# Sucesso a martelo
Há uns dias dizia Carlos Fiolhais:
O cenário futuro apresentado pelo Carlos Fiolhais pode parecer exagerado, mas já andamos lá perto, conforme se apercebeu a minha irmã, quando no ano passado corrigiu exames nacionais de Português do 9.º ano.
Em primeiro lugar, «do 9.º ano» é uma maneira de dizer, pois não havia um único conteúdo que fosse posterior ao 8.º.
(A minha irmã confirmou isso mesmo: no início do ano lectivo que agora acaba usou o exame em causa como teste diagnóstico das suas turmas de 9.º ano — que, obviamente, ainda nada tinham aprendido desse nível de ensino — e a grande maioria teve nota positiva, alguns alcançando mesmo notas elevadas, em linha com as classificações obtidas no final do 8.º ano.)
Em segundo lugar, para além das perguntas muito simples e até ao 8.º ano apenas, os próprios critérios de correcção potenciavam o «sucesso» a martelo: por exemplo, em cada resposta, por mais breve que fosse, os alunos poderiam dar até 4 erros ortográficos diferentes, sem que os correctores pudessem descontar 1% que fosse. (Como os erros teriam de ser diferentes, usar N vezes a mesma palavra erradamente escrita constituía um único erro.)
Uma pergunta tinha mesmo um critério de correcção caricato: apelava à «criação», mas a simples cópia ainda garantia alguns pontos. Concretamente, um texto abordava a campanha do Banco Alimentar Contra a Fome, citando o slogan «Alimente Esta Ideia». Aos alunos era pedido que criassem um novo slogan para o BACF: segundos os critérios de correcção, o aluno que simplesmente repetisse «Alimente Esta Ideia» teria ainda assim direito a 20% da cotação da pergunta; aplicando o critério dos erros ortográficos, aquele que nessas 3 palavras desse 4 erros (p. ex., Halemente Ésta Edeia) ainda teria direito aos 20% (ou até mais, não sei: talvez em sede de recurso os erros fossem interpretados como sinal de criatividade e não de plágio mal feito...).
Os exemplos poderiam continuar...
Com estes critérios e estes conteúdos programáticos, os alunos da minha irmã tiveram notas no exame substancialmente melhores do que as obtidas ao longo do ano lectivo (houve quem passasse de 2 para 4 e de 3 para 5). Resultado: foi visitada por «Inspectores» da DREN, preocupados com a sua «incapacidade de avaliar». (A Matemática, na mesma escola, houve alunos que passaram de 5 para 1 ou 2, mas os respectivos professores não foram «visitados» nem a sua «incapacidade avaliativa» foi vista como preocupante...)
A minha irmã expôs a sua visão das coisas, nomeadamente o facto de o exame não abordar conteúdos do 9.º ano (de facto, os únicos alunos com negativa no exame tinham sido aqueles a quem ela já tinha dado negativa... no 8.º ano!), mas os ditos inspectores avisaram: se no final do 1.º Período as notas não melhorassem significativamente, seriam obrigados a enviar «um Técnico» para auditar os seus métodos de ensino... (A minha irmã perguntou: «Técnico de quê?», mas não obteve resposta.)
Durante todo o ano lectivo nunca foi visitada por ninguém, mas por duas vezes lhe telefonaram na semana anterior às reuniões avaliativas, naquilo que a minha irmã entendeu como uma tentativa de intimidação: parece que afinal estavam pouco interessados nos seus métodos de ensino, apenas os preocupando as notas propriamente ditas.
Teme-se o pior: pelo caminho que as coisas levam, qualquer dia o exame de Portumática do 9º ano — uma só prova para ser mais fácil — será escrever a palavra "batata", dizer se é nome ou substantivo (a ver se sabe as TLEBS), contar o número total de letras dessa palavra e, finalmente, traçar uma circunferência à volta do resultado. Claro que vai ter a cotação toda um aluno que conte três, pois contou correctamente sílabas em vez de letras, e que desenhe um quadrado em vez de uma circunferência, pois também é uma figura geométrica. Seria cómico se não fosse trágico!
O cenário futuro apresentado pelo Carlos Fiolhais pode parecer exagerado, mas já andamos lá perto, conforme se apercebeu a minha irmã, quando no ano passado corrigiu exames nacionais de Português do 9.º ano.
Em primeiro lugar, «do 9.º ano» é uma maneira de dizer, pois não havia um único conteúdo que fosse posterior ao 8.º.
(A minha irmã confirmou isso mesmo: no início do ano lectivo que agora acaba usou o exame em causa como teste diagnóstico das suas turmas de 9.º ano — que, obviamente, ainda nada tinham aprendido desse nível de ensino — e a grande maioria teve nota positiva, alguns alcançando mesmo notas elevadas, em linha com as classificações obtidas no final do 8.º ano.)
Em segundo lugar, para além das perguntas muito simples e até ao 8.º ano apenas, os próprios critérios de correcção potenciavam o «sucesso» a martelo: por exemplo, em cada resposta, por mais breve que fosse, os alunos poderiam dar até 4 erros ortográficos diferentes, sem que os correctores pudessem descontar 1% que fosse. (Como os erros teriam de ser diferentes, usar N vezes a mesma palavra erradamente escrita constituía um único erro.)
Uma pergunta tinha mesmo um critério de correcção caricato: apelava à «criação», mas a simples cópia ainda garantia alguns pontos. Concretamente, um texto abordava a campanha do Banco Alimentar Contra a Fome, citando o slogan «Alimente Esta Ideia». Aos alunos era pedido que criassem um novo slogan para o BACF: segundos os critérios de correcção, o aluno que simplesmente repetisse «Alimente Esta Ideia» teria ainda assim direito a 20% da cotação da pergunta; aplicando o critério dos erros ortográficos, aquele que nessas 3 palavras desse 4 erros (p. ex., Halemente Ésta Edeia) ainda teria direito aos 20% (ou até mais, não sei: talvez em sede de recurso os erros fossem interpretados como sinal de criatividade e não de plágio mal feito...).
Os exemplos poderiam continuar...
Com estes critérios e estes conteúdos programáticos, os alunos da minha irmã tiveram notas no exame substancialmente melhores do que as obtidas ao longo do ano lectivo (houve quem passasse de 2 para 4 e de 3 para 5). Resultado: foi visitada por «Inspectores» da DREN, preocupados com a sua «incapacidade de avaliar». (A Matemática, na mesma escola, houve alunos que passaram de 5 para 1 ou 2, mas os respectivos professores não foram «visitados» nem a sua «incapacidade avaliativa» foi vista como preocupante...)
A minha irmã expôs a sua visão das coisas, nomeadamente o facto de o exame não abordar conteúdos do 9.º ano (de facto, os únicos alunos com negativa no exame tinham sido aqueles a quem ela já tinha dado negativa... no 8.º ano!), mas os ditos inspectores avisaram: se no final do 1.º Período as notas não melhorassem significativamente, seriam obrigados a enviar «um Técnico» para auditar os seus métodos de ensino... (A minha irmã perguntou: «Técnico de quê?», mas não obteve resposta.)
Durante todo o ano lectivo nunca foi visitada por ninguém, mas por duas vezes lhe telefonaram na semana anterior às reuniões avaliativas, naquilo que a minha irmã entendeu como uma tentativa de intimidação: parece que afinal estavam pouco interessados nos seus métodos de ensino, apenas os preocupando as notas propriamente ditas.
Etiquetas: Blogosfera, Educação
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