foto: Bruno Espadana

07 julho 2006

#  A liberdade no mundo (4)

Esta análise está dividida em partes: [1] [2.1] [2.2] [2.3] [3] [4]


Liberdade e desenvolvimento — e as excepções

Termino com duas citações (algo longas) de Free World, o livro de Timothy Garton Ash que me levou a este percurso pela liberdade no mundo. Diz ele na p. 186:
[...] O economista Amartya Sen argumenta convincentemente que a liberdade e o desenvolvimento são indissociáveis. Somente a partir de um certo nível de desenvolvimento podemos falar seriamente de liberdade das pessoas, mas um certo nível de liberdade política, a boa governação e o Estado de Direito são igualmente indispensáveis para o desenvolvimento. É preciso ser-se livre para se desenvolver e desenvolver-se para se ser livre. Outros autores explicitam a conexão entre democracia e desenvolvimento. É claramente errado sustentar que nenhum país pobre pode ser uma democracia [...]. E é errado sugerir que as pessoas nos países pobres, quer sejam islâmicas, confucionistas, ou africanas, não desejam a liberdade, nem a democracia: os inquéritos de opinião mostram consistentemente que essas pessoas querem a liberdade e a democracia. [Voltarei a isto brevemente.] Mas parece ser empírica e historicamente verdade que, quanto mais elevado for o PIB per capita de um país, maior é a probabilidade de se tornar numa democracia e assim se manter. Acima dos 6500 dólares por habitante, é raro que um país não seja uma democracia — embora haja, como sempre, excepções, nomeadamente os Estados árabes ricos em petróleo. Abaixo dos 2000 dólares por pessoa, é raro que um país permaneça uma democracia por muito tempo. [Ash não apresenta algumas notáveis excepções: p. ex., o Mali, pobre (240 dólares de PIB per capita), islâmico e consistentemente livre desde 1992.] As tarefas da liberdade e do desenvolvimento são, portanto, inseparáveis.

(Sobre isto, falta-me — imperdoavelmente — ler A Riqueza e a Pobreza das Nações, de David S. Landes.)

Mas continua Timothy Garton Ash, mais à frente (pp. 191–192):
Duas interpretações contrastantes tiveram grande aceitação desde os ataques de 11 de Setembro. Uma delas, favorecida por europeus laicos, assim como por huntingtonianos [referência a Samuel Huntington, autor de O Choque das Civilizações (1997)], vê o núcleo do problema na própria religião muçulmana. O Islão, diz-se, precisa da sua própria «Reforma», embora para os europeus laicos o verdadeiro sentido da «Reforma» consista, na realidade, no Iluminismo — e preferivelmente na sua versão europeia secularista. A outra interpretação é a de que estes ataques são o resultado de uma história específica de pessoas particulares, muitas das quais foram radicalizadas e enrijecidas pela luta durante o combate contra os russos no Afeganistão, com apoio americano. Os homens santos do Islão têm tanta responsabilidade pelo facto de Osama bin Laden ter atacado as torres gémeas em nome de Alá como o Papa ou o Arcebispo da Cantuária devem ser censurados se um louco assassinar em nome de Cristo.
Por razões óbvias, líderes ocidentais como Tony Blair e, após a infeliz utilização inicial da palavra «cruzada», George W. Bush deram publicamente ao Islão o benefício da dúvida. [...]

Nos países com uma maioria muçulmana, o registo da democracia é mais precário. [...] De qualquer modo, será talvez possível dizer que os países de maioria muçulmana têm um registo mais precário de democracia porque são pobres e não por serem muçulmanos? Dois estudiosos mostraram que, na sustentação de democracias eleitorais, os Estados não-árabes com uma maioria muçulmana tiveram desempenhos tão bons (se não melhores) quanto os de países de pobreza comparável.
Por isso, talvez o problema real não seja o «Islão», mas a história particular dos árabes? Aqui o registo é muito deprimente. Dos vinte e dois membros da Liga Árabe [...], nenhum é democrático, a menos que se esteja preparado para contar o Iraque entre o seu número. O trabalho de referência Arab Human Development Report*, de 2002, compilado por estudiosos árabes, insiste longamente no «défice democrático» da região. [...] os países árabes aparecem, a grande distância, como os piores do mundo, atingindo níveis de pontuação inferiores a metade da segunda pior região — a África Subsariana.
Depois de avançarem esta dura autocrítica, os autores argumentaram, no entanto, que o problema de Israel e da Palestina — o que eles chamam «a ocupação ilegal israelita das terras árabes» — constituía um dos maiores obstáculos ao progresso em todo o mundo árabe. A questão palestiniana, diziam eles, era usada pelos governantes árabes como um «pretexto» para «retardar o desenvolvimento político».

* Arab Human Development Report (United Nations Development Programme, Regional Bureau for Arab States, 2002): [versão integral, PDF] [resumo para a Imprensa]

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