foto: Bruno Espadana

30 junho 2008

#  Sucesso a martelo

Há uns dias dizia Carlos Fiolhais:
Teme-se o pior: pelo caminho que as coisas levam, qualquer dia o exame de Portumática do 9º ano — uma só prova para ser mais fácil — será escrever a palavra "batata", dizer se é nome ou substantivo (a ver se sabe as TLEBS), contar o número total de letras dessa palavra e, finalmente, traçar uma circunferência à volta do resultado. Claro que vai ter a cotação toda um aluno que conte três, pois contou correctamente sílabas em vez de letras, e que desenhe um quadrado em vez de uma circunferência, pois também é uma figura geométrica. Seria cómico se não fosse trágico!

O cenário futuro apresentado pelo Carlos Fiolhais pode parecer exagerado, mas já andamos lá perto, conforme se apercebeu a minha irmã, quando no ano passado corrigiu exames nacionais de Português do 9.º ano.

Em primeiro lugar, «do 9.º ano» é uma maneira de dizer, pois não havia um único conteúdo que fosse posterior ao 8.º.
(A minha irmã confirmou isso mesmo: no início do ano lectivo que agora acaba usou o exame em causa como teste diagnóstico das suas turmas de 9.º ano — que, obviamente, ainda nada tinham aprendido desse nível de ensino — e a grande maioria teve nota positiva, alguns alcançando mesmo notas elevadas, em linha com as classificações obtidas no final do 8.º ano.)

Em segundo lugar, para além das perguntas muito simples e até ao 8.º ano apenas, os próprios critérios de correcção potenciavam o «sucesso» a martelo: por exemplo, em cada resposta, por mais breve que fosse, os alunos poderiam dar até 4 erros ortográficos diferentes, sem que os correctores pudessem descontar 1% que fosse. (Como os erros teriam de ser diferentes, usar N vezes a mesma palavra erradamente escrita constituía um único erro.)

Uma pergunta tinha mesmo um critério de correcção caricato: apelava à «criação», mas a simples cópia ainda garantia alguns pontos. Concretamente, um texto abordava a campanha do Banco Alimentar Contra a Fome, citando o slogan «Alimente Esta Ideia». Aos alunos era pedido que criassem um novo slogan para o BACF: segundos os critérios de correcção, o aluno que simplesmente repetisse «Alimente Esta Ideia» teria ainda assim direito a 20% da cotação da pergunta; aplicando o critério dos erros ortográficos, aquele que nessas 3 palavras desse 4 erros (p. ex., Halemente Ésta Edeia) ainda teria direito aos 20% (ou até mais, não sei: talvez em sede de recurso os erros fossem interpretados como sinal de criatividade e não de plágio mal feito...).

Os exemplos poderiam continuar...

Com estes critérios e estes conteúdos programáticos, os alunos da minha irmã tiveram notas no exame substancialmente melhores do que as obtidas ao longo do ano lectivo (houve quem passasse de 2 para 4 e de 3 para 5). Resultado: foi visitada por «Inspectores» da DREN, preocupados com a sua «incapacidade de avaliar». (A Matemática, na mesma escola, houve alunos que passaram de 5 para 1 ou 2, mas os respectivos professores não foram «visitados» nem a sua «incapacidade avaliativa» foi vista como preocupante...)
A minha irmã expôs a sua visão das coisas, nomeadamente o facto de o exame não abordar conteúdos do 9.º ano (de facto, os únicos alunos com negativa no exame tinham sido aqueles a quem ela já tinha dado negativa... no 8.º ano!), mas os ditos inspectores avisaram: se no final do 1.º Período as notas não melhorassem significativamente, seriam obrigados a enviar «um Técnico» para auditar os seus métodos de ensino... (A minha irmã perguntou: «Técnico de quê?», mas não obteve resposta.)
Durante todo o ano lectivo nunca foi visitada por ninguém, mas por duas vezes lhe telefonaram na semana anterior às reuniões avaliativas, naquilo que a minha irmã entendeu como uma tentativa de intimidação: parece que afinal estavam pouco interessados nos seus métodos de ensino, apenas os preocupando as notas propriamente ditas.

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29 junho 2008

#  ¡No pasarán!

Numa esplanada em Vila Real, como em tantas outras, um LCD permite aos clientes acompanharem o jogo Alemanha–Espanha da final do Euro 2008.

Esta esplanada, porém, não tendo hoje clientes espanhóis, tem uma bandeira espanhola hasteada ao lado do LCD. Logo acima, uma reprodução do Gernika de Pablo Picasso.

'Gernika', de Pablo Picasso

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04 junho 2008

#  Não me lembra nada nem ninguém (9)

«Do ponto de vista demagógico, a melhor maneira de evitar a discussão é tornar o argumento impossível de verificação no presente e afirmar que o futuro lhe revelará os méritos
(adaptado de Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo, p. 458)

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