# Magritte Aguiar Branco
Descobrimos a noite passada em José Pedro Aguiar Branco um surrealista: para este ex-ministro da Justiça, uma alteração ao Código Penal não tem nada a ver com o Código Penal!
O Código Penal em vigor diz:
Artigo 140.º[...]
Aborto
3 - A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos.Artigo 142.º1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
Interrupção da gravidez não punível
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.
O objectivo do Referendo é decidir se se acrescenta mais um ponto ao Artigo 142.º, deixando de considerar crime a interrupção da gravidez realizada a pedido da mulher nas primeiras 10 semanas, nas condições procedimentais a definir (caso o Sim vença) pela Assembleia da República.
É isto que está a referendo: se, sim ou não, haverá uma nova situação que o Código Penal não considerará como sendo crime... mas a Aguiar Branco diz que isto nada tem a ver com o Código Penal.
A bem da verdade, tenho de dizer que a comparação do exercício demagógico (porque fruto de ignorância certamente não é...) de José Pedro Aguiar Branco com o exercício artístico de René Magritte é injusto... para Magritte.
Magritte queria, com humor, alertar-nos para a diferença entre a realidade e a representação dessa mesma realidade, entre um cachimbo e a imagem de um cachimbo.
José Pedro Aguiar Branco, pelo contrário, não nos quer alertar para nada; o seu objectivo é convencer-nos de que é aceitável distinguir a letra da Lei da prática da Lei; pedagógico, este ex-ministro da Justiça vem dizer-nos que num Estado de Direito podemos, despudoradamente, ter a Lei a dizer uma coisa, mas pura e simplesmente ignorá-la. Em nome da manutenção das aparências, José Pedro Aguiar Branco advoga que façamos da Lei letra morta.
José Pedro Aguiar Branco, e muitos como ele, apontam para o Código Penal e, à maneira de um Magritte sem arte e sem escrúpulos, dizem: «Isto não é a Lei — isto são letras escritas num papel!»
Etiquetas: Aborto, Eleições e Referendos
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