# Do “eduquês” ao “politiquês”?
Nos últimos tempos não tenho lido a imprensa, razão pela qual não tenho escrito muito no blogue. Mas logo hoje que decidi comprar o Público deparo com um artigo assinado por Paulo Rangel, jurista e deputado do PSD.
Conforme se depreenderá dos excertos que cito e das partes que destaco, no geral concordo com o autor. No entanto, não posso deixar de fazer alguns reparos.
E mais para o fim:
Não sei se será inocência de Paulo Rangel, se uma maneira de assobiar para o lado, tentando disfarçar as responsabilidades que os governos do seu partido também têm na situação do ensino em Portugal, mas é por demais evidente (particularmente para quem leu o livro de Nuno Crato) que, antes mesmo das medidas anunciadas pela actual equipa ministerial, os alunos já detinham a “centralidade” pedagógica e política. Em Portugal, o eduquês e o politiquês são siameses — e não é de hoje.
Ainda sobre a “disputa pela centralidade” entre alunos e professores:
Sobre a exigência e a autoridade (ou a falta de uma e de outra), diz o deputado, e bem:
A inevitabilidade do incremento (temporário) do insucesso — se se avançar por uma via de maior rigor e exigência, com o objectivo de uma diminuição final desse mesmo insucesso — explica o porquê de nenhum governo ter a coragem de apontar tal via: o aumento do insucesso poderá ser temporário, mas a certeza do sucesso final não existe (a pedagogia não é uma ciência exacta), e de qualquer forma os governos em democracia são julgados no curto prazo...
Voltando ao artigo de Paulo Rangel, escreve ele sobre a missão da escola:
De facto, a ideia de que o principal objectivo da escola é ser «agradável» aos alunos (a utopia e o logro da aprendizagem como prazer imediato e permanente) tem sido muito responsável pelo esvaziamento dos currículos e pela falta de exigência (lá voltamos nós). A título de exemplo, Nuno Crato cita um autor que chega a advogar a eliminação da disciplina de Matemática, pois a sua dificuldade supostamente geraria exclusão social. Paulo Rangel também fala disso:
Conforme se depreenderá dos excertos que cito e das partes que destaco, no geral concordo com o autor. No entanto, não posso deixar de fazer alguns reparos.
Parece que a ministra da Educação disse algures que “o sistema educativo está demasiado centrado nos professores”. Parece, aliás, que anunciou uma verdadeira “revolução coperniciana”, afirmando que, de ora em diante, ele passaria a estar centrado nos alunos, que constituem afinal a sua razão de ser. Trata-se de um dos mais surpreendentes enunciados políticos dos últimos tempos. Só mesmo ultrapassado pela surpresa que causou o aplauso quase unânime da opinião publicada e pública a tal posição de princípio.
Surpresa que resulta da minha convicção de que o sistema educativo tem essencialmente gravitado em torno do aluno ou, para retomar uma fórmula de Ortega, em torno “do aluno e da sua circunstância”. Com efeito, basta compulsar o debate educativo travado em Portugal para perceber que a agenda pública foi sempre marcada pelo interesse imediato dos alunos. [...]
E mais para o fim:
De algum modo, o Governo, com este seu discurso e com esta sua prática, importou, para o âmbito mais largo da política educativa, a “centralidade” que o aluno já detinha na metodologia pedagógica. O que, para usar um jargão conhecido, significa que o “eduquês” vai ser agora convertido em “politiquês”.
Não sei se será inocência de Paulo Rangel, se uma maneira de assobiar para o lado, tentando disfarçar as responsabilidades que os governos do seu partido também têm na situação do ensino em Portugal, mas é por demais evidente (particularmente para quem leu o livro de Nuno Crato) que, antes mesmo das medidas anunciadas pela actual equipa ministerial, os alunos já detinham a “centralidade” pedagógica e política. Em Portugal, o eduquês e o politiquês são siameses — e não é de hoje.
Ainda sobre a “disputa pela centralidade” entre alunos e professores:
[...] Na verdade, tal perspectiva faz reentrar, pela porta larga, a “luta de classes” na escola: de um lado, os alunos e seus pais; do outro, os professores. De um lado, os explorados; do outro, os exploradores. De um lado, a sociedade civil; do outro, uma burocracia dominante. Eis uma perspectiva que, em caso e tempo algum pode aceitar-se, pelo seu carácter redutor, simplista e demagógico.
Sobre a exigência e a autoridade (ou a falta de uma e de outra), diz o deputado, e bem:
Os dois principais problemas da escola portuguesa são a falta de exigência e a falta de autoridade. A falta de exigência lê-se directamente nos resultados dos alunos e nas estatísticas internacionais. E deve-se, antes de mais, à escassez de mecanismos de avaliação intercalar como são as provas regulares (orais, escritas, práticas) e os exames de âmbito escolar, regional e nacional. Mas deve-se também à impossibilidade ou à imensa dificuldade de fazer reprovar — uso o verbo “reprovar”, e não o verbo “reter”, intencionalmente — um aluno que não atinge os níveis suficientes. Não vale a pena ter ilusões: a reposição dos níveis de exigência terá de passar por um período, mais ou menos doloroso, de crescimento da taxa de insucesso escolar.
Já a falta de autoridade e disciplina no ambiente escolar tem sido aferida largamente de modo empírico. Não restam, todavia, dúvidas de que ela resulta de um estatuto disciplinar frouxo, de uma prática reiterada de laxismo e de uma estrutura “democrática” de gestão. [...]
A inevitabilidade do incremento (temporário) do insucesso — se se avançar por uma via de maior rigor e exigência, com o objectivo de uma diminuição final desse mesmo insucesso — explica o porquê de nenhum governo ter a coragem de apontar tal via: o aumento do insucesso poderá ser temporário, mas a certeza do sucesso final não existe (a pedagogia não é uma ciência exacta), e de qualquer forma os governos em democracia são julgados no curto prazo...
Voltando ao artigo de Paulo Rangel, escreve ele sobre a missão da escola:
[...] A escola não pode abdicar de ser a depositária de uma missão institucional objectiva: a transmissão social e “intergeracional” do saber. Ela não tem, por isso, de se tornar num espaço de felicidade ou realização individual: tem, isso sim, de desempenhar uma função.
De facto, a ideia de que o principal objectivo da escola é ser «agradável» aos alunos (a utopia e o logro da aprendizagem como prazer imediato e permanente) tem sido muito responsável pelo esvaziamento dos currículos e pela falta de exigência (lá voltamos nós). A título de exemplo, Nuno Crato cita um autor que chega a advogar a eliminação da disciplina de Matemática, pois a sua dificuldade supostamente geraria exclusão social. Paulo Rangel também fala disso:
[...] Eis o que, aliás, está bem patente na última das novidades dadas pela ministra da Educação: a de que vão ser abolidos os “trabalhos de casa”. E mais ainda, na sua justificação: a de que os “trabalhos de casa” feitos em casa reproduzem a discriminação social ou “sócio-económica”. Julgo que não vale sequer a pena dissertar sobre o tremendo erro que esta medida representa e o que ela implica para a indução ao estudo, a virtude do esforço, a aprendizagem individual e o sentido da responsabilidade ou do dever. [...] E quanto ao inacreditável argumento social, ele arranca do mais preconceituoso dos preconceitos [...]
Etiquetas: Educação
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