foto: Bruno Espadana

12 julho 2008

#  12+1 < 23+11

Foi há pouco mais de um ano que a alteração legislativa decorrente do Referendo à despenalização do aborto entrou em vigor. O Jornal de Notícias de hoje traz dados comparativos que permitem perceber os benefícios para a saúde da mulher decorrentes da vitória do Sim: durante o segundo semestre de 2007, a Direcção Geral da Saúde registou 12 episódios de septicemia e 1 acidente resultando em perfuração de órgão na sequência de abortos clandestinos; no primeiro semestre desse ano (isto é, antes da entrada em vigor da despenalização), o número de septicemias tinha sido quase o dobro (23) e o número de perfurações fixara-se uma ordem de grandeza acima (11).

O aborto clandestino continua a existir, sem dúvida, mas estes números mostram que as suas misérias foram muito mitigadas.

Veja o vídeo em que Francisco George fala desta questão.

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15 fevereiro 2007

#  Triste vida

Segundo um estudo da UNICEF revelado hoje (SIC), «20% das crianças portuguesas estão tristes com a vida».








Nenhuma dessas figurava nos cartazes do Não.

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12 fevereiro 2007

#  59% na Escala da Democracia, 5.8 na Escala de Richter

No “Blogue do Não” insiste-se nos erros que os conduziram, precisamente, à derrota:

Venceu a cultura da morte!

11 de Setembro, 11 de Março, 11 de Fevereiro. Datas manchadas pela morte!

Em Portugal, a terra treme* no dia seguinte. Ele há coisas...


* Ou será que simplesmente se move? Falta cá o Dr. Malta para explicar...

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#  Menina-Guerreira?

Uma boa notícia nunca vem só.

Como se não fosse já suficientemente bom o Sim ter vencido o referendo ao aborto, sabe-se agora que a revista Xis, de que Laurinda Alves é directora, vai acabar no próximo fim-de-semana. Salve Arbores!

Santana Lopes descobriu a merecedora herdeira do cargo de Menino-Guerreiro (ou, neste caso, Menina).

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11 fevereiro 2007

#  Afinal, sempre tenho vida para isto!

Escrito numa freguesia maioritariamente Sim (56,58%), num município maioritariamente Não (56,80%), num distrito maioritariamente Não (61,89%), num país maioritariamente Sim (59,25%).

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09 fevereiro 2007

#  As sondagens são interessantes, mas...

É PRECISO
IR MESMO

VOTAR
SIM!

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08 fevereiro 2007

#  Vamos votar SIM

Imagem do boletim do Referendo
As Leis devem ser respeitadas.
A Lei é
injusta.
Há que alterar a Lei.

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#  Resposta a um desafio

Com muito atraso, respondo ao “Desafio aos apoiantes do SIM”:

1. Concorda com a realização do referendo e a formulação da pergunta?
Desnecessário, não fosse o precedente de 1998 (que na prática o torna indispensável, agora e futuramente). Mau timing, mas entendo a pressa em acabar com uma injustiça. Pergunta complexa, mas a exactidão e a linguagem legal têm destas coisas; e não vejo razão para o prazo não ser mais alargado (quer dizer, vejo: foi uma tentativa de apaziguar alguns apoiantes do Não ao propor-se um prazo mais restritivo do que o existente na generalidade dos outros países europeus).

2. Qual a pena que pensa que deveria ser aplicada a mulheres que abortem com 3 meses de gravidez? E 6 meses?
Nenhuma. Por mim as 24 semanas (um pouco menos de 6 meses) poderiam talvez ser o prazo legal para o aborto a pedido da mulher. Se admitimos as 24 semanas para o aborto por malformação do feto ou doenças como a Trissomia 21, não estaremos a cair no eugenismo ao prever um prazo mais estreito para os restantes casos? Mas digamos que 16 semanas seria uma boa solução de compromisso.

3. A partir de que período da gravidez deverá a mulher ser punida criminalmente pelo aborto?
Por mim não proporia qualquer prazo para o início da criminalização, mas admito que teria dificuldade (de ordem ética) em opor-me a uma lei que previsse penas (em especial se fossem de multa) para abortos realizados numa altura tardia em que o feto já fosse viável numa encubadora (no actual estado da tecnologia, julgo que é por volta dos 6 meses).

4. Considera que o aborto deverá ser realizado e suportado pelo Serviço Nacional de Saúde?
Deve ser aberta essa possibilidade (que não excluiria o recurso a privados). Quanto ao pagamento (no SNS), talvez pudesse depender das possibilidades económicas da mulher (e neste caso poderíamos estar descansados: nenhuma mulher com reais possibilidades invocaria falta de meios para não pagar). Mas a questão não é para mim fundamental.

5. Tem algum tipo de oposição moral à prática do aborto?
Conforme se deduz do dito anteriormente, admito um dilema quando os abortos são tardios ao ponto de o feto já ser viável “cá fora” (obviamente, com o apoio de uma encubadora); este dilema é pessoal e não pretendo que terceiros (nomeadamente mulheres grávidas que pensem abortar) comunguem dele. Antes da viabilidade, nenhuma objecção moral ou ética.

6. Caso o SIM vença e o referendo não seja vinculativo, aceitaria a realização de um novo referendo nos próximos 10 anos?
Por princípio, nenhum referendo é definitivo — mesmo os vinculativos. Em nenhuma situação (vinculativo ou não vinculativo, vitória do Sim ou do Não) “rejeitaria” a realização de um novo referendo (não muito em breve, claro); poderia não o desejar (por temer um resultado não favorável), mas não teria autoridade moral ou política para “não aceitar” nova consulta popular.

7. Caso o NÃO vença e o referendo não seja vinculativo, defenderia a aprovação da lei no parlamento?
Não, porque o precedente foi aberto (erradamente — e culpo o Guterres e Marcelo por isso —, mas foi).

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06 fevereiro 2007

#  Só para lembrar

Frei Bento Domingues, Público, 28/01/2007:
Creio que é compatível o voto na despenalização e ser — por pensamentos, palavras e obra — pela cultura da vida em todas as circunstâncias e contra o aborto. O “SIM” à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres redobrado com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre doidos e doidas para tudo.

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#  Gravidez por obrigação?

Ana Cristina Leonardo, “Aborto, uma polémica de sempre” (in, Crítica, revista de Filosofia e Ensino):
O caso ocorrido na Irlanda em 1992, que envolveu uma adolescente grávida que ameaçou suicidar-se se não lhe fosse permitido interromper a gravidez, talvez seja exemplo suficiente para percebermos os limites do que está em causa. Sendo a Irlanda, juntamente com Portugal, Polónia e Malta, dos países europeus com legislação mais repressiva na matéria, o Supremo Tribunal irlandês levantaria a interdição da jovem se deslocar ao estrangeiro, e esta pôde abortar em Inglaterra. Ora isto, independentemente da posição de cada um sobre a moralidade do aborto, deixa-nos perante a questão mais radical de todas: como obrigar uma mulher grávida que não quer ser mãe a sê-lo?* O que nos conduz a uma segunda pergunta: até onde pode o estado interferir nas decisões individuais dos seus cidadãos? É que, independentemente de concordarmos ou não com o argumento do “direito ao corpo”, independentemente de aceitarmos ou não a existência de um conflito de interesses entre o estatuto da mulher e do feto, e, até independentemente de nos colocarmos de um lado ou de outro, o que é inegável é que a natureza atribuiu à mulher o poder da maternidade. Enquanto assim for, não há legislação que possa mudar esse facto.


* Pergunto eu: deveremos transformar a maternidade no «menor de dois males» (sendo o outro a condenação judicial)?

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05 fevereiro 2007

#  Prós & Contras, segundo acto

Com a honestidade e a objectividade a que nos habituou, Tiago Mendes dá a estratégia para o novo debate no Prós & Contras desta noite: “7 x Prós e Contras”

Definitivamente, o Tiago Mendes é a pessoa que mais falta nos faz naquele debate.

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#  «E o pai?» — o espectro da decisão feminina

Nas minhas trocas de argumentos com apoiantes do Não, mais cedo ou mais tarde surge o argumento da inaceitabilidade de
[...] uma Lei que ignora completamente os pais (masculinos) que não querem que os seus filhos sejam abortados, mesmo que a mulher seja motivada pelo motivo mais fútil.
Esta é a formulação mais sexista (o fantasma da «mulher fútil» que priva o macho do seu herdeiro... a mulher-encubadora que renega por capricho o seu dever de fornecer o Júnior). Com sorte, o nosso interlocutor fornece o argumento numa forma que, não sendo aberrante (como a anterior), está simplesmente errada:
Não concordo que o “pai” não seja tido nem achado na decisão.
Ora, uma lei resultante da vitória do Sim não excluirá o “pai” da decisão: dirá que a decisão é da mulher, mas que factores a mulher leva em linha de conta antes de se decidir (pelo aborto ou não) não são definidos por lei — uma vez mais, é com a mulher. A mulher pode querer decidir sozinha, ou pode perguntar ao co-progenitor (namorado/companheiro/marido), ou à família, ou aos amigos, ou ao conselheiro espiritual... Ela pode guiar-se pelas opiniões e sentimentos de quem muito bem entender — mas a palavra final é sempre dela (obviamente). Mas uma lei nunca poderá nem deverá referir explicitamente outros decisores, pois isso abriria a porta para que alguém tivesse o poder legal de forçar a mulher a algo (seja a abortar, seja a não abortar).


De resto, só mesmo por ignorância ou manipulação é que se fala desta «exclusão do homem na hora de decidir», como se fosse coisa nova: nos casos de exclusão de ilicitude já previstos na Lei, a decisão é também exclusivamente mulher:
Art.º 142.º, n.º 1: «Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina: [...]»
(O consentimento só não é dado pela grávida se ela for menor de 16 anos ou estiver incapacitada para tomar tal decisão — números 3 e 4 do mesmo artigo.)

Ou seja, segundo a Lei actual, uma mulher que tenha um feto com Trissomia 21 pode decidir abortar (até às 24 semanas), mesmo que o namorado/marido/companheiro seja a favor da manutenção da gravidez; de igual forma, e na situação inversa, mesmo que o namorado/marido/companheiro deseje abortar, a mulher tem a protecção da Lei para se decidir pela manutenção da gravidez.
Por isso, não sei por que acenam com o fantasma da exclusão do homem*, quando a actual lei já o exclui (ou não: a mulher decide o papel que ele terá na decisão).


* Ou melhor, até sei.

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04 fevereiro 2007

#  Le Comédiant C’Est Moi!

No seu programa desta noite, Marcelo Rebelo de Sousa e a jornalista que o interprela comentam a sátira d’O Gato Fedorento:
Jornalista: Sabia?, parece que esse foi o vídeo de comédia mais visto de sempre na Internet...
Marcelo: Não! O meu [no site Assim Não!] foi mais...

Ah, bom!...

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#  Estejam agradecidas, mulheres!

Já não é só Marcelo.
Magnânime, também Laurinda vos oferece a benesse do seu perdão.
Beijai-lhe as mãos!

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03 fevereiro 2007

#  A falácia da «definição de vida humana»

Numa acesa troca de argumentos, diz-me a certa altura um apoiante do Não, a quem eu acusava não perceber que o que está em jogo no Referendo é uma questão legal (o Código Penal):
«Tem razão, não sei muito de Direito... mas sei de Ciência. [...] Reafirmo o que disse: este critério não pode ser adoptado para definir vida humana»

Pois o problema é todo esse: não saber nada de Direito ou de leis. Pois é disso que o Referendo de 11/02 trata: da Lei e da possibilidade da sua alteração.

O referendo não trata de Ciência, de Filosofia, de Ética ou de Moral — isso não são matérias referendáveis. O Referendo trata da Lei. Obviamente, cada eleitor está no seu direito de decidir o seu voto com base no que quiser (Ciência, pseudo-ciência, Filosofia, Ética, Moral, Fé...) — mas o Referendo trata de leis.

É exactamente por tratar da Lei e não da Ciência ou da Moral que o Referendo não pretende «definir vida humana». É um engano pensar que, se a Lei não punir o aborto até às 10 semanas, então a Lei está (implicitamente) a dizer que o feto até às 10 semanas «não é humano». A Lei não diz (não dirá) que é nem que não é: o que a lei dirá é que até às 10 semanas a Lei não protegerá o feto das decisões da mulher grávida (ou seja, se ela decidir abortá-lo não será legalmente punível).

Por exemplo, a lei actual permite abortar até às 16 semanas o feto resultante de uma violação. Quer isso dizer que o feto resultante de uma violação é “menos humano” às 16 semanas do que o feto resultante de uma noite de amor mútuo às 3 semanas de gestação? Não! Quer simplesmente dizer que, por razões que podemos considerar aceitáveis ou não, a Lei considera que o feto resultante de violação não tem protecção legal até às 16 semanas (podendo por isso ser abortado sem punição).

Para tornar mais clara esta distinção (entre protecção legal e qualquer reconhecimento “oficial” de humanidade), vou sair do domínio restrito do aborto e avançar para a vida extra-uterina.

ALERTA: Exactamente por ir falar de outra coisa que não de aborto e fetos, PEÇO ENCARECIDAMENTE aos «caçadores de citações bombásticas» que não retirem o que vou dizer do contexto e, com desonestidade intelectual, me ponham a dizer o que não disse. Obrigado desde já aos que resistirem a tal tentação.


Feito o alerta, aqui vai:

O Código Penal reconhece o direito de legítima defesa* (Artigos 31.º a 33.º), que vai ao ponto de inocentar alguém que, legitimamente (como única forma de preservar a sua própria vida), mate quem o ataque com intenção de matar — para não ser ele a morrer.
Ou seja, o que a Lei diz é que quem ataca alguém com intenção de a matar não tem menos direito à protecção da Lei, pelo que se o atacado reagir e quem morrer for o atacante, o atacado (que acabou por ser o que mata e não o que morre) não será legalmente punido.

Pergunta: Está a Lei a dizer que o atacante deixou de ser humano? (Atenção: não no sentido “popular” da palavra, isto é, igual a «bondoso», «caritativo», «sensível»... mas no sentido de «pessoa».)
Resposta: Não, a Lei não nega a humanidade do atacante-tornado-vítima. O que a Lei diz é que a vida do atacante não tem a protecção da Lei. Só isso.

* Uma vez mais, e para os esquecidos, peço que não vejam aqui qualquer comparação ou insinuação do tipo “aborto = legítima defesa”!!! EU NÃO ESCREVI ISSO, EU NÃO DEFENDO ISSO, EU NÃO PENSO ISSO!
O exemplo serve só para ilustrar que a ausência de protecção legal nada tem a ver com um atestado de «não humanidade» — e por isso apresentei uma caso em que é indiscutível os protagonistas serem duas pessoas.


Voltando ao tema do referendo: É lógico que podemos ou não concordar com tal perda de protecção legal por parte do feto com menos de 10 semanas. Se concordamos, devemos votar Sim; se não concordamos, devemos votar Não. É tão simples quanto isso. Mas, seja qual for o nosso sentido de voto, não estamos a definir princípios de vidas, não estamos a decidir o que é um ser humano e o que não é. Estamos a decidir se um acto é ou não um crime, se a mulher que decidi praticar esse acto é ou não criminosa — e se, por isso, deve a Lei puni-la ou não.

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02 fevereiro 2007

#  A falácia dos remorsos

Volto ao debate do Prós & Contras.

Entre várias coisas que não vi ditas (talvez tenham sido antes de eu começar a ver), faltou rebater o argumento dos “remorsos” e dos “problemas psicológicos” pós-aborto, por exemplo, com isto: os problemas que existam (e o estudo da APF aponta para uma percentagem relativamente baixa), os problemas que existam, dizia, são exactamente potenciados por: (1) consciência da ilicitude; (2) aborto em condições menos dignas; (3) doutrinação (dizem-lhes que é «pecado», que são «assassinas de crianças» e outras barbaridades).

Sobre isto, deparei-me com este post (ou comentário a um post) num blogue que infelizmente não fixei qual era, pelo que não posso dar o devido crédito:
«O natural seria que os pró-escolha (que normalmente dizem que “o aborto é sempre difícil e nenhuma mulher o faz por gosto”) enfatizassem os “remorsos” ou o “sindrome pós-aborto”, e que fossem os pró-vida (pelo menos, os que dizem que o aborto vai ser tão banal como o telemóvel) a os desvalorizarem.»

Há alguma razão nessa observação, mas como sabemos há muitos sins e muitos nãos, mesmo dentro da mesma cabeça (e como já disse noutro sítio, não obrigatoriamente por hipocrisia, mas muitas vezes por pura falta de parar e pensar um pouco).

Quanto à afirmação de que «o aborto é sempre difícil e nenhuma mulher o faz por gosto», primeiro é preciso definir claramente o que se quer dizer com a palavra «difícil»: difícil decidir moralmente/eticamente se se faz ou não? difícil pelos perigos (legais e de saúde) existentes? difícil (doloroso) suportar a intervenção? difícil ficar bem com a sua consciência após o aborto? Que tipo de dificuldade é essa que se anuncia?

Depois, mesmo para quem aceite a existência dessas dificuldades (todas ou algumas) não é líquido que haja remorsos: isso em princípio só ocorrerá para quem teve “dificuldades” do primeiro tipo que apresentei ou do último, pois são esses que indiciam problemas de consciência, e só esse tipo de problemas poderá resultar (digo eu) em “remorsos”. (Mais um, é claro: se houver complicações graves resultantes do aborto — septicemia, p. ex. —, isso pode criar remorsos quanto à opção, mas aí não se trata de dilemas quanto ao destino do feto, mas quanto à má sorte da mulher.)

Quanto ao stress pós-aborto, ele pode ser causado por muitas coisas, nomeadamente as más condições do mesmo. A falácia dos do Não é quererem convencer-nos de que se há “stress pós-facto” (chamemos-lhe assim), então isso é sinal ou mesmo prova que o facto em causa (o aborto) é ética e moralmente errado; ora, há muitas mulheres que sofrem de stress pós-parto, e eu não os ouço concluir daí que parir seja ética ou moralmente condenável...

O que eu queria dizer com a refutação do argumento dos “remorsos” e dos “problemas psicológicos” não era que se afirmasse que eles não existem. Todos sabemos que eles existem (para algumas mulheres apenas, os números variam muito de estudo para estudo, et pour cause). O que acho que faltou ser dito é que, havendo quem sinta remorsos, os apoiantes da criminalização do aborto e da culpabilização da mulher têm muitíssimas culpas nisso, pois acrescentam o “pecado” e a ilegalidade às dificuldades meramente médico-sanitárias.

Não sei se se pode chamar isso uma refutação do argumento, mas pelo menos é uma réplica, e faltou ser dita (eu pelo menos não a ouvi na metade a que assisti — e ouvi o argumento dos “remorsos” por parte do Não).

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#  Que nunca deixem de acreditar!

Ontem ao fim da tarde ocorreu algo de estranho: de repente, todos os blogues do Sim que frequento (incluindo o meu) deixaram de funcionar. Estranhamente, os do Não funcionavam. (Aos mais dados a teorias da conspiração, explico que o que se passou foi uma falha na nova versão do Blogger, que é a usada pelos blogues do Sim mas não pelos blogues do Não a que tive acesso.)

Assim, querendo saber o que se ia passando na campanha, visitei o “Blogue do Não”, onde reparei num post sobre certas declarações de Maria Antónia Palla (apoiante do Sim), que são não só inaceitáveis (porque injustas e difamatórias), como contraproducentes: um regalo, um fartar-vilanagem para os apoiantes do Não, exactamente aquilo que não queremos nesta campanha. Quando dei por mim, estava a participar no debate...

Gostaria de dizer que a troca de comentários decorreu nos estritos limites da civilidade e do bom senso. Não sendo assim (como não foi), gostaria de poder dizer que ao menos me salvei eu, magnânime: também nem sempre assim foi, pois palavra puxa palavra, a ignorância (legal, filosófica, interpretativa) que por lá encontrei é frequentemente confrangedora ao ponto de ser exasperante (para não falar de outras coisas, como uma clara tónica no carácter quase punitivo da obrigação de manter a gravidez...), que um homem não é de ferro e acaba por perder momentaneamente as estribeiras.

O âmbito da discussão foi vasto (mais de meia centena de comentários), pelo que remeto para lá quem quiser saber os pormenores. No entanto (maquiavelicamente, dirão alguns), permito-me destacar aqui uma breve, que ilustra bem esta minha conclusão (que já não é de hoje, porque vai muito além do tema do aborto), conclusão que exprimo na forma de desejo pessoal:

Que certas pessoas do Não nunca deixem de acreditar na humanidade plena do feto!

O que se passou foi que eu, a certa altura, respondendo a uma acusação de hipocrisia (os do Sim que se dizem «contra o aborto»), escrevi:
«Isso de sermos “contra o aborto” depende do que se entende por “ser contra” e “ser a favor”.
Se por “ser a favor do aborto” entende achar que o aborto é uma coisa agradável de se fazer, uma coisa desejável — então não sou a favor e, se a alternativa for apenas “ser contra”, eu sou contra.
Mas repare: não é uma coisa agradável nem desejável para a mulher (traz riscos associados); a minha única preocupação é a mulher — o feto para mim não é relevante (nadinha).
Mas se por «ser a favor do aborto» entende defender que é uma opção legítima (ética e moralmente) para a mulher, então eu sou a favor.
O meu único dilema moral é relativamente a abortos muito tardios (após os 6 meses, mais ou menos), pois nessa altura a mulher pode dizer: «Não quero este ser dentro de mim! TIREM-MO!» e para tal não é preciso abortar — basta uma cesariana e uma encubadora, entregando a criança (agora sim, porque nasceu) à guarda do Estado.
Enquanto o feto não for viável cá fora (com recurso a encubadora, pois claro); enquanto depender totalmente, não apenas de uma pessoa, mas de uma pessoa em concreto; enquanto isso acontecer eu em consciência não considero aquele feto como um ser autónomo, logo, dotado de personalidade jurídica e direitos. E para mim é um direito inalienável da mulher livrar-se daquele ser que está dentro de si.»

Obviamente, a minha declaração mais bombástica, foi imediatamente aproveita por um tal de Joaquim Amado Lopes:
«[citando-me:] “o feto para mim não é relevante (nadinha)”
Interessante. Suponho então que, quando alguém lhe diz lhe que teve um aborto espontâneo, o Fernando responde: “E...?”»

Segue-se a minha resposta, exactamente conforme a pus no “Blogue do Não” (não a ponho na forma de citação por ser a parte relevante para a conclusão que apresentei antes):

Supõe mal, porque não sabe interpretar o que lê. Eu disse que o feto não me interessava nadinha. Se para a mulher grávida o aborto espontâneo foi emocionalmente doloroso, porque queria ter filhos, eu condoo-me dela — porque ela (uma vez mais) está a sofrer. Por isso nunca diria isso, nunca demonstraria essa indiferença.

E para acabar, digo-lhe que me congratulo por o senhor Joaquim Amado Lopes dar tanto valor ao feto, pois da sua (errada) suposição deduzo que, se lhe desse o mesmo pouco valor que eu dou*, seria essa («E...?») a resposta que o senhor Joaquim Amado Lopes daria a uma mulher que lhe dissesse que sofrera um aborto espontâneo!

Eu não preciso de dar valor ao feto para dar valor aos sentimentos e às mágoas de uma mulher — mas o senhor Joaquim Amado Lopes precisa. A bem dos sentimentos das mulheres que o senhor Joaquim Amado Lopes conhece, desejo que nunca mude de opinião quanto ao valor do feto!


* Já esta manhã, e em resposta aos comentários de outro participante, expliquei melhor:
«Percebeu-me mal, Sr. Rui Fernandes (but what else is new?...). Eu não sou «indiferente à vida humana na fase de feto» (e não pense que estou a fazer a palinódia do que aqui escrevi ontem.
O que eu disse é que, numa fase em que o feto é inviável extra-uterinamente, se a mulher deseja abortar, o feto para mim é irrelevante, pois os interesses da mulher para mim prevalecem sempre. É nesse sentido que sou “indiferente ao feto” — porque ele não é factor que me faça defender que a decisão da mulher deva ser questionada ou mesmo proibida.
É nesse sentido que «não dou valor ao feto». Trata-se, simplesmente, de não lhe dar um valor maior do que aquela que lhe é mais próxima — a mulher que o carrega no ventre — lhe dá!
Já no caso de uma gravidez desejada (mesmo que não planeada), se a mulher dá importância ao feto (porque vê nele o prenúncio de um filho que aí vem), então eu não digo que o feto “não tem valor”.

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01 fevereiro 2007

#  «E no entanto, move-se»

Carlos Fiolhais, físico e divulgador científico, faz a sua contribuição do blogue “Sim no referendo”: «Cientistas pelo SIM — Um novo Galileu?». Como sempre, é recomendável ler o artigo integral, mas permito-me destacar algumas partes, até porque a quantidade de contribuintes daquele blogue e o consequente ritmo frenético de novos posts irá “enterrar” rapidamente o texto de Fiolhais.

A ignorância é muito atrevida e, pelos vistos, quanto maior é a ignorância, maior é o atrevimento. O físico Galileu Galilei foi invocado a completo despropósito num recente espectáculo televisivo sobre a despenalização da IVG.

Para quem não viu, o ignorante que se arvorou em Novo Galileu foi o Dr. João Paulo Malta — prova (se ela fosse necessária) que o “canudo” (mesmo médico) não é antídoto para o mal.

Será que a vida se define pelo mexer? Ou será a pessoa que se caracteriza pelo movimento?

Um espermatozóide move-se (a “ideia” é toda essa, precisamente) — um espermatozóide é vida? Vamos então criminalizar a masturbação, o coito interrompido e todas as perdas «desnecessárias e improdutivas» de espermatozóides? (Má pergunta: alguns ainda não vai há muito defendiam exactamente isso...)

O episódio seria simplesmente anedótico se não revelasse algo mais perigoso do que a ignorância, que já de si é perigosa. Revela a apropriação intelectualmente desonesta que o seu autor quer fazer da ciência e dos cientistas. [...] É o que acontece, por exemplo, com o dogma de que a vida começa no momento da concepção. A ciência diz que antes dessa forma de vida já há outras formas de vida, que de resto vão prosseguir. E é também o que acontece com o dogma que a pessoa está no DNA do óvulo fecundado. A ciência diz que há uma grande distância entre uma molécula que contém o código da vida e uma vida humana plenamente desenvolvida. Defender a «vida» e a «pessoa» sem mais nada é não dizer nada! Mas quem é que não defende a «vida» e a «pessoa»?

Quanto à defesa da «pessoa», sem mais nada, é irrelevante para a discussão à volta deste referendo, pois não estamos a tratar de uma «pessoa», mas de um feto (ou melhor, corrijo: há uma pessoa envolvida — convém não esquecer — e essa é a mulher). Quanto à defesa da «vida», concordo 100% com o que diz Carlos Fiolhais e remeto para o que eu disse num post anterior.

Como em muitos outros aspectos do debate do Prós & Contras, faltou a pessoa certa do Sim tomar a palavra (se é que estava lá) e denunciar a falácia e a ignorância de muitos argumentos do Não. Porque agora podemos estar aqui a desmontá-las e denunciá-las, mas não chegamos aos milhões que assistiram em directo (e que são muito mais ignorantes do que o “Novo Galileu”, mas ao contrário deste têm desculpa) para lhes explicar que as palavras sonantes de que o Dr. Malta se aproveitou, para pervertê-las, mascaram o vazio e a ignorância.

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31 janeiro 2007

#  Ricochete: a falácia das razões económicas

Depois de andar a denunciar falácias do Não, vou agora apontar o dedo a uma falácia do Sim. Faço-o por três razões:
  • Por respeito à verdade
  • Por respeito às minhas convicções
  • Porque é uma falácia que faz ricochete e prejudica os objectivos do Sim

A falácia em causa (que, obviamente, não é de todos os apoiantes do Sim) é uma mistura de três falácias: ocultação de factos, generalização abusiva e, o mais importante porque determina as anteriores, argumentum ad crepidam (o argumento da miséria).

Pelo que foi dito em último lugar já adivinham a que me refiro: ao bater na mesma tecla das razões económicas como subjacentes aos casos de aborto clandestino, a que os sindicalistas (como segunda-feira à noite no Prós & Contras) acrescentam, na mesma linha, razões de ordem laboral (pressão patronal, ameaça de despedimento, ciclo laboral incompatível com a maternidade).

Não me interpretem mal: tudo isso é verdade... mas não é a verdade toda (por isso falo em ocultação de factos e generalização abusiva).
Há certamente mulheres para quem esse factor foi o determinante, há outras para quem foi mais um factor, há ainda outras para quem as questões económicas e laborais não foram, de todo, um factor na equação. Os dados do Estudo-Base sobre as Práticas de Aborto [voluntário] em Portugal, da responsabilidade da Associação para o Planeamento da Família, estão aí: só 14,1% das mulheres apontaram falta de condições económicas para a realização do aborto; as restantes referem motivos como pressões familiares (8,0%) e/ou do marido/companheiro (9,4%), instabilidade conjugal (9,1%), problemas de saúde não enquadráveis na lei (4,2%), idade considerada inadequada (demasiado nova, 17,8%, ou demasiado velha, 2,6%)... ou por não desejar de todo ter filhos (13,2%).
O que é preciso dizer (eu pelo menos digo-o, porque é no que acredito) é que tudo isso são motivos legítimos* — ou, pelo menos, nenhum de nós tem legitimidade para dizer que não o são. Não é preciso descer à caricatura da mulher, exagerando o relevo de um aspecto, para, despertado em terceiros o magnânimo instinto de misericórdia, lhe garantir a remissão. Menos grave do que as praticadas pelos apoiantes do Não, esta pode ser também uma forma de menorização paternalista das mulheres, para as quais seria preciso forjar desculpas piedosas (argumentum ad misericordiam — afinal são quatro).

* (Parênteses: note-se que, no que toca à «pressão do marido/companheiro», considero legítima a cedência da mulher a essa pressão — milénios de violência doméstica, física e psicológica, mostram-nos como pode ser inexorável —, não a pressão em si, que é inaceitável.)

Mas não só por respeito à verdade e às minhas convicções sinto repugnância por esta hipertrofia do factor económico: adicionalmente, a insistência nessa tecla permite aos defensores do Não insinuarem que tudo se resolve com dinheiro, com o apoio financeiro às mulheres que consideram a possibilidade de abortar. Veja-se a intervenção do Dr. João Paulo Malta no Prós & Contras, para quem a solução milagrosa para acabar com o aborto clandestino consiste em deixar a lei na mesma e usar antes o dinheiro que o Estado irá supostamente gastar a financiar abortos (se o Sim vencer) para incentivar a maternidade através do apoio monetário às mulheres mais pobres. Como se o abono de família (por elevado que fosse) resolvesse todos os problemas de saúde, nos desse a maturidade que ainda tarda ou devolvesse a juventude perdida; como se os subsídios estatais criassem, naqueles que a não têm, a vontade de ter filhos.
(A falta de subvenções pode, realisticamente, demover os que anseiam a maternidade/paternidade, mas o inverso não é verdade entre as pessoas com escrúpulos, para quem os filhos não são “galinhas dos ovos de ouro” ou máquinas com que mugir a “vaca leiteira” do Estado.)

É preciso passar a mensagem, por isso repito-o:
O dinheiro não resolve tudo, porque a falta dele não é o único factor, nem sequer o de maior peso; há muitos mais motivos que levam uma mulher a abortar e todos são legítimos — ou, pelo menos, nenhum de nós tem legitimidade para dizer que não o são.

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#  Esclarecimento (actualizado)

Acabo de receber de uma leitora a seguinte informação:
Era somente para o informar que o artigo 142 teve uma revisão em 1993 e que o prazo limite em caso de violação passou para 16 semanas e para malformações passou para 24 semanas.

É estranho, porque o texto do Código Penal que tenho usado é o que está disponível no site da Polícia Judiciária, que é precedido pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março (que o aprova), e lá constam os prazos que tenho referido...

Não digo que quem me escreve não tenha razão no que diz (já reparei que muita gente fala em prazos de 24 semanas, que não constam do texto acima indicado), mas então a PJ disponibiliza uma versão errada da Lei... (Irei averiguar isso.)

Adenda (após verificação): Efectivamente os prazos foram alterados, mas em 1997 (Lei n.º 90/97, de 30 de Julho)
[Em abono da verdade, a rectificação da data é mérito da mesma leitora e não meu.]
Está confirmada a vergonha: a Polícia Judiciária divulga no seu site uma versão desactualizada do Código Penal!

Seja como for, a questão do valor numérico exacto é irrelevante para a desconstrução da falácia das 10 semanas e 1 dia e para todas as falácias similares.

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