foto: Bruno Espadana

01 fevereiro 2007

#  «E no entanto, move-se»

Carlos Fiolhais, físico e divulgador científico, faz a sua contribuição do blogue “Sim no referendo”: «Cientistas pelo SIM — Um novo Galileu?». Como sempre, é recomendável ler o artigo integral, mas permito-me destacar algumas partes, até porque a quantidade de contribuintes daquele blogue e o consequente ritmo frenético de novos posts irá “enterrar” rapidamente o texto de Fiolhais.

A ignorância é muito atrevida e, pelos vistos, quanto maior é a ignorância, maior é o atrevimento. O físico Galileu Galilei foi invocado a completo despropósito num recente espectáculo televisivo sobre a despenalização da IVG.

Para quem não viu, o ignorante que se arvorou em Novo Galileu foi o Dr. João Paulo Malta — prova (se ela fosse necessária) que o “canudo” (mesmo médico) não é antídoto para o mal.

Será que a vida se define pelo mexer? Ou será a pessoa que se caracteriza pelo movimento?

Um espermatozóide move-se (a “ideia” é toda essa, precisamente) — um espermatozóide é vida? Vamos então criminalizar a masturbação, o coito interrompido e todas as perdas «desnecessárias e improdutivas» de espermatozóides? (Má pergunta: alguns ainda não vai há muito defendiam exactamente isso...)

O episódio seria simplesmente anedótico se não revelasse algo mais perigoso do que a ignorância, que já de si é perigosa. Revela a apropriação intelectualmente desonesta que o seu autor quer fazer da ciência e dos cientistas. [...] É o que acontece, por exemplo, com o dogma de que a vida começa no momento da concepção. A ciência diz que antes dessa forma de vida já há outras formas de vida, que de resto vão prosseguir. E é também o que acontece com o dogma que a pessoa está no DNA do óvulo fecundado. A ciência diz que há uma grande distância entre uma molécula que contém o código da vida e uma vida humana plenamente desenvolvida. Defender a «vida» e a «pessoa» sem mais nada é não dizer nada! Mas quem é que não defende a «vida» e a «pessoa»?

Quanto à defesa da «pessoa», sem mais nada, é irrelevante para a discussão à volta deste referendo, pois não estamos a tratar de uma «pessoa», mas de um feto (ou melhor, corrijo: há uma pessoa envolvida — convém não esquecer — e essa é a mulher). Quanto à defesa da «vida», concordo 100% com o que diz Carlos Fiolhais e remeto para o que eu disse num post anterior.

Como em muitos outros aspectos do debate do Prós & Contras, faltou a pessoa certa do Sim tomar a palavra (se é que estava lá) e denunciar a falácia e a ignorância de muitos argumentos do Não. Porque agora podemos estar aqui a desmontá-las e denunciá-las, mas não chegamos aos milhões que assistiram em directo (e que são muito mais ignorantes do que o “Novo Galileu”, mas ao contrário deste têm desculpa) para lhes explicar que as palavras sonantes de que o Dr. Malta se aproveitou, para pervertê-las, mascaram o vazio e a ignorância.

Etiquetas: ,