foto: Bruno Espadana

29 março 2006

#  «Era tão bom se não trocássemos nenhuma ideia sobre o assunto...»

Macaco cego, macaco surdo, macaco mudo
O seguinte texto foi lido por uma amiga minha, professora de Português, na reunião do grupo da disciplina realizada esta semana.
A professora XXXX informa que prevê que no final deste segundo período se registe um acréscimo no número de níveis inferiores a três nas turmas do oitavo ano que lecciona. Tal ocorrência deve-se ao facto de os alunos não terem acompanhado o aumento da quantidade e da complexidade dos conteúdos de Funcionamento da Língua com uma imprescindível intensificação do estudo, apesar de terem sido constantemente alertados para essa necessidade e de terem realizado fichas de avaliação suplementares. A professora constata que os alunos aderem entusiasticamente às actividades de aprendizagem dos conteúdos de Funcionamento da Língua desenvolvidas nas aulas. Porém, tratando-se de conteúdos tão exigentes do ponto de vista da memorização e da compreensão, necessitam, incontornavelmente, de aturado estudo individual com vista à cimentação dos conhecimentos e à sua passagem à memória de longo prazo. Ora, estes alunos foram educados num paradigma pedagógico-didáctico que desvaloriza, quando não proscreve explicitamente, a repetição como componente inalienável da consolidação e, portanto, da memorização. De modo que, perante conteúdos impossíveis de apreender de relance, rapidamente e sem esforço, os alunos soçobram, independentemente da entrega apaixonada do professor e do gosto e da motivação que manifestam na realização das actividades na aula. Na verdade, por não terem treinado de modo sistemático, frequente e progressivo a memorização, agora não possuem esquemas mnemónicos, nem capacidade de concentração e de esforço demorado, competências essenciais para a aprendizagem. Uma prova da veracidade deste lamentável facto é-nos dada, precisamente, pelos alunos que têm sucesso, apesar deste sistema, na prática, desvalorizador do conhecimento. Esses alunos desenvolveram esquemas de autodefesa, não desprezando a aquisição de hábitos pessoais e intransmissíveis de aprendizagem, ainda que contrários ao prazer imediato que certamente também apreciam. E assim, para passarem além do Bojador que é a Gramática, não se importam de passar além da dor.
É certamente significativo o facto de que, num grupo de mais oito pessoas presentes, apenas duas secundaram o diagnóstico e as preocupações daí decorrentes. As restantes demonstraram, pelo contrário, incómodo (se não enfado) por a questão ser sequer abordada; tal incómodo ou enfado não foi, no entanto, verbalizado, certamente devido aos reconhecidos mérito e competência da professora minha amiga, e ao ascendente daí resultante — ascendente que, para nossa desgraça, não se traduz no desejo de emulação por parte dos professores em causa, mas tão-só num estratégico silêncio.

Keep smiling and hope it will go away... It won’t — but anyway.

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