foto: Bruno Espadana

24 julho 2006

#  Qual Green Card, qual quê! (8)

The New Yorker cartoon caption contest #60 — a minha contribuição:

(c) Mick Stevens / The New Yorker
«I curse the day our path crossed with Forrest Gump's.»

Desenho de Mick Stevens / The New Yorker

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20 julho 2006

#  Fila única, por favor!

Há quem diga que nos dias que correm não consegue ver as notícias, pois é só guerra, terrorismo, repressão, morte e destruição.

Eu acho que não, que é precisamente o contrário: o mundo é muito mais pacífico quando visto pelo filtro dos media, particularmente da televisão.
Na versão televisiva do mundo, a cada momento há uma única guerra e uma única crise humanitária a acontecer. Na versão televisiva do mundo, a “guerra de serviço” é a do Líbano e a crise humanitária é a de Java. Nesse mundo 4x3 (PAL Plus 16x9 nos lares mais afortunados) nada se passa no Iraque, no Afeganistão, no Darfur, na Coreia do Norte, no Turquemenistão, na Bielorrúsia, na Chechénia, na Somália... A Índia bem tentou, mas o alinhamento não permitiu. Talvez em Outubro, com a nova grelha.

As pessoas que vivem no Iraque, no Afeganistão, no Darfur, na Chechénia, na Bielorrússia, na Somália acham que as coisas estão mal por lá. Estão enganados, mas compreende-se: vêem pouca televisão.*


* Não é o caso da Coreia do Norte e do Turquemenistão; aí as televisões garantem que o “Querido Líder” e o “Pai de Todos os Turquemenos”, respectivamente, asseguram um presente radioso e um futuro ainda mais.

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18 julho 2006

#  Estatística

Entre os post mais ou menos recentes do blogue Arrastão, de Daniel Oliveira, encontro um com o documentário do realizador israelita Avi Mograbi sobre o quotidiano na Palestina.

Ocorre-me a elaboração de uma estatística de algibeira: se contabilizarmos todos os abusos israelitas denunciados por cineastas, jornalistas e organizações de direitos humanos israelitas (vi vários ao longo dos anos), e se compararmos com os abusos palestinianos — muitas vezes sobre o seu próprio povo — denunciados pelos homólogos palestinianos (zero, em igual período de tempo), só podemos concluir uma coisa: que os Israelitas são uns carrascos e os Palestinianos uns santos.

(Ou então que o silêncio é muito eloquente.)

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17 julho 2006

#  Qual Green Card, qual quê! (7)

The New Yorker cartoon caption contest #59 — a minha contribuição:

(c) Drew Dernavich / The New Yorker
«Is it just me, or do you hate this #&@$% clock?»

Desenho de Drew Dernavich / The New Yorker

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14 julho 2006

#  Como assim, «season»?

Sobre o pouco relevo dado na imprensa nacional aos atentados em Bombaim, Eduardo Pitta escreveu um post intitulado «Silly Season», onde se lê:
Abriu a época parva. Em Bombaim explodiram sete bombas, matando mais de 180 pessoas (o triplo do que em Londres) e ferindo cerca de 700, e o Correio da Manhã preocupa-se com os salários dos assessores da Câmara Municipal de Lisboa. [...] Mas não é só o CM. Ontem, nas televisões, os atentados de Bombaim — isto é, no centro financeiro da democracia mais populosa do mundo — tiveram tratamento displicente. [...] Quanto aos atentados de Bombaim, who cares?

Concordo com tudo o que é dito. Só não concordo com o que é deixado implícito: que a parvoíce dos media é sasonal, que ciclicamente fecha. Wishful thinking, Mr. Pitta...

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13 julho 2006

#  A liberdade no mundo (aviso)

Para facilitar a leitura sequencial de todas as partes de A liberdade no mundo, alterei artificialmente as datas da sua publicação. Não virá daí mal ao mundo.

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#  E o prémio para a melhor dedicatória de sempre vai para...

Mohammed J. Kabir, Red Hat Linux Security and Optimization (Wiley, 2002):
This book is dedicated to my wife, who proofs my writing, checks my facts, and writes my dedications.

12 julho 2006

#  Outros números para pensar

O mesmo Arab Human Development Report (p. 92) apresenta mais alguns números vergonhosamente surpreendentes (Timothy Garton Ash refere-os em Free World).

Sobre a produção literária no Mundo Árabe pode ler-se:
[...] There are no reliable figures on the production of books, but many indicators suggest a severe shortage of writing; a large share of the market consists of religious books and educational publications that are limited in their creative content.

Até aqui, nada de surpreendente. Mas logo a seguir, sobre o mercado da tradução, custa a acreditar:
The figures for translated books are also discouraging. The Arab world translates about 330 books annually, one fifth of the number that Greece translates. The cumulative total of translated books since the Caliph Maa’moun’s time (the ninth century) is about 100,000, almost the average that Spain translates in one year (Galal, S., 1999). [...]

Ou seja, o marcado da tradução livreira de um pequeno país, cuja língua só é falada por 12 milhões de pessoas (11 milhões de gregos, os restantes cipriotas) vale cinco vezes mais do que um mercado de 22 países e 280 milhões de habitantes!
E um país como a Espanha (admitamos: quase certamente o maior tradutor mundial) precisa de apenas um ano para traduzir a quantidade de livros que levou mais de 1100 anos (isso mesmo: onze séculos!) a traduzir nos países árabes.

Sem dúvida, são números para pensar — assim que recuperemos do choque.

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#  Um número para pensar

É uma realidade surpreendente com que contactei ao ler Free World, mas tenho agora acesso aos números em concreto:

Segundo o Arab Human Development Report de 2002 (versão integral, versão resumida), em 1999 o PIB combinado de todos os países árabes (531,2 mil milhões de dólares) foi menor do que o PIB da Espanha (595,5 mil milhões de dólares), um país europeu de tamanho médio.

Isto, apesar da riqueza que muitos (mas não todos) esses países têm no petróleo. Riqueza que está a acabar. Depois, como será?

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11 julho 2006

#  A liberdade no mundo (1)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Logotipo da Freedom HouseA leitura de Free World apresentou-me a Freedom House, uma organização que luta pela liberdade no mundo. Desde 1973 que a Freedom House faz uma “auditoria” aos diferentes países, atribuindo pontuações de 1 a 7 à sua performance em termos de direitos políticos e liberdades civis (em que quanto menor o valor, maior a liberdade). De acordo com a média destes dois parâmetros, os países são depois classificados como “livres” (1.0 a 2.5), “parcialmente livres” (3.0 a 5.0) e “não livres” (5.5 a 7.0).

O relatório de 2006 será publicado este mês, mas o resumo já está disponível na Internet. A sua leitura é bastante esclarecedora. Vou tentar sistematizar algumas conclusões (baseadas nos dados fornecidos, mas da minha total responsabilidade).


  • Dos 192 países independentes considerados, 89 (46%) são livres, 58 (30%) são parcialmente livres e 45 (24%) são não livres.


  • Liberdade no mundo: número de países
  • Em termos populacionais (com um total de aprox. 6,5 mil milhões de habitantes), a coisa piora (muito por culpa do peso da China): o relatório de 2006 contabiliza 46% a viver em países livres, 18% em países parcialmente livres e 36% em países não livres (dos quais mais de metade precisamente na China).


  • Liberdade no mundo: população
  • Entrando no detalhe das pontuações médias, temos: A liberdade no mundo (2006), mapa detalhado
    • 1.0: 50 países;
    • 1.5: 13 países;
    • 2.0: 16 países;
    • 2.5: 10 países;
    • 3.0: 21 países;
    • 3.5: 7 países;
    • 4.0: 12 países;
    • 4.5: 10 países;
    • 5.0: 8 países;
    • 5.5: 21 países;
    • 6.0: 7 países;
    • 6.5: 9 países;
    • 7.0: 8 países.

  • Os oito países classificados no pior escalão (7.0) são: Birmânia, Coreia do Norte, Cuba, Líbia, Síria, Sudão, Turquemenistão e Usbequistão. Face a 2005 há apenas uma alteração: a Arábia Saudita passou a 6.5, trocando de posição com o Usbequistão. A China é globalmente considerada no escalão 6.5, mas a situação na região do Tibete merece a classificação de 7.0.


  • Em relação ao relatório de 2005, 27 países melhoraram a sua condição e 10 pioraram.


  • Na maior parte dos casos não houve uma mudança de classificação global. As excepções foram apenas 12, com 8 a melhorarem e 4 a piorarem. Quanto aos que melhoraram, 3 países passaram de parcialmente livres a livres (2.5) [Indonésia (antes 3.5), Sérvia-Montenegro (3.0) e Ucrânia (3.5)] e 5 passaram de não livres (5.5) a parcialmente livres [Líbano, Quirguizistão e República Centro-Africana (agora 4.5), Afeganistão e Mauritânia (5.0)]. No grupo dos que pioraram, 3 passaram de livres a parcialmente livres (3.0) [Guiana (antes 2.0), Filipinas (2.5) e Tailândia (2.5)] e um de parcialmente livre a não livre (Nepal, antes 5.0, agora 5.5).


  • Nenhum país que em 2005 estava no escalão 1.0 baixou desse nível. Pelo contrário, 5 novos países se lhes juntaram: Letónia, Sant Kitts e Nevis, Santa Lúcia e Taiwan (antes todos 1.5) e Lituânia (antes 2.0).


  • A evolução década a década mostra uma tendência permanente para o aumento da liberdade: em 1975, com 158 países independentes, apenas 40 (25%) eram livres e 65 (41%) eram não livres; o grupo intermédio dos parcialmente livres tem oscilado em termos globais e diminuído ligeiramente em termos percentuais.
Liberdade no mundo: evolução 1975-2005

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10 julho 2006

#  A liberdade no mundo (2.1)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e geografia (1)

No site da Freedom House, entre outras coisas, podemos encontrar os mapas da liberdade no mundo desde 2002. O mais recente destes mapas diz respeito ao relatório de 2005, mas com os dados de 2006 já disponibilizados é possível obter a versão actualizada:

A liberdade no mundo em 2006 (mapa simplificado)A liberdade no mundo em 2006 (mapa detalhado)
Analisando os dados de 2006 região a região — nem sempre coincidentes com as tradicionais divisões continentais —, cheguei às seguintes conclusões sobre liberdade e geografia:


Europa

Liberdade na Europa
  • Dos 42 países europeus considerados (tudo o que fica para cá da Rússia, excluindo-a, e incluindo a Turquia e Chipre), só 5 são parcialmente livres (Albânia, Macedónia e Turquia com 3.0; Bósnia-Herzegovina e Moldávia com 3.5) e um é não livre (Bielorrússia, 6.5). Entre os livres, só 7 não estão no escalão 1.0: Bulgária, Grécia e Mónaco (com 1.5), Croácia e Roménia (2.0), Sérvia-Montenegro e Ucrânia (2.5).


  • Assim sendo, dos 50 países classificados com 1.0, 30 são europeus e, desses, 26 pertencem à União Europeia, de facto (24) ou na prática (Andorra e San Marino). Os restantes países membros da UE, de facto (Grécia) ou na prática (Mónaco), estão no escalão 1.5.


  • Na Europa são ainda considerados três territórios em disputa: o Norte de Chipre (turco), livre (2.0); o Kosovo (região sérvia de maioria albanesa), não livre (5.5); e a Transnístria (região moldava de maioria russa), também não livre (6.0).

Ex-União Soviética

Liberdade na Ex-União Soviética
  • Dos 15 países saídos da União Soviética, 4 são livres [todos europeus: Estónia, Letónia e Lituânia (todas com 1.0) e Ucrânia (2.5)], 4 são parcialmente livres [Geórgia (3.0), Moldávia (3.5), Arménia e Quirguizistão (4.5)] e 7 (46%) são não livres [Azerbaijão, Cazaquistão, Rússia e Tajiquistão (5.5), Bielorrússia (6.5), Turquemenistão e Usbequistão (7.0)].


  • A Rússia passou de parcialmente livre a não livre no relatório de 2005 e inclui um território em disputa (Chechénia) no escalão máximo da repressão (7.0).

Médio Oriente e Norte de África

Liberdade no Médio Oriente e Norte de África
  • Na região do Médio Oriente e Norte de África (i. e., 18 países de Marrocos ao Irão, incluindo todos os da margem sul do Mediterrâneo, do Levante e da Península Arábica) conta-se apenas um país livre (adivinhem qual...), com 1.5, 6 países parcialmente livres, se bem que no limite [Jordânia, Kuwait, Líbano e Marrocos (todos com 4.5), Bahrain e Iémen (5.0)], sendo os restantes 11 (61%) não livres (6 deles no escalão 5.5, 2 com 6.0, um com 6.5 e 2 com 7.0).


  • Para além disso, o território disputado da Palestina que é administrado pela Autoridade Nacional é parcialmente livre (5.0), enquanto o que está directamente ocupado por Israel é não livre (5.5). Ou seja, a situação dos direitos políticos e liberdades civis não é pior aqui do que na generalidade do Médio Oriente e Norte de África, apesar de os demais serem países independentes e não territórios em disputa.

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09 julho 2006

#  A liberdade no mundo (2.2)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e geografia (2)


África Subsariana

Liberdade na África Subsariana
  • Na África Subsariana há 11 países livres (um deles no escalão 1.0: Cabo Verde), 23 parcialmente livres (48%) e 14 não livres.


  • Para além dos pequenos estados insulares (Cabo Verde, Maurícias, São Tomé e Príncipe), os países livres concentram-se na África Meridional (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia) e Ocidental (Benim, Gana, Mali, Senegal), onde há um pouco de tudo. Na África Oriental predominam os países parcialmente livres, enquanto a faixa central do continente é quase exclusivamente não livre.

Ásia e Pacífico

Liberdade na Ásia e no Pacífico
  • Na região da Ásia (excluindo a ex-União Soviética e os países já considerados na região do Médio Oriente, bem como a Turquia) e do Pacífico (incluindo a Austrália), 16 países (41%) são livres, 12 são parcialmente livres e 11 são não livres. Com excepção das Maldivas (ilhas do Índico) e do Brunei (sultanato na ilha do Bornéu), todos estes países não livres situam-se na Ásia continental.


  • Interessante é o caso da Mongólia, que, tendo sido na prática um protectorado comunista da ex-União Soviética, há anos se mantém consistentemente livre (2.0), apesar da falta de liberdade dos seus vizinhos (China e Rússia). Uma surpreendente “clareira verde” na “selva vermelha” da Ásia Central.


  • Mudanças significativas (i.e., com alteração de estatuto) de 2005 para 2006 registaram-se, no sentido positivo, na Indonésia [que passou de parcialmente livre (3.5) a livre (2.5)] e no Afeganistão [antes não livre (5.5), agora parcialmente livre (5.0)]. No sentido contrário, a situação deixou de ser livre nas Filipinas e na Tailândia (antes 2.5, agora 3.0) e passou de parcialmente livre (5.0) a não livre (5.5) no Nepal.

América

Liberdade na América
  • Na América, 68% dos países (24) são livres, 9 são parcialmente livres e 2 são não livres. Estes últimos são Cuba (7.0) e o Haiti (6.5). A América do Sul mostra-se algo instável, com um dois ou três países a oscilarem nos últimos anos entre livres e parcialmente livres.

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#  A liberdade no mundo (2.3)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e geografia (conclusões)

  • Podemos assim dizer que a região com mais países livres é a Europa, seguida da América. (Obviamente, só três ou quatro países americanos — EUA, Brasil, México e Canadá — valem em termos populacionais quase tanto como toda a Europa, e muitíssimo mais em termos de superfície.)

  • Na região da Ásia e do Pacífico as coisas encontram-se mais ou menos equilibradas (em número de países) entre as três categorias, ainda que isto seja enganador: se entre os livres se contam países como a Índia, o Japão e a Indonésia, a maioria são minúsculas nações insulares — enquanto no lado oposto do espectro se encontra a gigantesca China (que, por si só, contribui com mais de metade dos habitantes de países não livres).

  • Na rota descendente da liberdade, segue-se a África Subsariana (onde predominam os regimes parcialmente livres) e os países da ex-União Soviética (predominantemente não livres).

  • Sobre os países ex-soviéticos, tenha-se em conta que 6 deles foram considerados também na região da Europa. Eliminar estas sobreposições tornará pior o cenário na restante ex-URSS (9 países: 0% livres, 33% parcialmente livres e 67% não livres) ou melhor no resto da Europa (36 países: 89%, 11% e 0%, respectivamente).

  • No fundo do ranking está a região do Médio Oriente e do Norte de África, esmagadoramente não livre (o que está estreitamente ligado com a terceira parte desta análise, sobre a relação entre Liberdade e Islão).


  • Liberdade por regiões
  • Uma última ressalva: viver num país considerado “livre” não é garantia de que todos os indivíduos sejam politicamente livres, ou sequer que grupos específicos (p. ex., minorias) gozem igualmente da liberdade geral.

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08 julho 2006

#  A liberdade no mundo (3)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e Islão

O relatório da Freedom House contabiliza 46 países independentes (a magenta no mapa) cuja população é maioritariamente muçulmana. O Sahara Ocidental (6.5), indicado a roxo, é também esmagadoramente muçulmano, mas, não sendo um país independente (foi ocupado por Marrocos em 1976), não entra nas contas que se seguem. Da mesma forma, não são considerados outros territórios de maioria muçulmana, formalmente integrados em países não muçulmanos, mas cujo estatuto se encontra sob disputa: Norte do Chipre (2.0), Caxemira indiana (5.0), territórios palestinianos administrados pela Autoridade Nacional Palestiniana (5.0) ou ocupados por Israel (5.5), Kosovo (5.5) e Chechénia (7.0).

Adicionalmente, também foi descartada uma mão-cheia de países (indicados a amarelo) cuja população muçulmana, sendo a comunidade religiosa mais importante, não chega a 50% do total.

Países islâmicos
Analisando os dados do relatório de 2006, chegamos à conclusão de que apenas 3 países de maioria muçulmana são considerados livres — Mali (2.0), Indonésia e Senegal (ambos com 2.5) —, enquanto exactamente metade do total (23) foram classificados como não livres. Entrando no detalhe dos escalões entre 1.0 e 7.0, verifica-se que a média simples dos 46 países se situa em 5.0, isto é, no limite superior (pior) da classificação como parcialmente livre.

Número de países de maioria islâmica por escalão de liberdade
Apesar do cenário pouco abonatório, a verdade é que a situação tem vindo a melhorar. Há uma década (1995/96), com os mesmos 46 países, 70% (32) eram não livres e apenas um (o Mali) era considerado livre. E ainda em 2005 os países livres eram apenas dois, pois no relatório desse ano a Indonésia obteve um 3.5.

Liberdade nos países islâmicos (1995/96) Liberdade nos países islâmicos (2006)

Países Árabes

Se é verdade que nem todos os árabes são muçulmanos, e se também é verdade que a maioria dos muçulmanos não é de origem árabe, o facto é que todos os países árabes são maioritariamente (para não dizer esmagadoramente) muçulmanos. Por isso talvez não seja deslocado analisar a situação da liberdade nos países árabes.

O problema começa logo pela definição de “país árabe”. Optei por considerar como tal os que assim se declaram: ou seja, os 22 membros da Liga Árabe. Duas ressalvas se impõem: a primeira é que a Liga Árabe considera a Palestina (que efectivamente não é um país independente) como um membro de pleno direito; a segunda é que a mesma Liga reconhece formalmente o Sahara Ocidental como parte de Marrocos. Na análise aqui apresentada optei por considerar os dados relativos aos territórios sob administração da Autoridade Palestiniana (mas não os sob ocupação israelita). Por outro lado, optei por ignorar os dados relativos ao Sahara Ocidental.

Países da Liga Árabe
Assim sendo, o mapa considerado tem grandes semelhanças com o do Médio Oriente e Norte de África. As diferenças são a inclusão de 5 países (Mauritânia, Sudão, Djibuti, Somália e Comoros) e a exclusão de outros dois (Israel e Irão). E se naquela região o cenário da liberdade já era negro, nesta é ainda pior: 59% dos países (13) são não livres e não há um único país livre. E mesmo entre os países parcialmente livres a situação não é famosa: o menos mau (as minúsculas ilhas Comoros) obteve a classificação de 4.0. A média situa-se nos 5.5 (não livre).

Número de países da Liga Árabe por escalão de liberdade
Se se considerar o Sahara Ocidental (6.5), a percentagem de países não livres sobe para 61%. Alternativamente, poderemos decidir-nos pela inclusão deste país em Marrocos (4.5), mas nessa situação será difícil prever qual a classificação alcançada pelo “Grande Marrocos” nos seu todo (5.0 ou 5.5?).

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07 julho 2006

#  A liberdade no mundo (4)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e desenvolvimento — e as excepções

Termino com duas citações (algo longas) de Free World, o livro de Timothy Garton Ash que me levou a este percurso pela liberdade no mundo. Diz ele na p. 186:
[...] O economista Amartya Sen argumenta convincentemente que a liberdade e o desenvolvimento são indissociáveis. Somente a partir de um certo nível de desenvolvimento podemos falar seriamente de liberdade das pessoas, mas um certo nível de liberdade política, a boa governação e o Estado de Direito são igualmente indispensáveis para o desenvolvimento. É preciso ser-se livre para se desenvolver e desenvolver-se para se ser livre. Outros autores explicitam a conexão entre democracia e desenvolvimento. É claramente errado sustentar que nenhum país pobre pode ser uma democracia [...]. E é errado sugerir que as pessoas nos países pobres, quer sejam islâmicas, confucionistas, ou africanas, não desejam a liberdade, nem a democracia: os inquéritos de opinião mostram consistentemente que essas pessoas querem a liberdade e a democracia. [Voltarei a isto brevemente.] Mas parece ser empírica e historicamente verdade que, quanto mais elevado for o PIB per capita de um país, maior é a probabilidade de se tornar numa democracia e assim se manter. Acima dos 6500 dólares por habitante, é raro que um país não seja uma democracia — embora haja, como sempre, excepções, nomeadamente os Estados árabes ricos em petróleo. Abaixo dos 2000 dólares por pessoa, é raro que um país permaneça uma democracia por muito tempo. [Ash não apresenta algumas notáveis excepções: p. ex., o Mali, pobre (240 dólares de PIB per capita), islâmico e consistentemente livre desde 1992.] As tarefas da liberdade e do desenvolvimento são, portanto, inseparáveis.

(Sobre isto, falta-me — imperdoavelmente — ler A Riqueza e a Pobreza das Nações, de David S. Landes.)

Mas continua Timothy Garton Ash, mais à frente (pp. 191–192):
Duas interpretações contrastantes tiveram grande aceitação desde os ataques de 11 de Setembro. Uma delas, favorecida por europeus laicos, assim como por huntingtonianos [referência a Samuel Huntington, autor de O Choque das Civilizações (1997)], vê o núcleo do problema na própria religião muçulmana. O Islão, diz-se, precisa da sua própria «Reforma», embora para os europeus laicos o verdadeiro sentido da «Reforma» consista, na realidade, no Iluminismo — e preferivelmente na sua versão europeia secularista. A outra interpretação é a de que estes ataques são o resultado de uma história específica de pessoas particulares, muitas das quais foram radicalizadas e enrijecidas pela luta durante o combate contra os russos no Afeganistão, com apoio americano. Os homens santos do Islão têm tanta responsabilidade pelo facto de Osama bin Laden ter atacado as torres gémeas em nome de Alá como o Papa ou o Arcebispo da Cantuária devem ser censurados se um louco assassinar em nome de Cristo.
Por razões óbvias, líderes ocidentais como Tony Blair e, após a infeliz utilização inicial da palavra «cruzada», George W. Bush deram publicamente ao Islão o benefício da dúvida. [...]

Nos países com uma maioria muçulmana, o registo da democracia é mais precário. [...] De qualquer modo, será talvez possível dizer que os países de maioria muçulmana têm um registo mais precário de democracia porque são pobres e não por serem muçulmanos? Dois estudiosos mostraram que, na sustentação de democracias eleitorais, os Estados não-árabes com uma maioria muçulmana tiveram desempenhos tão bons (se não melhores) quanto os de países de pobreza comparável.
Por isso, talvez o problema real não seja o «Islão», mas a história particular dos árabes? Aqui o registo é muito deprimente. Dos vinte e dois membros da Liga Árabe [...], nenhum é democrático, a menos que se esteja preparado para contar o Iraque entre o seu número. O trabalho de referência Arab Human Development Report*, de 2002, compilado por estudiosos árabes, insiste longamente no «défice democrático» da região. [...] os países árabes aparecem, a grande distância, como os piores do mundo, atingindo níveis de pontuação inferiores a metade da segunda pior região — a África Subsariana.
Depois de avançarem esta dura autocrítica, os autores argumentaram, no entanto, que o problema de Israel e da Palestina — o que eles chamam «a ocupação ilegal israelita das terras árabes» — constituía um dos maiores obstáculos ao progresso em todo o mundo árabe. A questão palestiniana, diziam eles, era usada pelos governantes árabes como um «pretexto» para «retardar o desenvolvimento político».

* Arab Human Development Report (United Nations Development Programme, Regional Bureau for Arab States, 2002): [versão integral, PDF] [resumo para a Imprensa]

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#  The enemy within

Foi há um ano que quatro bombistas suicidas se fizeram explodir nos transportes públicos de Londres. Ao contrário dos ataques de 11 de Setembro de 2001 e de 11 de Março de 2004, estes foram levados a cabo por cidadãos nacionais do país atacado.

Nem de propósito, prevejo terminar a minha análise «A liberdade no mundo» com uma parte precisamente intitulada «Liberdade e Islão», a que se seguirão, nos próximos dias, mais alguns posts sobre o mesmo tema, mas baseando-me em fontes diferentes.

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04 julho 2006

#  Irrelevância e tabloidização

Destaques de 'O Jogo'Em conferência de imprensa, o jogador francês Frank Ribéry referiu-se a Scolari como «um grande jogador». A edição d'O Jogo de hoje aproveita a deixa e diz na primeira página: «FRANCÊS IDIOTA!» — o que me suscita duas breves reflexões.

A primeira prende-se com a irrelevância dos elogios que se fazem à equipa adversária. Por vezes até serão sinceros (como recomendou alguém, à falta de melhor, diz a verdade...), mas a maior parte das vezes é algo de vácuo, automático: quase um reflexo pavloviano provocado pela presença dos microfones e das câmaras de televisão.

A segunda reflexão é ditada pela parangona d'O Jogo. O jornal está escrito em português, e eu até sei que os ingleses não têm jornais desportivos — mas por momentos consigo abstrair-me disso e quase julgo olhar para uma banca de jornais britânica. Pois, que me lembre, nunca antes andámos tão perto do estilo tabloidesco, sujo, do The Sun ou do Daily Mirror.

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03 julho 2006

#  Pouco “new age”, poucas dúvidas

Voltando ao “World Values Survey”, a que me referi num post há umas semanas, os dados para Portugal (1990 e 1999) contrariam impressões pessoais e mesmo ideias feitas bastante divulgadas. Vejamos os gráficos:

Deus Pessoal vs. Espírito ou Força Vital (% homens) Deus Pessoal vs. Espírito ou Força Vital (% mulheres)
Deus Pessoal vs. Espírito ou Força Vital (% total)

A impressão pessoal que não se confirma é a de um aumento da percepção de Deus, não como uma “pessoa” (O Criador, Deus-Pai, Deus castigador), mas como um espírito ou uma força vital. («Deus é energia!» disseram-me em tempos — não me conseguindo depois explicar por que razão essa “energia” era contra o aborto ou a homossexualidade, conforme o meu interlocutor defendia...)
Em Portugal as perspectivas “new age da divindade são não só minoritárias, como crescentemente minoritárias: em menos de uma década os seus adeptos baixaram de 18,5% para 13,9% do total, muito à custa das mulheres (caíram de 16,3% para 9,9%); os homens, que já eram mais aderentes a esta ideia, registaram perdas muito menores (de 21,0% para 19,3%).

Uma ideia feita — muito em voga entre os membros da hierarquia da Igreja Católica, os sociólogos-vox populi e os jornalistas — é a de que esta é uma época de incertezas (o que traz a angústia). Pelo menos em relação à divindade, tal ideia não se confirma, bem pelo contrário: em 1999 apenas 3,1% dos inquiridos afirmavam não saber qual a verdadeira natureza de Deus; nove anos antes os portugueses em dúvida eram 12,3% (quase o quádruplo). Há, por isso, cada vez mais certezas. A diminuição da dúvida foi particularmente acentuada nos indivíduos do sexo masculinos (de 14,8% para apenas 2,7%), mas foi também significativa entre o sexo feminino (de 10,0% para 3,4%).
Em ambos os casos, registaram-se ganhos enormes na crença num Deus pessoal: nas mulheres reforçou-se ainda mais uma maioria já expressiva (de 70,0% para 86,1%); quanto aos homens, se em 1990 havia apenas uma maioria marginal de crentes num Deus pessoal (52,3%), em 1999 esta era já esmagadora: 73,9%.

Estes e outros dados mostram que, ao contrário do que se diz (particularmente pela boca alarmada da hierarquia católica), não há um aumento da descrença. Bem pelo contrário: em Portugal, pelo menos entre 1990 e 1999, o ateísmo, já de si minoritário, caía vertiginosamente e a credulidade “à católica” estava de boa saúde e em franco crescimento. De que forma isso se traduzia nos comportamentos diários, já é outra questão.

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#  Para uma contabilidade da auto-estima palestiniana

Segundo os palestinianos, quanto vale a vida de um soldado israelita?

Leio no Público online:
Os três grupos armados [Brigadas de Ezzedin Al-Qassam, Comités de Resistência Popular e Exército do Islão] reclamam a libertação de mulheres, menores e milhares de outros palestinianos e árabes detidos em Israel em troca do soldado capturado.

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01 julho 2006

#  «Quem és tu?»

Ligo para o call center de uma empresa de que sou cliente. Como forma de verificação da minha identidade são-me solicitados alguns dados pessoais, entre eles o número do Bilhete de Identidade. Falta-me apenas dizer um ou dois algarismos quando me dou conta de que o que de facto estou a ditar é o meu número de telemóvel.