foto: Bruno Espadana

02 fevereiro 2007

#  Que nunca deixem de acreditar!

Ontem ao fim da tarde ocorreu algo de estranho: de repente, todos os blogues do Sim que frequento (incluindo o meu) deixaram de funcionar. Estranhamente, os do Não funcionavam. (Aos mais dados a teorias da conspiração, explico que o que se passou foi uma falha na nova versão do Blogger, que é a usada pelos blogues do Sim mas não pelos blogues do Não a que tive acesso.)

Assim, querendo saber o que se ia passando na campanha, visitei o “Blogue do Não”, onde reparei num post sobre certas declarações de Maria Antónia Palla (apoiante do Sim), que são não só inaceitáveis (porque injustas e difamatórias), como contraproducentes: um regalo, um fartar-vilanagem para os apoiantes do Não, exactamente aquilo que não queremos nesta campanha. Quando dei por mim, estava a participar no debate...

Gostaria de dizer que a troca de comentários decorreu nos estritos limites da civilidade e do bom senso. Não sendo assim (como não foi), gostaria de poder dizer que ao menos me salvei eu, magnânime: também nem sempre assim foi, pois palavra puxa palavra, a ignorância (legal, filosófica, interpretativa) que por lá encontrei é frequentemente confrangedora ao ponto de ser exasperante (para não falar de outras coisas, como uma clara tónica no carácter quase punitivo da obrigação de manter a gravidez...), que um homem não é de ferro e acaba por perder momentaneamente as estribeiras.

O âmbito da discussão foi vasto (mais de meia centena de comentários), pelo que remeto para lá quem quiser saber os pormenores. No entanto (maquiavelicamente, dirão alguns), permito-me destacar aqui uma breve, que ilustra bem esta minha conclusão (que já não é de hoje, porque vai muito além do tema do aborto), conclusão que exprimo na forma de desejo pessoal:

Que certas pessoas do Não nunca deixem de acreditar na humanidade plena do feto!

O que se passou foi que eu, a certa altura, respondendo a uma acusação de hipocrisia (os do Sim que se dizem «contra o aborto»), escrevi:
«Isso de sermos “contra o aborto” depende do que se entende por “ser contra” e “ser a favor”.
Se por “ser a favor do aborto” entende achar que o aborto é uma coisa agradável de se fazer, uma coisa desejável — então não sou a favor e, se a alternativa for apenas “ser contra”, eu sou contra.
Mas repare: não é uma coisa agradável nem desejável para a mulher (traz riscos associados); a minha única preocupação é a mulher — o feto para mim não é relevante (nadinha).
Mas se por «ser a favor do aborto» entende defender que é uma opção legítima (ética e moralmente) para a mulher, então eu sou a favor.
O meu único dilema moral é relativamente a abortos muito tardios (após os 6 meses, mais ou menos), pois nessa altura a mulher pode dizer: «Não quero este ser dentro de mim! TIREM-MO!» e para tal não é preciso abortar — basta uma cesariana e uma encubadora, entregando a criança (agora sim, porque nasceu) à guarda do Estado.
Enquanto o feto não for viável cá fora (com recurso a encubadora, pois claro); enquanto depender totalmente, não apenas de uma pessoa, mas de uma pessoa em concreto; enquanto isso acontecer eu em consciência não considero aquele feto como um ser autónomo, logo, dotado de personalidade jurídica e direitos. E para mim é um direito inalienável da mulher livrar-se daquele ser que está dentro de si.»

Obviamente, a minha declaração mais bombástica, foi imediatamente aproveita por um tal de Joaquim Amado Lopes:
«[citando-me:] “o feto para mim não é relevante (nadinha)”
Interessante. Suponho então que, quando alguém lhe diz lhe que teve um aborto espontâneo, o Fernando responde: “E...?”»

Segue-se a minha resposta, exactamente conforme a pus no “Blogue do Não” (não a ponho na forma de citação por ser a parte relevante para a conclusão que apresentei antes):

Supõe mal, porque não sabe interpretar o que lê. Eu disse que o feto não me interessava nadinha. Se para a mulher grávida o aborto espontâneo foi emocionalmente doloroso, porque queria ter filhos, eu condoo-me dela — porque ela (uma vez mais) está a sofrer. Por isso nunca diria isso, nunca demonstraria essa indiferença.

E para acabar, digo-lhe que me congratulo por o senhor Joaquim Amado Lopes dar tanto valor ao feto, pois da sua (errada) suposição deduzo que, se lhe desse o mesmo pouco valor que eu dou*, seria essa («E...?») a resposta que o senhor Joaquim Amado Lopes daria a uma mulher que lhe dissesse que sofrera um aborto espontâneo!

Eu não preciso de dar valor ao feto para dar valor aos sentimentos e às mágoas de uma mulher — mas o senhor Joaquim Amado Lopes precisa. A bem dos sentimentos das mulheres que o senhor Joaquim Amado Lopes conhece, desejo que nunca mude de opinião quanto ao valor do feto!


* Já esta manhã, e em resposta aos comentários de outro participante, expliquei melhor:
«Percebeu-me mal, Sr. Rui Fernandes (but what else is new?...). Eu não sou «indiferente à vida humana na fase de feto» (e não pense que estou a fazer a palinódia do que aqui escrevi ontem.
O que eu disse é que, numa fase em que o feto é inviável extra-uterinamente, se a mulher deseja abortar, o feto para mim é irrelevante, pois os interesses da mulher para mim prevalecem sempre. É nesse sentido que sou “indiferente ao feto” — porque ele não é factor que me faça defender que a decisão da mulher deva ser questionada ou mesmo proibida.
É nesse sentido que «não dou valor ao feto». Trata-se, simplesmente, de não lhe dar um valor maior do que aquela que lhe é mais próxima — a mulher que o carrega no ventre — lhe dá!
Já no caso de uma gravidez desejada (mesmo que não planeada), se a mulher dá importância ao feto (porque vê nele o prenúncio de um filho que aí vem), então eu não digo que o feto “não tem valor”.

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