foto: Bruno Espadana

22 junho 2006

#  Cosmética (ou como fabricar sucesso a martelo)

Mais à frente no Público, uma notícia sobre os Exames Nacionais do 9.º Ano. Uma vez mais, o facilitismo entrou em acção:
Estavam todos a contar com grandes clássicos [Os Lusíadas, o Auto da Barca do Inferno]; afinal o Ministério da Educação reservou-lhes um texto sobre a escada da vida e um outro sobre a produção de cacau. “Era muito fácil porque era actual”, avaliava Lourenço Ramos Pinto, óculos na ponta do nariz, aspirante a ciências. O texto acerca da produção de cacau abordava a problemática do trabalho infantil. E o da escada era, apontava Joana Xavier, uma simples metáfora sobre a vida.
[...] E o desabafo partilhado à saída mais parecia um velho disco de vinil riscado: o grau de dificuldade “foi ridículo”.
Não faltaram as comparações com a prova de 2005, ano de estreia dos exames nacionais. “Foi mais fácil do que a do ano passado”, comentava Diogo Allen, que, tal como muitos outros, a fez para treinar. “Nem saiu orações”, interrompia um colega. “Só palavras derivadas”, contrapunha um outro. “E discurso indirecto”, acrescentava um terceiro. “E cruzes!”

Os efeitos perversos de tal facilitismo são fáceis de apurar: basta ouvir os alunos. Se já é mau que, de um exame, quem o realizou diga que «foi ridículo», muito pior são as extrapolações que daí os alunos fazem:
“Não saiu nada do que demos, [estudar] foi uma perda de tempo!”, indignava-se Leonor Sousa Freitas. [...] “A professora estava sempre a dizer que Os Lusíadas [de Camões] e o Auto da Barca do Inferno [de Gil Vicente] eram muito importantes, porque iam sair no exame! Não saiu nada disso!”

A curto prazo, o facilitismo gera uma aparência de sucesso (através da diminuição do insucesso manifesto). Mas a longo prazo implica num desprezo da escola e do que lá se aprende. E o consequente insucesso — um insucesso mais difícil de ultrapassar,

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