foto: Bruno Espadana

12 novembro 2008

#  Post-scriptum (2.2) ao post «Ignorância matemática»

Embora já um pouco fora de tempo (as eleições americanas meteram-se pelo meio...), vou concluir a minha resposta a uma eventual acusação de eu próprio sofrer de ignorância matemática na minha análise das avaliações no Ensino Básico.
(Ver também os post-scripta 1 e 2.1, bem como o artigo original.)

Neste post vou expor claramente de que forma o sistema de avaliação imposto pelo Ministério da Educação (ME) distorce as classificações finais das disciplinas sujeitas a exame nacional, com duas consequências (dois objectivos?):
  • Disfarçar as reais diferenças entre os alunos («Todos diferentes, todos iguais»?...), subvertendo a própria ideia de avaliação.
  • Aumentar a taxa de aprovação a essas disciplinas.

A tabela apresentada mais à frente indica a classificação final de uma disciplina (CFD) em função a classificação atribuída pela escola ao aluno no final do ano lectivo (classificação de frequência, Cf) e da classificação (expressa em níveis qualitativos 1–5) correspondente à classificação percentual obtida pelo aluno no exame nacional (Ce).

CFD é, por determinação ministerial, calculada segundo a fórmula CFD = 0,7*Cf + 0,3*Ce, sendo no final arredondada ao inteiro (1–5) mais próximo. Conforme se poderá ver, este arredondamento distorce significativamente o sistema de ponderação, segundo o qual a frequência lectiva pesaria 70% na classificação final, pertencendo os restantes 30% ao exame nacional da disciplina.

Para simplificar a compreensão da tabela, indico a verde os casos em que Ce contribui para uma subida de CFD relativamente a Cf, e a vermelho os casos em que Ce contribui para uma descida.

CFDCf
12345
Ce112234
212334
322344
423345
523445

Embora haja 6 situações de subida e 6 situações de descida, uma tendência é clara: sobem-se as notas dos mais fracos e baixam-se as notas dos melhores alunos. Para além dos casos óbvios (um aluno de 5 não pode subir, nem um aluno de 1 pode descer...), note-se, por exemplo, que o sistema adoptado torna matematicamente impossível a um aluno subir em exame de 4 para 5, ou descer de 2 para 1.

Note-se ainda que, se limitarmos a nossa análise apenas às situações em que o resultado Aprovação/Reprovação é diferente considerando CFD ou Cf, há duas situações em que alunos reprovados por frequência (com Cf = 2) obtêm uma CFD = 3 que lhe permite a aprovação graças ao exame nacional, enquanto há apenas uma situação em que um aluno aprovado por frequência (com Cf = 3) acaba reprovado com CFD = 2 devido ao resultado do exame nacional. Se tivermos em conta que o intervalo percentual correspondente ao nível 2 é mais largo do que o correspondente ao nível 3, verifica-se que a tendência geral para acabar aprovando alunos com nível de frequência merecedor de reprovação é ainda maior do que à primeira vista parece.

Conclusões:
  • A forma como a CFD é calculada disfarça as reais diferenças entre os alunos, fazendo-os convergir artificialmente mais para o meio — onde não está a virtude, mas a indistinção. Ora, o objectivo da avaliação deveria ser, precisamente, distinguir o que não é igual, pelo que as diferenças no cumprimento dos objectivos cognitivos por parte dos alunos deveriam reflectir-se na classificação final que lhes é atribuída. Isto já dificilmente aconteceria dada a adopção de uma escala (qualitativa) tão pouco expressiva, mas o problema é ainda agravado pela fórmula de cálculo da classificação final.
  • Contabilizando apenas as aprovações e reprovações, o sistema de cálculo da CFD tem efectivamente uma tendência facilitadora, promovendo em termos genéricos um aumento das aprovações.

Para tornar mais claro o efeito potenciador da indistinção do sistema de cálculo da CFD, na tabela seguinte assinalo a verde os casos em que CFD converge mais para o meio (relativamente a Cf), e a vermelho os casos em que o efeito é divergente.

CFDCf
12345
Ce112234
212334
322344
423345
523445


Conclusões:
  • O sistema não premeia os bons alunos, antes os prejudica (potencialmente), escondendo a diferença que realmente existe entre eles e os outros.
  • O sistema não incentiva ao trabalho os alunos que reprovaram por pouco (que se esforçaram e estiveram «quase lá»), pois, ou simplesmente os aprova à pressão (dizendo-lhes subliminarmente que já estão bem assim), ou tende a metê-los no mesmo saco daqueles que simplesmente não se esforçam de todo ou manifestamente não têm a mínima capacidade: não só define um nível 2 demasiado alargado (tratando de igual forma um 20% e um 49%), como ainda aumenta as probabilidades de alunos com Cf = 1 alcançarem também uma CFD = 2.

Note-se ainda que o acontece a dois alunos, um de nível 4 e outro de nível 3 na avaliação de frequência, que tenham ambos obtido um nível 2 no exame nacional: o sistema mete ambos no mesmo saco, atribuindo-lhes uma CFD = 3. Mesmo que, de facto, os dois alunos sejam mais diferentes do que água e vinho: por exemplo, o primeiro obteve um 4 em virtude de testes, trabalhos e participações orais globalmente considerados na casa dos 80–85%, e o seu nível 2 no exame nacional corresponde a um 45% — enquanto o segundo até foi “bafejado” em frequência por um nível 2 promovido artificialmente a nível 3 (porque os Inspectores do ME implicam com a alta taxa de reprovações, mas não com os milagres...), e o seu nível 2 no exame corresponde a um 20% cheio de água benta... (A água benta começa logo nos critérios de correcção impostos pelo Gabinete de Avaliação Educativa, o infame GAVE, que estabelece de facto uma espécie de “Rendimento Mínimo Garantido”...)

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11 novembro 2008

#  Sarah Palin: «Se a conversa da treta fosse dinheiro...»

Muitos poderão pensar que foi só depois da derrota que muitos comentadores republicanos se levantaram contra Palin, movidos pelo ressentimento. Em abono da verdade, faça-se justiça aos republicanos e reconheça-se que isso não foi bem assim.

Num artigo («Palin Problem») publicado a 26 de Setembro na National Review (revista, ligada ao Partido Republicano, que recentemente forçou o filho do seu fundador a demitir-se, depois de este ter publicado um artigo de apoio a Barack Obama), Kathleen Parker, referindo a notória falta de conhecimentos da Sarah Palin, diz que a governadora do Alasca está claramente a jogar fora do seu campeonato, não trazendo ao debate mais do que meia dúzia de lugares-comuns:
«Palin empaleia. Ela repete palavras, enchendo espaço com palha. Cortem a verborreia e não sobra muito conteúdo.»
Palin filibusters. She repeats words, filling space with deadwood. Cut the verbiage and there’s not much content there.»]
Uma frase é particularmente retumbante:
«Se a conversa da treta fosse dinheiro, Palin conseguiria resolver sozinha o problema de falta de liquidez de Wall Street.»
If BS [bullshit] were currency, Palin could bail out Wall Street herself.»]

Parker termina pedindo à governadora que, para bem do seu país, saia da campanha enquanto é tempo (estávamos em Setembro), podendo salvar a face invocando motivos pessoais (o filho recém-nascido).

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10 novembro 2008

#  Sarah Palin: Singin’ in the Rain

Se a maioria dos comentadores e opinion makers não tem dúvidas de que Sarah Palin prejudicou a campanha de John McCain, a extrema direita americana, profunda e abjectamente religiosa, alimenta a esperança de que a «Caribou Barbie» regresse em força em 2012.

Um exemplo é a apaixonada defesa dessa possibilidade por parte do ultraconservador Pat Buchanan:



Pat Buchanan apresenta como “prova” de que Sarah Palin beneficiou John McCain o facto de ele ter subido 10-12 pontos nas intenções de voto na semana a seguir à intervenção da sua parceira na Convenção Nacional do Partido Republicano. O seu interlocutor, Lawrence O’Donnell, nega (erradamente) este facto, quando faria melhor explicar a Pat Buchanan por que é que Palin teve inicialmente tal efeito positivo e mobilizador na campanha de McCain: podia tê-lo feito recorrendo a um filme musical clássico, Singin’ in the Rain.

Nesse filme há uma personagem, Lina Lamont, que é a grande estrela do cinema mudo. Mas Ms. Lamont tem um problema: não só tem uma voz esganiçada, como quando abre a boca só diz asneiras. Por isso a diva está proibida pelos patrões de falar em público. Em todas as suas aparições públicas, limita-se a acenar e sorrir, havendo sempre alguém que fale por ela e garante que ela mantém a boquinha bem fechada. (Lina Lamont não tem noção do desastre que é, tentando por vezes falar, apesar de proibida.)

E um dia, a catástrofe: surge o cinema sonoro...

Sarah Palin foi a Lina Lamont desta campanha eleitoral. O seu visual e estilo folksy trouxe uma lufada de ar fresco ao cinzentismo da política. Nas suas intervenções em público, safou-se enquanto se limitou a ler os discursos escritos com três ou quatro soundbytes (o correspondente do playback de Lina Lamont) — mas quando foi deixada à solta (como nas entrevistas com Katie Couric — p. ex., aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), e mesmo quando teve alguma preparação prévia (entrevista com Charles Gibson e debate com Joe Biden), Sarah Palin deixou claro que não ia além desses lugares-comuns, pelo que, fosse qual fosse a pergunta, a resposta acabava lá...

Sarah Palin ajudou a campanha de McCain enquanto o embrulho não revelou o vazio interior. Infelizmente para ela, o vazio acabou sendo exposto...

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08 novembro 2008

#  As saudades que Bush deixará (3)

O melhor do Bushismo



Talvez o meu preferido seja aquele discurso escrito em que ele diz:
«Os nossos inimigos são inovadores e têm muitos recursos — e nós também. [sorrisinho]
Eles nunca deixam de pensar em novas maneiras de prejudicar o nosso país e o nosso povo — e nós também não. [sorrisinho]»

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#  Uma verdade inconveniente

(Teoria Restrita da Relatividade da Reflexão)

Maugrado o secular prestígio da pausa reflexiva, o jovem Albert sabia algo que mais ninguém sabia: que ao pararmos para pensar, temos menos tempo para pensar.

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07 novembro 2008

#  Off-the-record

A tensão entre a facção de McCain e a facção de Palin tornou-se conhecida nos últimos dias da campanha, à medida que o cenário se apresentava cada vez menos favorável, muito por culpa de Sarah Palin (diziam os apoiantes de McCain — e a esmagadora maioria dos analistas).

Agora que a dupla está definitivamente derrotada, começou em força o “finger-pointing”, e até a Fox News (ou especialmente a Fox News?...) vem revelar a dimensão titânica da ignorância de Sarah Palin. Alguns exemplos:
  • Palin pensava que a África era um país e não um continente;
  • Palin pensava que a África do Sul era uma região desse suposto país e não um país desse continente;
  • Palin era incapaz de nomear todos os países da América do Norte (que são só três...).


E, como boa ignorante que se preza, Sarah Palin recusou-se a ser preparada pelos assessores de McCain para a longa entrevista com Katie Couric (CBS News), onde muita da sua ignorância ficou patente (mas não na escala que a Fox News vem agora revelar).

O mais interessante é a justificação do repórter da Fox News para só agora isto se saber: foi-lhe pedido que a ignorância de Sarah Palin fosse mantida “off-the-record” até depois das eleições...

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06 novembro 2008

#  As saudades que Bush deixará (2)

O cartoonista editorial Mike Luckovich (The New Yorker) elenca aquilo de que mais sentirá falta com o fim da presidência de George W. Bush:

(c) Mike Luckovich
A sua evolução permitiu-me poupar cada vez mais tempo a desenhar e tinta.
Depois do 11/9 > Depois da invasão do Iraque > Depois do Katrina > Depois da tortura e das escutas > Depois do colapso económico

(c) Mike Luckovich
Os seus cúmplices.
Os mais procurados da América: Alberto Gonzales, Lewis “Scooter” Libby, Condoleezza Rice, Karl Rove, Donald Rumsfeld

(c) Mike Luckovich
O seu assustador Vice-Presidente.
«Estão a pôr no lixo as decorações do Halloween...»

(c) Mike Luckovich
As suas qualidades unificadoras.
«É oficial: o país inteiro odeia-o...»

(c) Mike Luckovich
Poder desenhar semanalmente o Titanic com o nome do seu mais recente falhanço.
Bush: «’Tamos a fazer bons progressos.»
Titanic: «Ambiente, Iraque, Economia, Mercado Imobiliário, Partido Republicano»

(c) Mike Luckovich
A sua Guerra contra a Gramática.
Bush: «Mim o decisor.»
Assessor: O senhor quer dizer “Eu sou o decisor.”»
Bush: «Tu não! Mim!»

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#  As saudades que Bush deixará (1)

Jack Cafferty (CNN) e os seus telespectadores dizem do que mais sentirão falta quando George W. Bush se for finalmente embora...

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04 novembro 2008

#  Post-scriptum (2.1) ao post «Ignorância matemática»

Depois de termos rebatido a hipotética acusação de ignorância pedagógica, analisemos a de ignorância matemática ou má-fé da minha parte: ela poderá resultar da análise da fórmula de cálculo da classificação final de uma disciplina (CFD) do Ensino Básico e da apresentação de um exemplo que contradiz a minha insinuação de facilitismo encapotado por parte do Ministério.

Vejamos: a fórmula de cálculo é CFD = 0,7*Cf + 0,3*Ce, em que Cf é a classificação de frequência (nível 1-5 atribuído pela escola no final do ano lectivo) e Ce é o nível 1-5 correspondente à classificação percentual obtida no exame nacional da disciplina, sendo CFD arredondado ao nível inteiro (1-5) mais próximo.
Fazendo umas contas, poderíamos apresentar o seguinte exemplo: um aluno com Cf = 2, resultante de uma média final de frequência 45%, e Ce = 3, resultante de um exame nacional de 70%, obterá uma CFD = 2 (arredondada de 2,3), quando a mesma fórmula aplicada às classificações percentuais resultaria numa média pesada de 52,5%, correspondente a um nível 3.
Conclusão (diriam os meus detractores): o sistema de classificação do ME não visa o facilitismo; como em todos os sistemas de avaliação, resulta em distorções face à “realidade” (seja lá o que isso for), mas essas distorções tanto podem melhorar como piorar a classificação final; globalmente, o sistema não prejudica nem beneficia ninguém, pelo que o ME está inocente da acusação de facilitismo encapotado, opinião que só pode ser sustentada na minha ignorância ou má-fé.

Acontece que quem assim fala, fala sem conhecimento de causa. A aparente “equidade” ou “neutralidade” do sistema, que tanto pode melhorar como piorar as classificações finais, deixando estatisticamente tudo na mesma, é apenas isso: aparente. De facto, e não é o que se passa.

A primeira das razões dessa falta de neutralidade só é desconhecida a quem nunca assistiu a uma reunião de avaliação e, simultaneamente, anda muito distraído quanto à (por uma vez verdadeira) vox populi: dificilmente um aluno que chegue à reunião com uma média igual ou superior a 40% sairá dela com outra classificação que não seja o nível 3, de aprovação. Diria mesmo que é impossível: as ameaças de recursos por parte dos pais e de inspecções por parte do ME (os temidos “Inspectores” só se interessam com o número elevado de reprovações, ainda que em turmas de professores reconhecidamente competentes, nunca com as milagrosas “melhorias” de notas nem com os verdadeiros crimes didácticos e pedagógicos, desde que estes resultem em “sucesso”...); o «discurso do coitadinho» e a tendência para o apelo ao «nacional porreirismo»; mais recentemente, o reflexo dos resultados dos alunos na própria avaliação do desempenho dos professores — tudo isto garante que esses alunos serão “resgatados” por um empolamento das notas internas. A bem da Nação e da paz de espírito.

Mas é verdade que, ao contrário do que o meu post original poderia levar (erradamente) a concluir, o sistema não tem como consequência única subir as classificações finais. De facto, as consequências são, em certa medida mais perversas: talvez fruto de uma incompreensão do conceito de igualdade, o sistema de classificação imposto pelo ME está desenhado para esbater (artificialmente) as diferenças entre o desempenho dos alunos, prejudicando desta forma os bons alunos e “recompensando” os maus; particularmente, mete no mesmo saco alunos na casa do 3+ (com percentagem no intervalo 70-74%) e alunos na casa do 3–, para já não falar dos 2+ promovidos “a martelo” ao nível de aprovação... E, cereja em cima do bolo, enquanto faz isso ainda consegue aumentar um pouco (ou não tão pouco assim) o número de aprovações, sem contar com as já garantidas pela simples promoção do empolamento de notas internas.

A análise desta distorção do sistema será deixada para um post futuro.

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