foto: Bruno Espadana

05 fevereiro 2007

#  «E o pai?» — o espectro da decisão feminina

Nas minhas trocas de argumentos com apoiantes do Não, mais cedo ou mais tarde surge o argumento da inaceitabilidade de
[...] uma Lei que ignora completamente os pais (masculinos) que não querem que os seus filhos sejam abortados, mesmo que a mulher seja motivada pelo motivo mais fútil.
Esta é a formulação mais sexista (o fantasma da «mulher fútil» que priva o macho do seu herdeiro... a mulher-encubadora que renega por capricho o seu dever de fornecer o Júnior). Com sorte, o nosso interlocutor fornece o argumento numa forma que, não sendo aberrante (como a anterior), está simplesmente errada:
Não concordo que o “pai” não seja tido nem achado na decisão.
Ora, uma lei resultante da vitória do Sim não excluirá o “pai” da decisão: dirá que a decisão é da mulher, mas que factores a mulher leva em linha de conta antes de se decidir (pelo aborto ou não) não são definidos por lei — uma vez mais, é com a mulher. A mulher pode querer decidir sozinha, ou pode perguntar ao co-progenitor (namorado/companheiro/marido), ou à família, ou aos amigos, ou ao conselheiro espiritual... Ela pode guiar-se pelas opiniões e sentimentos de quem muito bem entender — mas a palavra final é sempre dela (obviamente). Mas uma lei nunca poderá nem deverá referir explicitamente outros decisores, pois isso abriria a porta para que alguém tivesse o poder legal de forçar a mulher a algo (seja a abortar, seja a não abortar).


De resto, só mesmo por ignorância ou manipulação é que se fala desta «exclusão do homem na hora de decidir», como se fosse coisa nova: nos casos de exclusão de ilicitude já previstos na Lei, a decisão é também exclusivamente mulher:
Art.º 142.º, n.º 1: «Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina: [...]»
(O consentimento só não é dado pela grávida se ela for menor de 16 anos ou estiver incapacitada para tomar tal decisão — números 3 e 4 do mesmo artigo.)

Ou seja, segundo a Lei actual, uma mulher que tenha um feto com Trissomia 21 pode decidir abortar (até às 24 semanas), mesmo que o namorado/marido/companheiro seja a favor da manutenção da gravidez; de igual forma, e na situação inversa, mesmo que o namorado/marido/companheiro deseje abortar, a mulher tem a protecção da Lei para se decidir pela manutenção da gravidez.
Por isso, não sei por que acenam com o fantasma da exclusão do homem*, quando a actual lei já o exclui (ou não: a mulher decide o papel que ele terá na decisão).


* Ou melhor, até sei.

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