# «... mal também não faz.»
É o argumento de último recurso, aquele a que recorrem quando todos os demais falharam: que se o baptismo, a catequese ou a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (conforme o caso) não fizerem bem, mal também não fazem. É um grande tombo em termos de dignidade — de farol da vida em sociedade e passaporte para a eterna salvação post mortem a inofensivo e pechisbeque placebo moral —, mas é um sacrifício a que, sendo necessário, os laçadores de ovelhas tresmalhadas não hesitam recorrer: uma pequena humilhação face à perspectiva de a geração seguinte retornar ao rebanho.
Infelizmente é mentira: não é verdade que, «se não fizer bem, mal também não faz». Pode fazer. Porque se não é um remédio, não se deduz daí que então é necessariamente um placebo — pode ser aguarrás ou coisa pior.
Dois exemplos. O primeiro retiro-o do editorial de Francisco Camacho da NS’ de 8 de Abril, apropriadamente intitulado «Religião imoral». O director deste suplemento dos jornais DN e JN conta o caso de um casal amigo que, como outros que ele conhece, matricularam o filho num colégio católico, não por uma questão doutrinária (os amigos em causa não são propriamente católicos praticantes), antes pela reputação em termos de qualidade de ensino. Mas, como diz Camacho, «tenhamos atenção à perversidade que se esconde debaixo de alguns malmequeres»:
Do segundo exemplo tenho conhecimento directo. Um casal meu amigo tem a filha única a frequentar o 2.º Ciclo do Ensino Básico numa escola pública. Os pais, nascidos em famílias católicas, são ateus (ou, pelo menos, agnósticos), pelo que a miúda não foi baptizada nem frequentou a catequese. Apesar disso, no acto de matrícula foram assediados no sentido de optarem pela disciplina de EMRC; os argumentos apresentados foram não só o já referido do placebo, mas ainda (porque um parecia não chegar) o do espectro da discriminação: que a menina sentir-se-ia posta de lado quando os outros fossem para a aula de EMRC e ela não... Com receio do possível «trauma» da criancinha — e porque «mal também não faz» —, os meus amigos (que em tudo o mais demonstram discernimento) acederam. Em má hora, vêem agora: há uns tempos a menina chegou a casa chocada com as palavras do professor de Moral. No âmbito da campanha anti-aborto (o seu grande cavalo-de-batalha actual), e sendo necessário deixar bem patente a infinita superioridade do valor da vida humana, verdadeiramente sagrada, achou o energúmeno de nomeação episcopal que seria bom ilustrar tal superioridade com um exemplo simples: que um gato ou um cão, sendo seres sem sentimentos, ao contrário do ser humano, podiam «ser atirados contra a parede», não constituindo isso qualquer mal.
Eu iria um pouco mais longe do que o editorialista da NS’ e perguntaria (retoricamente) se a diferença entre um colégio (ou um ensino) católico e uma madrassa islâmica não residirá tão-só nas sociedades em que se inserem e não na bondade/maldade intrínseca dos princípios morais que regem cada uma das escolas. A diferença é que, no Ocidente, a sociedade e a Lei vão refreando (a custo) os ímpetos terroristas e absolutistas da orientação teológica do ensino. Mas isso exige atenção dos pais, que deverão ter a consciência de que, se bem não faz, mal pode fazer — e muito. Verdadeiramente, há muita perversidade debaixo dos malmequeres.
Post-scriptum (23:15): Nem de propósito: no episódio desta noite de O Sexo e a Cidade (SIC-M), Brady, o companheiro de Miranda, defende o baptismo do filho deles, não só para agradar à sua mãe (dele, Brady), mas também para prevenir os perigos do Limbo ou do Inferno. Perante a oposição da Miranda, que afirma não acreditar numa ou noutra coisa, returque o companheiro: «Se não acreditas, é só água na cabeça do miúdo!»
Infelizmente é mentira: não é verdade que, «se não fizer bem, mal também não faz». Pode fazer. Porque se não é um remédio, não se deduz daí que então é necessariamente um placebo — pode ser aguarrás ou coisa pior.
Dois exemplos. O primeiro retiro-o do editorial de Francisco Camacho da NS’ de 8 de Abril, apropriadamente intitulado «Religião imoral». O director deste suplemento dos jornais DN e JN conta o caso de um casal amigo que, como outros que ele conhece, matricularam o filho num colégio católico, não por uma questão doutrinária (os amigos em causa não são propriamente católicos praticantes), antes pela reputação em termos de qualidade de ensino. Mas, como diz Camacho, «tenhamos atenção à perversidade que se esconde debaixo de alguns malmequeres»:
Há dias, o filho [...] quis debater com a mãe a questão do aborto. O rapaz demonstrou uma convicção inabalável a respeito do tema. Aborto jamais, sob circunstância alguma, clamou o miúdo do alto dos seus dez ou onze anos. A mãe explicou-lhe que ninguém no seu perfeito juízo defendia propriamente o aborto, mas, por mais indesejável que fosse, essa poderia ser a única solução em determinados momentos da vida. O rapaz manteve-se firme. O que lhe tinham ensinado na escola não era aquilo. Em desespero de causa, a mãe confrontou-o então com a pergunta sacramental: se ela corresse perigo de vida por causa de uma gravidez, deveria interrompê-la ou entregar-se à morte e deixar os filhos órfãos? O miúdo foi peremptório: a gravidez estaria sempre em primeiro lugar. Mesmo que isso lhe custasse a morte da mãe.E Francisco Camacho continua (os destaques são meus):
Quem o disse não foi o estudante de uma madrassa. Foi o aluno de uma das escolas mais conceituadas de Portugal. Uma escola de formação de elites, onde a qualidade do ensino, seja lá o que isso queira dizer, anda de mão dada com uma mentalidade medieval e com uma cartilha criminosa.
Do segundo exemplo tenho conhecimento directo. Um casal meu amigo tem a filha única a frequentar o 2.º Ciclo do Ensino Básico numa escola pública. Os pais, nascidos em famílias católicas, são ateus (ou, pelo menos, agnósticos), pelo que a miúda não foi baptizada nem frequentou a catequese. Apesar disso, no acto de matrícula foram assediados no sentido de optarem pela disciplina de EMRC; os argumentos apresentados foram não só o já referido do placebo, mas ainda (porque um parecia não chegar) o do espectro da discriminação: que a menina sentir-se-ia posta de lado quando os outros fossem para a aula de EMRC e ela não... Com receio do possível «trauma» da criancinha — e porque «mal também não faz» —, os meus amigos (que em tudo o mais demonstram discernimento) acederam. Em má hora, vêem agora: há uns tempos a menina chegou a casa chocada com as palavras do professor de Moral. No âmbito da campanha anti-aborto (o seu grande cavalo-de-batalha actual), e sendo necessário deixar bem patente a infinita superioridade do valor da vida humana, verdadeiramente sagrada, achou o energúmeno de nomeação episcopal que seria bom ilustrar tal superioridade com um exemplo simples: que um gato ou um cão, sendo seres sem sentimentos, ao contrário do ser humano, podiam «ser atirados contra a parede», não constituindo isso qualquer mal.
Eu iria um pouco mais longe do que o editorialista da NS’ e perguntaria (retoricamente) se a diferença entre um colégio (ou um ensino) católico e uma madrassa islâmica não residirá tão-só nas sociedades em que se inserem e não na bondade/maldade intrínseca dos princípios morais que regem cada uma das escolas. A diferença é que, no Ocidente, a sociedade e a Lei vão refreando (a custo) os ímpetos terroristas e absolutistas da orientação teológica do ensino. Mas isso exige atenção dos pais, que deverão ter a consciência de que, se bem não faz, mal pode fazer — e muito. Verdadeiramente, há muita perversidade debaixo dos malmequeres.
Post-scriptum (23:15): Nem de propósito: no episódio desta noite de O Sexo e a Cidade (SIC-M), Brady, o companheiro de Miranda, defende o baptismo do filho deles, não só para agradar à sua mãe (dele, Brady), mas também para prevenir os perigos do Limbo ou do Inferno. Perante a oposição da Miranda, que afirma não acreditar numa ou noutra coisa, returque o companheiro: «Se não acreditas, é só água na cabeça do miúdo!»
Etiquetas: Aborto, Ateísmo, Educação, Imprensa, Jornais, Religião
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