e melhor...

Espírito científico:
Vamos estudar esta merda!

Estoicismo:
Estás na merda? Aguenta!

Eufemismo:
Caca. Cocó.

Eurocrata:
Vamos subsidiar esta merda.

Exibicionista:
O que se caga para os outros.

Existencialismo:
Os outros são uma merda.

Fatalismo:
Uma merda nunca vem só.

Fat’wa:
A culpa desta merda toda é do Salman Rushdie.

Fazer asneira:
Fazer merda.

Feminismo:
Os homens são uma merda.

Fernando Pessoa:
Não fui eu que escrevi esta merda — foi o Alberto Caeiro.

Flagrante:
Mas afinal, que merda vem a ser esta?!

Fracção de segundo:
Cagagésimo.

Generalização:
Isto é tudo a mesma merda.

Generosidade:
1. Esta merda é toda vossa!
2. Diarreia.

Gourmet:
Recuso-me a comer esta merda.

Hedonismo:
Caguem para isso — vamos mas é divertir-nos!

Impressionismo:
Esta merda parece melhor vista de longe.

Incredulidade:
Não acredito nesta merda!

Indecisão:
Não sei que merda faça...

Inquisição:
Vamos queimar esta merda!

Insignificância:
Merdelhice.

Insulto:
1. Estúpido de merda!
2. É burro como a merda!

Judas:
Traidor de merda.

Leibniz:
Esta é a melhor das merdas possíveis.

Maria Antonieta:
Se não podem comer pão, que comam merda.

Milenarismo:
Esta merda vai durar mil anos.

Music Stars:
Supertramp.

Nazismo:
Esta merda é vital para o Reich!

Niilismo:
Tudo isto é uma merda.

Optimismo:
1. Essa merda nunca me acontecerá.
2. Esta merda até vai ser boa para mim.
3. Esta merda acabará por passar.

Paranóia:
Estas merdas só acontecem a mim.

Patriotismo (ou “O que é nacional é bom”):
Isto até pode ser uma merda, mas é a nossa merda!

Perdulário:
Cagão.

Pessimismo:
Estou na merda.

Pessimismo (absoluto):
Esta vida é uma merda.

“Pimba”:
Música de merda.

Politicamente correcto:
Dejectos de origem animal, nutricionalmente empobrecidos.

Pós-Modernismo:
Ninguém entende esta merda.

Pragmatismo:
1. Isto pode ser uma merda, mas funciona.
2. Vamos tirar o melhor partido possível desta merda.

Pressentimento:
Isto vai dar merda...

Prisão de ventre:
Esta merda não sai...

Profissional da dita:
Merdeiro.

Queixinhas:
Esta merda é culpa dele!

Racionalismo:
Há uma explicação racional para esta merda.

Reality shows:
Vamos transmitir esta merda!

Reencarnação:
Esta merda já me aconteceu antes.

Relativismo:
A merda está nos olhos de quem vê.

São Tomé:
Só acredito nessa merda se lhe tocar com o dedo.

Sócrates:
Só sei que sou uma merda.

Teoria da Evolução:
1. Esta merda está cada vez melhor.
2. Esta merda já foi comida.

Testemunhas de Jeová:
Bom dia. Tenho aqui umas merdas para o senhor ler...

Tímido:
Caguinchas.

Vandalismo:
Vamos partir esta merda toda!

Voyeur:
Vamos ver a merda que aquele gajo fez.

Com algumas diferenças, publiquei originalmente este texto em 1999 (nota-se que uma ou outra entrada está algo datada...) na revista Eito Fora, o projecto editorial que antecedeu a Periférica. A inspiração fui buscá-la a um artigo do site “Internet Infidels” (concretamente, aqui).

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21 abril 2006

#  Até a cair em petas estamos atrasados...

Leio num jornal local o alerta para um “esquema” de burla: alguém, identificando-se como funcionário da PT ou de outra operadora telefónica, andaria a telefonar a diversas pessoas com a desculpa de estar a testar a integridade das linhas, para o que solicitaria ao assinante que teclasse “90#”; o suposto técnico diria então que estava tudo bem, desligando em seguida. Esta acção aparentemente inofensiva serviria, supostamente, para transferir as despesas das chamadas a partir daí efectuadas pelo burlão para a conta telefónica do assinante burlado.

Desconfiado como sou destas coisas de “passa-palavra”, fiz uma pequena pesquisa na Internet, encontrando no site About.com — uma fonte fidedigna em termos de novas tecnologias — a informação sobre esta lenda urbana (ou melhor: em grande medida é uma lenda urbana). Resumo de seguida o fundamental (o artigo integral está aqui):
[...] As shocking as this may sound, the “nine-zero-pound” [os americanos chamam “pound sign” ao cardinal] story is true ... sort of.
What the warning letter floating around the Net doesn’t say is that this scam only works on telephones where you have to dial 9 to get an outside line. Unless you have to dial 9 to get an outside line at home, this scam does not affect residential telephone users. Dialing “nine-zero-pound” on a residential phone will only give you a busy signal. That’s it.
[...] It also probably doesn’t affect non-US telephone users. [...]

Para nossa vergonha, esta peta tem pelo menos 8 anos. Para nosso consolo, é uma peta famosa: ocupa precisamente a posição 25 do Top 25 das Lendas Urbanas americanas.

20 abril 2006

#  Então estamos bem arranjados

A OCDE diz que Portugal continua a atrasar-se em relação ao resto da Europa — e que a chave para recuperarmos o nosso atraso é a Educação.

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#  20 de Abril de 1911: Lei da Separação da Igreja do Estado

Obrigado ao Diário Ateísta por me informar da efeméride:


O Governo Provisório da República faz saber que em nome da República se decretou, para valer como lei, o seguinte:

Capítulo I
Da liberdade de consciência e de cultos


Artigo 1º
A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda aos estrangeiros que habitarem o território português.

Artigo 2º
A partir da publicação do presente decreto, com força de lei, a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito político português.

Artigo 3º
Dentro do território da República ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, nem perguntado por autoridade alguma acerca da religião que professa.

Artigo 4º
A República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto algum; e por isso, a partir do dia 1 de Julho próximo futuro, serão suprimidas nos orçamentos do estado, dos corpos administrativos locais e de quaisquer estabelecimentos públicos todas as despesas relativas ao exercício dos cultos.

[...]

Entre outros, o Artigo 4º entretanto caiu...

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#  Qual Green Card, qual quê! (4)

The New Yorker cartoon caption contest #47 — a minha contribuição:

(c) Tom Cheney / The New Yorker
«We provide training on real-world-relevant skills to all our staff cartoonists.»

Desenho de Tom Cheney / The New Yorker

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#  Dúvida

O blogue do Pedro Mexia agora é actualizado por SMS?

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#  Eu prefiro Skip

O teu IP é o 193.x.x.x! Estás a usar o Windows XP e a usar o IE 6! Oriente ou Ocidente, Islão é Melhor!
(Banner encontrado no fórum “Comunidade Islâmica da Web” quando por lá passei.)

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#  Será mesmo preconceito nosso?

Voltando ainda ao Prós & Contras do passado dia 10, veio-me à lembrança a intervenção de um dos líderes da Comunidade Islâmica em Portugal* (presente na assistência), que apontava como sinal de discriminação em relação ao Islão o facto de, no Ocidente, a imprensa se referir à Al-Qaeda como uma organização terrorista «islâmica», mas não se referir à ETA como uma organização terrorista «cristã» ou «católica». Infelizmente, também aqui, não houve quem na sala desse a esta intervenção a devida réplica. Alguns rasparam a superfície da questão, mas não foram suficientemente claros e exactos para que o comum dos espectadores entendesse a diferença fundamental. E, assim, a falácia passou.

O dirigente da Comunidade Islâmica em Portugal tem certamente alguma razão quando fala em discriminação — como todos os líderes (ou não) de todas as minorias em todo o mundo. Mas o exemplo que dá é, como disse, falacioso. Desde logo, uma falácia de base: a Al-Qaeda, com ou sem propriedade, reclama-se defensora da fé e dos valores muçulmanos e promotora da sua hegemonia; já a ETA, por mais cristãos ou católicos que os seus membros possam ser, proclama-se defensora do povo basco — da sua identidade, da sua independência política — e orienta-se por uma ideologia marxista (como, originalmente, a OLP). O que opõe a ETA aos Estados espanhol e francês é a identidade basca (seja lá o que isso for) — não a identidade (ou a prática) religiosa; já o que separa a Al-Qaeda e grupos satélites do Ocidente (ou de outros muçulmanos) é, segundo essas organizações, a identidade (ou a prática) religiosa. Por isso, as situações são, à partida, bem distintas.

Existe ainda nas palavras do tal dirigente muçulmano uma falácia adicional: é que o rótulo «islâmico» não é usado tão ao desbarato como ele nos tenta convencer, nem os rótulos «cristão» ou «católico» são omitidos de organizações terroristas se tal se justifica.
No primeiro caso — para além da já citada OLP (que, de facto, integrava originalmente muitos palestinianos cristãos) —, ninguém se refere aos grupos terroristas/separatistas curdos da Turquia como «islâmicos», mas simplesmente como «curdos», «nacionalistas curdos» ou «separatistas curdos» — porque é a identidade curda, e não a religião, que os separa dos (e os opõe aos) turcos. E mesmo em casos em que existe uma dupla clivagem étnica e religiosa, como é o da Chechénia, a imprensa ocidental destaca mais a natureza étnica do conflito do que a religiosa (apesar da crescente “islamização” do separatismo checheno).
No segundo caso, é mentira que, justificando-se o rótulo, a imprensa não se refira aos grupos terroristas/separatistas “cristãos”, “católicos” ou “protestantes” como tal. Veja-se o caso do conflito da Irlanda do Norte: de um lado os separatistas «católicos» do Sinn Féin (literalmente, «Nós Mesmos») e do IRA (embora, na designação, o grupo apenas se reclame «republicano» e «irlandês»), do outro os «protestantes» fiéis à Coroa inglesa (que, exactamente por isso, se referem a si mesmos mais como «unionistas» e «lealistas» do que como «protestantes» — haja ou não aqui hipocrisia).

Fica, pois, claro que a prevalência da designação «grupo terrorista islâmico» não é sinal de discriminação em relação aos seguidores do Islão. Outros sinais haverá, mas este não é um deles.
Ajudaria à diminuição de tal discriminação uma clara demarcação dos muçulmanos «moderados» face às acções e objectivos dos muçulmanos terroristas — uma demarcação sem relativizações ou «contextos», sem pigarreios, sem «poréns», sem «nos entantos». Uma demarcação denotadora de condenação inequívoca. Mas nem como exercício de hipocrisia para consumo externo conseguimos ouvir isso deles. A voz da Ummah fala mais alto.


* Terá sido apenas uma escolha menos feliz na hora de decidir a designação da comunidade, mas remeter Portugal para um complemento circunstancial de lugar («Comunidade Islâmica em Portugal», e não «de Portugal» ou simplesmente «Portuguesa») contribui pouco para a credibilidade do autoproclamado sentimento de pertença.

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#  Não era mais fácil ouvi-los através das...?

«Unidade de Missão ouve magistrados sobre escutas»


(Título no Público de ontem.)

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19 abril 2006

#  Party-spoilers

Que mau timing — e que falta de consideração! — a desses judeus: deixarem-se matar exactamente 500 anos antes da inauguração do Casino de Lisboa...

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#  Convém não esquecer...

O apelo de Nuno Guerreiro para que os mortos do massacre de 1506 sejam recordados com velas no Rossio desencadeou fortes reacções. Sobre elas, diz o autor da Rua da Judiaria:

O assinalar do 250º aniversário do terremoto de Lisboa de 1755, em Novembro passado, não levantou em ninguém este tipo de questões (nem devia ter levantado, obviamente). Ninguém correu para os teclados a debitar prosa rancorosa nos comentários dos blogs; ninguém clamou “mas isso foi há tanto tempo, precisamos é esquecer” ou “... e então os terremotos do Irão e da Turquia, o ‘tsunami’ do Sudoeste Asiático ou as vítimas do Katrina?”; ou sequer “é preciso recordar também todas as vítimas de todas as catástrofes naturais ocorridas na história desde os tempos do Dilúvio até à desastrosa resposta da Administração Bush à tragédia do Katrina.” Ninguém se sentiu manipulado. De cabeça, lembro-me que houve extensos artigos na Imprensa, livros, reportagens de televisão, cerimónias oficiais, missas e procissões em memória das vítimas de 1755. Tudo isto sem que o relembrar desta fracção de memória fosse vista como uma qualquer maquiavélica maquinação. Mas uma tentativa semelhante para lembrar os mortos do massacre de 1506, aparentemente e para muitos, terá sempre “outra carga” — mesmo quando a data não é assinalada oficialmente; mesmo que a esmagadora maioria dos portugueses a desconheça; mesmo quando muitos apenas a descobriram recentemente, através da leitura de um notável romance histórico escrito por Richard Zimler, um judeu americano que mora em Portugal. [...]
O meu amigo Lutz Brückelmann tem razão e a sua conclusão certeira deixa-me francamente desgostoso (algo que ele também antecipou): nada disto teria acontecido se os mortos não fossem judeus portugueses; se este desafio à lembrança e à preservação da memória não tivesse sido feito por um judeu; caso não tivesse partido de um blog marcadamente judaico escrito por um judeu. Esta “questão” não existiria (nunca!) se eu não fosse quem sou...

O Nuno Guerreiro tem alguma razão, claro: não há dúvida de que os judeus continuam a... incomodar muita gente — mas não me parece que a principal razão subjacente às reacções ao seu apelo se devam ao facto de os mortos serem judeus e o apelo ter partido de um judeu. Não digo que essas não sejam razões presentes, mas penso que a principal é outra: é que a turba sanguinária, os culpados, os assassinos eram portugueses (e outros europeus) “normais”, i.e., cristãos. Ou seja, relembrar o massacre é relembrar um crime dos antepassados (de facto ou em termos culturais) da maioria dos que leram o seu apelo.

A grande “vantagem” do terramoto de 1755 é que foi uma matança sem culpados (pelo menos quanto aos mortos iniciais; depois houve linchamentos, autos-de-fé e outros que tais): assinalar a efeméride não é apontar o dedo a ninguém.
De igual forma, lembrar os mortos do Katrina tem duas (ou três) vantagens: sendo uma catástrofe natural, não se acusa ninguém; é sempre mais uma oportunidade de autocomprazimento com a nossa bondade e sensibilidade («coitadinhos dos pretos, a pena que eu senti deles...»); e — bónus que para alguns é tudo — temos mais um argumento para detestar e insultar o Bush, que, não tendo originado a catástrofe, foi negligente (ou mesmo «maquiavélico»!) na gestão da crise.

O mesmo não se passa com o pogrom de há 500 anos: houve culpados e os culpados (por “herança”) somos nós. Daí o desconforto. Obteria uma reacção igual (ou parecida) alguém — especialmente um negro — que pretendesse assinalar o massacre de Wiriamu.


P.S. Aproveito para perguntar ao Nuno Guerreiro (se por acaso ler isto) ou a quem me puder ajudar: há algum bom livro (em português, inglês ou espanhol) sobre o pogrom de 1506?

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#  O pogrom de Lisboa segundo Damião de Góis

Damião de Góis
«...Nos dois derradeiros capítulos desta primeira parte, tratarei de um tumulto e levantamento que, a dezanove de Abril de 1506, Domingo de Pascoela, houve, em Lisboa, contra os Cristãos-novos.
No mosteiro de São Domingos existe uma capela, chamada de Jesus, e nela há um Crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que deram foros de milagre, embora os que se encontravam na igreja julgassem o contrário. Destes, um Cristão-novo [julgou ver, somente], uma candeia acesa ao lado da imagem de Jesus. Ouvindo isto, alguns homens de baixa condição arrastaram-no pelos cabelos, para fora da igreja, e mataram-no e queimaram logo o corpo no Rossio.
Ao alvoroço acudiu muito povo a quem um frade dirigiu uma pregação incitando contra os Cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro com um crucifixo nas mãos e gritando: “Heresia! Heresia!” Isto impressionou grande multidão de gente estrangeira, marinheiros de naus vindos da Holanda, Zelândia, Alemanha e outras paragens. Juntos mais de quinhentos, começaram a matar os Cristãos-novos que encontravam pelas ruas, e os corpos, mortos ou meio-vivos, queimavam-nos em fogueiras que acendiam na ribeira [do Tejo] e no Rossio. Na tarefa ajudavam-nos escravos e moços portugueses que, com grande diligência, acarretavam lenha e outros materiais para acender o fogo. E, nesse Domingo de Pascoela, mataram mais de quinhentas pessoas.
A esta turba de maus homens e de frades que, sem temor de Deus, andavam pelas ruas concitando o povo a tamanha crueldade, juntaram-se mais de mil homens [de Lisboa] da qualidade [social] dos [marinheiros estrangeiros], os quais, na Segunda-feira, continuaram esta maldade com maior crueza. E, por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e [as próprias] crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes. E não esqueciam de lhes saquear as casas e de roubar todo o ouro, prata e enxovais que achavam. E chegou-se a tal dissolução que [até] das [próprias] igrejas arrancavam homens, mulheres, moços e moças inocentes, despegando-os dos Sacrários, e das imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de outros santos, a que o medo da morte os havia abraçado, e dali os arrancavam, matando-os e queimando-os fanaticamente sem temor de Deus.
Nesta [Segunda-feira], pereceram mais de mil almas, sem que, na cidade, alguém ousasse resistir, pois havia nela pouca gente visto que por causa da peste, estavam fora os mais honrados. E se os alcaides e outras justiças queriam acudir a tamanho mal, achavam tanta resistência que eram forçados a recolher-se para lhes não acontecer o mesmo que aos Cristãos-novos. Havia, entre os portugueses encarniçados neste tão feio e inumano negócio, alguns que, pelo ódio e malquerença a Cristãos, para se vingarem deles, davam a entender aos estrangeiros que eram Cristãos-novos, e nas ruas ou em suas [próprias] casas os iam assaltar e os maltratavam, sem que se pudesse pôr cobro a semelhante desventura.
Na Terça-feira, estes danados homens prosseguiram em sua maldade, mas não tanto como nos dias anteriores; já não achavam quem matar, pois todos os Cristãos-novos, escapados desta fúria, foram postos a salvo por pessoas honradas e piedosas, [contudo] sem poderem evitar que perecessem mais de mil e novecentas criaturas.
Na tarde daquele dia, acudiram à cidade o Regedor Aires da Silva e o Governador Dom Álvaro de Castro, com a gente que puderam juntar, mas [tudo] já estava quase acabado. Deram a notícia a el-Rei, na vila de Avis, [o qual] logo enviou o Prior do Crato e Dom Diogo Lopo, Barão de Alvito, com poderes especiais para castigarem os culpados. Muitos deles foram presos e enforcados por justiça, principalmente os portugueses, porque os estrangeiros, com os roubos e despojo, acolheram-se às suas naus e seguiram nelas cada qual o seu destino. [Quanto] aos dois frades, que andaram com o Crucifixo pela cidade, tiraram-lhes as ordens e, por sentença, foram queimados.»

Damião de Góis, Crónica de D. Manuel I, capítulo CII da Parte I


Informação retirada da “Rua da Judiaria”: Damião de Góis (1502-1574), in “Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória”, escrito em Lisboa entre 1566 e 1567. Historiador e humanista, Guarda-Mor dos Arquivos Reais da Torre do Tombo, figura central do Renascimento em Portugal — ele próprio acusado mais tarde de “heresia” pela Inquisição por causa das suas simpatias luteranas e da amizade com Erasmo —, Damião de Góis relata com sentida e genuína indignação o massacre de 1506, ao contrário de outros cronistas “cristãos-velhos” que se limitaram posteriormente a fazer um relato desapaixonado e quase burocrático da matança, optando por “branquear” os detalhes mais macabros testemunhados nos escritos de Góis.

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#  Convém não esquecer...

... que foram precisos séculos para que nos deixássemos disto. E que por vezes a mão nos foge para o mesmo (o preconceito e o ódio ao Outro têm, também, o seu eterno retorno).

Lisboa: Progrom (massacre de judeus) de 1506
Lisboa: Progrom (massacre de cristãos-novos e/ou judeus) de 19–21 de Abril de 1506.

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#  Eterno retorno

Excerto da entrevista de António Nóvoa (novo reitor da Universidade de Lisboa) ao Público de 18 de Abril:

António Nóvoa — [...] A universidade não se reorganizou no sentido de perceber que tem hoje uma missão diferente daquela que tinha há 30 anos.
Público — Para além de serem mais, são diferentes? É frequente ouvir-se dizer que chegam à universidade sem saber pensar, por vezes [nem] escrever.
António Nóvoa — É o que escrevo no livro Evidentemente: tudo isso é evidente, mas é uma evidência que mente um pouco. Quando preparei o programa de candidatura, estive a ler as orações de sapiência e os discursos de abertura do ano académico da UL. A primeira oração, em 1911, é exactamente em torno desse tema. Dizia que a situação era um desastre, que era impossível dar um ensino universitário de qualidade, quando os jovens vinham do liceu daquela maneira.

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18 abril 2006

#  Para que o silêncio não reine aqui

In “Kontratempos”:
UM SILÊNCIO QUE NOS FALA. Neste dia em que um comando suicida da Jihad Islâmica fez 10 mortos e 50 feridos em Telavive, poucos se referiram ao atentado. [...] Nos blogues de esquerda com sentido único, nem uma palavra. Na esquerda parlamentar que gosta de reclamar o monopólio da esquerda, nem um comunicado nem uma parábola. Todos reservam as suas declarações indignadas para a retaliação israelita. Demasiado previsível, este silêncio que nos fala.
E com esta o blogue de Tiago Barbosa Ribeiro ganha um espaço na minha lista de sugestões.

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#  Optimismo / Pessimismo

Optimismo

Quando penso em tudo o que o futuro nos reserva — degradação ambiental e esgotamento dos recursos naturais, confronto civilizacional e cerco aos valores ocidentais e, súmula de tudo isso, as consequências dessa machadada no orgulho árabe (e muçulmano) que será o fim do petróleo —, quando penso em tudo o que o futuro nos reserva, reconforta-me (ou algo assim) a ideia de que morrerei sem descendentes antes que as coisas se tornem realmente feias.

Pessimismo

Depois lembro-me que tenho duas sobrinhas e um sobrinho pequenos. E lembro-me da longa vida da minha avó paterna (99 anos, 5 meses e 10 dias). Então, angustia-me a perspectiva de que, de uma forma ou de outra, não terei a sorte desejada.

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#  Y, por supuesto, libre y digna

Voltando à Sábado da semana passada, o jornalista Ferreira Fernandes assina um interessante artigo de opinião (última página) sobre a visita dos monarcas espanhóis à Arábia Saudita, em que, contrariando a vontade do protocolo, a rainha espanhola recusou-se a cobrir a cabeça. O jornal El Mundo noticiou o acontecimento, informando que Doña Sofía ia, «por supuesto, descubierta». Diz Ferreira Fernandes:
[...] gostei, sobretudo, do “por supuesto” do jornal, ao dar como natural, como não podendo ser outra coisa, o arreganho da sua Rainha.

Instantâneos da visita da rainha de Espanha à Arábia Saudita
Infelizmente — é preciso dizê-lo —, a opinião não foi generalizada, havendo órgãos de informação espanhóis a apontar a Doña Sofía alguma falta de tacto diplomático. O articulista da Sábado não comunga de tais reservas, defendendo que há limites para as cedências e ilustrando oportunamente com o exemplo do
[...] ministro holandês que tendo convidado um colega iraniano para um almoço e tendo ouvido deste que não podia haver vinho na mesa, disse [...] que não havendo vinho, não havia almoço. [...] há coisas de que não podemos abdicar. Começamos por não dizer “tchim-tchim” e passamos o resto da vida a dizer “sim-sim”.

Voltando à visita real à Arábia, Ferreira Fernandes enquadra a atitude da rainha espanhola no cenário mais alargado da afirmação da dignidade feminina (os destaques são meus):
Desde pequena, [a mulher saudita] tinha sido ensinada que tinha de andar sempre resguardada porque senão os seus cabelos, a sua boca e o seu decote fariam os homens pecar. Ela tinha de penar a inexistência para que os outros não pecassem — assim mandava o Alcorão.
[...] de trás da abaia sinistra, eu vi uma cabecinha a pensar: “Queres ver que um dia posso apanhar sol nos joelhos?” Foi uma revolução do caraças o que Dona Sofia foi fazer para a península arábica. Dar a alguém vontade de apanhar sol nos joelhos é um passo enorme para a Humanidade. Tudo começou há alguns milhões de anos, quando homens e mulheres se tornaram erectos. Um dia, todos e todas estaremos assim.

Tirando o optimismo final, subscrevo tudo.

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#  Perca-se também em Nova Iorque

Não é só em Portugal que a Sábado quer garantir que nos perdemos: os mais afortunados podem perder-se também às compras em Nova Iorque.

O suplemento Primeira escolha da revista apresenta um roteiro turístico da Nova Iorque de Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte (o quarteto de O Sexo e a Cidade) e, entre outras coisas, manda-nos procurar a loja de Manolo Blahnik no «Cruzamento da Rua 31 com a Rua 54, Upper Midtown».

Nova Iorque, East Upper Midtown(Para quem não sabe, com muito poucas excepções, as ruas numeradas de Nova Iorque são perpendiculares às avenidas também numeradas e paralelas entre si, pelo que não se cruzam — excepto, vá lá, no infinito...)

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17 abril 2006

#  «... mal também não faz.»

É o argumento de último recurso, aquele a que recorrem quando todos os demais falharam: que se o baptismo, a catequese ou a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (conforme o caso) não fizerem bem, mal também não fazem. É um grande tombo em termos de dignidade — de farol da vida em sociedade e passaporte para a eterna salvação post mortem a inofensivo e pechisbeque placebo moral —, mas é um sacrifício a que, sendo necessário, os laçadores de ovelhas tresmalhadas não hesitam recorrer: uma pequena humilhação face à perspectiva de a geração seguinte retornar ao rebanho.

Infelizmente é mentira: não é verdade que, «se não fizer bem, mal também não faz». Pode fazer. Porque se não é um remédio, não se deduz daí que então é necessariamente um placebo — pode ser aguarrás ou coisa pior.

Dois exemplos. O primeiro retiro-o do editorial de Francisco Camacho da NS’ de 8 de Abril, apropriadamente intitulado «Religião imoral». O director deste suplemento dos jornais DN e JN conta o caso de um casal amigo que, como outros que ele conhece, matricularam o filho num colégio católico, não por uma questão doutrinária (os amigos em causa não são propriamente católicos praticantes), antes pela reputação em termos de qualidade de ensino. Mas, como diz Camacho, «tenhamos atenção à perversidade que se esconde debaixo de alguns malmequeres»:
Há dias, o filho [...] quis debater com a mãe a questão do aborto. O rapaz demonstrou uma convicção inabalável a respeito do tema. Aborto jamais, sob circunstância alguma, clamou o miúdo do alto dos seus dez ou onze anos. A mãe explicou-lhe que ninguém no seu perfeito juízo defendia propriamente o aborto, mas, por mais indesejável que fosse, essa poderia ser a única solução em determinados momentos da vida. O rapaz manteve-se firme. O que lhe tinham ensinado na escola não era aquilo. Em desespero de causa, a mãe confrontou-o então com a pergunta sacramental: se ela corresse perigo de vida por causa de uma gravidez, deveria interrompê-la ou entregar-se à morte e deixar os filhos órfãos? O miúdo foi peremptório: a gravidez estaria sempre em primeiro lugar. Mesmo que isso lhe custasse a morte da mãe.
E Francisco Camacho continua (os destaques são meus):
Quem o disse não foi o estudante de uma madrassa. Foi o aluno de uma das escolas mais conceituadas de Portugal. Uma escola de formação de elites, onde a qualidade do ensino, seja lá o que isso queira dizer, anda de mão dada com uma mentalidade medieval e com uma cartilha criminosa.

Do segundo exemplo tenho conhecimento directo. Um casal meu amigo tem a filha única a frequentar o 2.º Ciclo do Ensino Básico numa escola pública. Os pais, nascidos em famílias católicas, são ateus (ou, pelo menos, agnósticos), pelo que a miúda não foi baptizada nem frequentou a catequese. Apesar disso, no acto de matrícula foram assediados no sentido de optarem pela disciplina de EMRC; os argumentos apresentados foram não só o já referido do placebo, mas ainda (porque um parecia não chegar) o do espectro da discriminação: que a menina sentir-se-ia posta de lado quando os outros fossem para a aula de EMRC e ela não... Com receio do possível «trauma» da criancinha — e porque «mal também não faz» —, os meus amigos (que em tudo o mais demonstram discernimento) acederam. Em má hora, vêem agora: há uns tempos a menina chegou a casa chocada com as palavras do professor de Moral. No âmbito da campanha anti-aborto (o seu grande cavalo-de-batalha actual), e sendo necessário deixar bem patente a infinita superioridade do valor da vida humana, verdadeiramente sagrada, achou o energúmeno de nomeação episcopal que seria bom ilustrar tal superioridade com um exemplo simples: que um gato ou um cão, sendo seres sem sentimentos, ao contrário do ser humano, podiam «ser atirados contra a parede», não constituindo isso qualquer mal.

Eu iria um pouco mais longe do que o editorialista da NS’ e perguntaria (retoricamente) se a diferença entre um colégio (ou um ensino) católico e uma madrassa islâmica não residirá tão-só nas sociedades em que se inserem e não na bondade/maldade intrínseca dos princípios morais que regem cada uma das escolas. A diferença é que, no Ocidente, a sociedade e a Lei vão refreando (a custo) os ímpetos terroristas e absolutistas da orientação teológica do ensino. Mas isso exige atenção dos pais, que deverão ter a consciência de que, se bem não faz, mal pode fazer — e muito. Verdadeiramente, há muita perversidade debaixo dos malmequeres.


Post-scriptum (23:15): Nem de propósito: no episódio desta noite de O Sexo e a Cidade (SIC-M), Brady, o companheiro de Miranda, defende o baptismo do filho deles, não só para agradar à sua mãe (dele, Brady), mas também para prevenir os perigos do Limbo ou do Inferno. Perante a oposição da Miranda, que afirma não acreditar numa ou noutra coisa, returque o companheiro: «Se não acreditas, é só água na cabeça do miúdo!»

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15 abril 2006

#  Perca-se em Portugal

A edição de 12-19 de Abril da revista Sábado traz um interessantíssimo suplemento, «52 fins-de-semana longe de tudo», com uma selecção de hotéis de charme, restaurantes e passeios em Portugal (e Espanha). É o guia ideal para nos perdermos no nosso país — não só porque a maior parte dos poisos seleccionados são, efectivamente, de perdição, mas também porque as indicações de «Como ir» estão frequentemente erradas, com coisas como «Do Porto, vá pela A3 para Vila Real e tome o IP4 para Amarante.»

Como quase tudo o que diz respeito às estradas portuguesas, é o guia perfeito para quem já sabe o caminho.

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14 abril 2006

#  Ainda o Abominável Homem das Neves (e não só)

Vasco Pulido Valente escreve hoje no Público sobre o último Prós & Contras (a que aludi, entre outros, no post “O Abominável Homem das Neves”). Diz VPV (como eu antes, mas melhor):
O dr. João César das Neves, que se distinguiu pelo seu zelo católico e pelo seu grande gosto de épater a esquerda bem-pensante e analfabeta, confiscou esta semana um debate de televisão sobre a Europa, com a conivência da “moderadora” e do cardeal Sebastião Martins.
A atitude do cardeal, diga-se, é coerente: não só a Igreja comunga dos fins almejados pelo “sequestro” temático, como deixar o trabalho sujo ao leigo das Neves se inscreve na longa tradição de relaxamento ao braço secular. Já a atitude da “moderadora” (não há aspas que cheguem...) é inadmissível a uma suposta profissional.

VPV continua, mas salto para as suas palavras finais:
[...] a Europa nunca foi tão livre, tão próspera, tão justa e tão pacífica. Com algumas dificuldades de percurso, manifestamente. De qualquer maneira, longe da “decadência” e mais longe ainda do abismo “moral”, que tanto perturba o dr. Neves. Verdade que, como reconhece o próprio Ratzinger, a Igreja perdeu a autoridade de Estado (o inefável privilégio de impor e perseguir) e que se tornou social, ideológica e doutrinalmente periférica. Paciência. Em grosso, valeu a pena.
Pois valeu. Agora falta garantir que o Islão perde o mesmo “inefável privilégio”. Ou, pelo menos, que na Europa nunca o ganhará.

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13 abril 2006

#  Desesperadamente procurando pecados

O Vaticano aprimorou a lista de pecados de confissão obrigatória nesta Páscoa. Entre as “aquisições” mais recentes contam-se a utilização intensa da Internet (domínio www.vatican.va não incluído, claro...), leitura demorada de jornais (nisto os portugueses são muito católicos!) e visionamento prolongado de televisão (incluindo dias inteiros de visitas papais e trasladações de “videntes”?).

Estará o mundo assim tão bem, para que Bento XVI precise de andar a levantar as pedras da calçada à procura de novas ofensas ao Senhor?

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12 abril 2006

#  Pontos nos ii (3)

Para que conste, tenciono falar aqui do n.º 4 da revista Pontos nos ii (saído ontem). No entanto, estando eu ausente de Vila Real, tendo por isso apenas um acesso pontual à Net, é provável que apenas o venha a fazer na próxima semana.

Para já, dizer só que, uma vez mais, tem artigos de leitura fundamental.

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#  Plano Poupança Santidade

Segundo o Público de domingo passado, «Fazer um santo da Igreja Católica custa 14 mil euros». Ora, isto abre claramente um nicho de mercado à Banca nacional: o PPS, Plano Poupança Santidade, através do qual todo o português previdente pode ir preparando atempadamente a parte financeira do seu futuro processo de canonização.

(PPC seria uma designação alternativa; para as classes mais modestas, com menor capacidade para pôr algum de lado — logo, menos merecedoras do acesso aos altares, por falta de tal milagre — haveria uma espécie de PPS/PPC “de honra”: o PPB, dando apenas direito à beatitude.)

O que não compreendo é como tal ideia não surgiu no tempo em que Jardim Gonçalves liderava o BCP, tão Opus Dei que ele é. É que tal iniciativa teria imediatamente colhido o apoio (e os respectivos benefícios fiscais) do governo do primeiro-ministro-papa-hóstias António Guterres. Somando isso às naturais indulgências, o pacote PPS/PPC/PPB seria certamente um dos investimentos mais inovadores e atractivos do panorama nacional.

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11 abril 2006

#  Arma de Destruição Maciça

Com quase um mês de atraso, acabo de ler na New Yorker o artigo «Political Science» (subtítulo: «The Bush Administration’s war on the laboratory»), sobre a forma como religião e ideologia se vêm imiscuindo na investigação científica americana — particularmente em áreas médicas —, comprometendo o seu futuro e, em certa medida, já o seu presente. (O artigo não está disponível online, mas uma entrevista com o autor, Michael Specter, está.)

Muito se fala do militarismo de George W. Bush, mas a sua atitude anticientífica e a sua política de açaimamento da Ciência à agenda de grupos ideológica e religiosamente motivados é bem capaz de ser uma ameaça mais durável — porque negligenciada e porque ataca directamente um dos pilares da cultural ocidental (e do seu sucesso): a interrogação constante e sem restrições.

Alguns, incluindo europeus, verão num eventual declínio científico americano (e aqui “eventual” terá porventura o sentido que em inglês se lhe dá...) algo como uma doce vingança finalmente alcançada. Mas os EUA são ainda a figura-de-proa da civilização ocidental — e mau sinal é para o barco que a figura-de-proa se afunde.

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#  Correcção ao post abaixo

Eu e o meu deficiente domínio da língua inglesa! O Sr. Prof. José Carlos Espada que me perdoe, mas onde lhe chamei Think Garbage Disposal deverá ler Think Garbage Dispender!

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#  Think Tanks

O tema de capa da Dia D desta segunda-feira é a falta de “think tanks” em Portugal. Ora, quantos think tanks não vale um think garbage disposal como o João César das Neves?!...

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#  Andamos nós aqui à procura de uma solução para a crise...

... e afinal basta casarmo-nos como Deus quer, parir os filhos ao ritmo da produção do Modelo T, não irmos ao cu uns dos outros, suportarmos o cônjuge até que a morte nos separe...

O Prof. João César das Neves é quem o diz: o problema da falta da afirmação da Europa é um problema de falta de valores (cristãos). As bombas explodem em Madrid e em Londres, mas a puta da pílula é que causa mossa.

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#  O Abominável Homem das Neves

Sempre considerei Fátima Campos Ferreira uma nulidade, mas vê-la deixar João César das Neves tomar as rédeas do programa e decidir qual é o tema em discussão é simplesmente abominável.

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06 abril 2006

#  Meditações

Recentemente um amigo que escreve num blogue da concorrência ofereceu-me três livros da colecção “Great Ideas” da Penguin Books. Fico agradecido, claro — mas não consigo deixar de me pôr a pensar.

O que até é uma coisa boa: não só porque pensar geralmente o é (que mais não seja, para não perder a prática), mas principalmente porque o primeiro desses livros é, precisamente, Meditations de Marco Aurélio. Pelo andar da carruagem, a quarta meditação do Livro 1 afigura-se cada vez mais aconselhável — permitissem-no os meios económicos e a lei portuguesa:
To my great-grandfather I owed the advice to dispense with the education of schools and have good masters at home instead — and to realize that no expense should be grudged for this purpose.
(Nisto, ser Imperador facilita um pouco.)

Pergunto-me se, na opinião do meu amigo, o segundo livro se justifica como meio de me convencer a enveredar pelo bom (?) caminho, ou se na escolha está implícito que já por lá ando — faltando-me a fundamentação ética para tal. É que, podendo oferecer-me On Friendship, de Michel de Montaigne (disponível na mesma colecção), achou por bem optar por On the Pleasure of Hating, de um tal de William Hazlitt. Na capa:
Love turns, with a little indulgence, to indifference or disgust: hatred alone is immortal.

Finalmente, que relação existirá entre mim e Confessions of a Sinner, de Santo Agostinho?! Nenhuma! Não há identificação possível. Bem mais natural seria ter-me dado Why I am So Wise, de Friedrich Nietzsche. Ou também isto vou ter de descobrir por mim?...

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#  Contra-ataque

Que não se diga que os militares portugueses, por falta de guerras nos últimos 30 anos, têm dormido na forma, faltando-lhes as capacidades que se exigem ao soldado moderno. Pelo menos os seus chefes revelam-se bons estrategas, com uma não despicienda capacidade de reacção às iniciativas das forças hostis. Se dúvidas houvesse, veja-se este magnífico contra-ataque (Público):

O Exército trocou as voltas ao ministro da Defesa, Luís Amado. O Governo resolveu eliminar três vagas para generais, aproveitando o facto de irem acabar as regiões militares em que se divide o país. Na mesma altura, o Exército remendou o corte, criando três novas funções que só podem ser ocupadas por generais. [...]
Como diriam os americanos, textbook case study.

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05 abril 2006

#  Portugal no seu melhor

António Vilarigues apresenta hoje no Público um insólito da nossa vida autárquica. Custa a acreditar (cada vez menos, vá lá...), mas é «baseado em factos reais»:
Século XXI. Portugal continental. Concelho com pouco mais de 8500 habitantes. Em função dos resultados das eleições autárquicas de Outubro de 2005, mudou a gestão camarária.
Tomada de posse do novo elenco. Gabinete do ex-presidente. Dossiers vazios. Computador com disco limpo de dados. Em cima da mesa uma pistola. Ao lado um carregador com as respectivas balas. Ao centro da secretária uma folha em branco e uma esferográfica.
Poucos minutos passados toca o telefone. Ameaça de corte de energia por não pagamento das respectivas facturas. Porquê agora, interrogam os recém-eleitos. Não o fizemos antes para não perturbar o acto eleitoral — é a estranha resposta que chega do outro lado da linha. [...]
(Os destaques são meus.)

O autor não identifica o município onde isto se passou (o artigo, em jeito de enigma, chama-se «Qual é a câmara qual é ela?»), mas mais alguns dados fornecidos e a ajuda preciosa do Google permitem situar o cenário de tão surreais (e terceiro-mundistas) acontecimentos: Celorico da Beira.

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04 abril 2006

#  El Grand Masturbador

O Paulo Araújo, meu co-subdirector da Periférica, bem tenta disfarçar — mas eu sei o que ele anda a fazer...

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03 abril 2006

#  Boa vida para um trota-montes

Nada como dois dias num dos cantos mais bonitos de Portugal para retemperar forças. É verdade que os “danos colaterais” são não querermos vir tão cedo embora, mas há sempre o ânimo de poder lá voltar.

O sítio em causa é a Serra da Peneda, uma paisagem única incluída no Parque Nacional da Peneda-Gerês. No coração da serra fica o Hotel da Peneda (um 3 estrelas muito jeitoso, inaugurado em Julho de 2005), situado no lugar com o mesmo nome, na freguesia da Gavieira, concelho de Arcos de Valdevez. O hotel (renovação dos antigos dormitórios do Santuário de Nossa Senhora da Peneda) está a uns 40 km de Arcos, num local sem rede de telemóvel (o que pode ser uma bênção), acessível pela N202. Que a designação de “Estrada Nacional” não nos engane: o que nos espera é uma estrada de montanha muito sinuosa — mas belíssima — através das Serras do Soajo e da Peneda.

mapa: (c) ViaMichelin
E se a estrada é belíssima — carvalhos, cedros e vidoeiros por toda a parte, vales profundos e verdejantes, garranos e vacas com alma de cabra montês, pedras cobertas de musgo, rochas zoomórficas, ribeiros e cascatas ao virar de cada curva —, já a localização do hotel é de uma beleza impossível de descrever e a que as fotos raramente fazem justiça. De facto, só conheço uma foto que capta a essência da paisagem: foi essa fotografia que me fez lá ir e não está no site do hotel (que, ainda em desenvolvimento, tem poucas imagens e não muito bem escolhidas), nem no da Região de Turismo do Alto Minho (cuja melhor foto fica bastante aquém da realidade) — está na revista Blue Living, edição de Março (n.º 32). Ei-la:

Hotel da Peneda: foto (c) Susana Matos / Blue Living
© Susana Matos / Blue Living

Do santuário ao lago de onde vem a cascata (que cai nas traseiras do hotel e passa por baixo dele!) são 50 minutos sempre a subir quase a pique por uma calçada arcaica, pouco mais do que um trilho, antigo caminho de pastores e gado em rota de transumância.

O hotel em si peca por alguma falta de profissionalismo do pessoal (apesar da boa-vontade), o que é um pecadilho menor para quem acima de tudo quer calcorrear a montanha. Acresce que praticam uns preços muito acessíveis e têm um restaurante com uma cozinha simples mas interessante.

Aditamento: O artigo da Blue Living, incluindo algumas das fotos da revista, está disponível no site das Páginas Amarelas.