foto: Bruno Espadana

04 novembro 2008

#  Post-scriptum (2.1) ao post «Ignorância matemática»

Depois de termos rebatido a hipotética acusação de ignorância pedagógica, analisemos a de ignorância matemática ou má-fé da minha parte: ela poderá resultar da análise da fórmula de cálculo da classificação final de uma disciplina (CFD) do Ensino Básico e da apresentação de um exemplo que contradiz a minha insinuação de facilitismo encapotado por parte do Ministério.

Vejamos: a fórmula de cálculo é CFD = 0,7*Cf + 0,3*Ce, em que Cf é a classificação de frequência (nível 1-5 atribuído pela escola no final do ano lectivo) e Ce é o nível 1-5 correspondente à classificação percentual obtida no exame nacional da disciplina, sendo CFD arredondado ao nível inteiro (1-5) mais próximo.
Fazendo umas contas, poderíamos apresentar o seguinte exemplo: um aluno com Cf = 2, resultante de uma média final de frequência 45%, e Ce = 3, resultante de um exame nacional de 70%, obterá uma CFD = 2 (arredondada de 2,3), quando a mesma fórmula aplicada às classificações percentuais resultaria numa média pesada de 52,5%, correspondente a um nível 3.
Conclusão (diriam os meus detractores): o sistema de classificação do ME não visa o facilitismo; como em todos os sistemas de avaliação, resulta em distorções face à “realidade” (seja lá o que isso for), mas essas distorções tanto podem melhorar como piorar a classificação final; globalmente, o sistema não prejudica nem beneficia ninguém, pelo que o ME está inocente da acusação de facilitismo encapotado, opinião que só pode ser sustentada na minha ignorância ou má-fé.

Acontece que quem assim fala, fala sem conhecimento de causa. A aparente “equidade” ou “neutralidade” do sistema, que tanto pode melhorar como piorar as classificações finais, deixando estatisticamente tudo na mesma, é apenas isso: aparente. De facto, e não é o que se passa.

A primeira das razões dessa falta de neutralidade só é desconhecida a quem nunca assistiu a uma reunião de avaliação e, simultaneamente, anda muito distraído quanto à (por uma vez verdadeira) vox populi: dificilmente um aluno que chegue à reunião com uma média igual ou superior a 40% sairá dela com outra classificação que não seja o nível 3, de aprovação. Diria mesmo que é impossível: as ameaças de recursos por parte dos pais e de inspecções por parte do ME (os temidos “Inspectores” só se interessam com o número elevado de reprovações, ainda que em turmas de professores reconhecidamente competentes, nunca com as milagrosas “melhorias” de notas nem com os verdadeiros crimes didácticos e pedagógicos, desde que estes resultem em “sucesso”...); o «discurso do coitadinho» e a tendência para o apelo ao «nacional porreirismo»; mais recentemente, o reflexo dos resultados dos alunos na própria avaliação do desempenho dos professores — tudo isto garante que esses alunos serão “resgatados” por um empolamento das notas internas. A bem da Nação e da paz de espírito.

Mas é verdade que, ao contrário do que o meu post original poderia levar (erradamente) a concluir, o sistema não tem como consequência única subir as classificações finais. De facto, as consequências são, em certa medida mais perversas: talvez fruto de uma incompreensão do conceito de igualdade, o sistema de classificação imposto pelo ME está desenhado para esbater (artificialmente) as diferenças entre o desempenho dos alunos, prejudicando desta forma os bons alunos e “recompensando” os maus; particularmente, mete no mesmo saco alunos na casa do 3+ (com percentagem no intervalo 70-74%) e alunos na casa do 3–, para já não falar dos 2+ promovidos “a martelo” ao nível de aprovação... E, cereja em cima do bolo, enquanto faz isso ainda consegue aumentar um pouco (ou não tão pouco assim) o número de aprovações, sem contar com as já garantidas pela simples promoção do empolamento de notas internas.

A análise desta distorção do sistema será deixada para um post futuro.

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