# Arrancar portas e janelas, e depois lamentar as correntes de ar
Nesta época populista em que tanto se fala em «abrir a Escola à Comunidade» ou «trazer a Comunidade para dentro da Escola», dando voz e voto na sua gestão e orientação a todo o bicho-careto, Gabriel Mithá Ribeiro tem remado contra a maré. Desde há vários anos que este professor (por via das circunstâncias, tornado autor de livros sobre o nosso sistema educativo) vem defendendo um rumo precisamente oposto ao ditado pelo Ministério da 5 de Outubro: heresia das heresias, Mithá Ribeiro reclama uma maior separação entre a Escola e a Sociedade envolvente como medida preventiva da fagocitose daquela por esta e da resultante ineficácia do papel da instituição de ensino.
Cito de seguida (algo longamente) duas passagens de dois textos do autor em causa (recomendando desde já a leitura integral dos livros):
A Pedagogia da Avestruz (2003), pp. 54–55:
A Lógica dos Burros (2007), p. 173 (artigo publicado originalmente no n.º 8 da revista Pontos nos ii, de Agosto de 2006):
Vem isto a propósito de uma notícia publicada hoje no Público online, de que reproduzo a seguir um excerto:
Não deixa de ter a sua piada, tudo fazer para esboroar o «cordão sanitário» que protegia a Escola das influências do exterior e depois apontar o dedo acusador aos «factores externos» assim que os problemas daí resultantes começam a atingir proporções que já não permitem ignorá-los...
Cito de seguida (algo longamente) duas passagens de dois textos do autor em causa (recomendando desde já a leitura integral dos livros):
A Pedagogia da Avestruz (2003), pp. 54–55:
[...] devo ter o cuidado de alertar para o dogma que tende a tomar como dado adquirido uma relação directa, tipo causa-efeito, entre a sociedade e a escola, como se a última fosse um mero reflexo ou espelho da primeira. Isso não só não é um dado adquirido, como acredito que a escola é ou tem de ser um espaço relativamente artificial onde se têm de esbater as diferenças sociais trazidas de fora dela. Só assim o ensino será socialmente mais justo, esbaterá diferenças sociais de toda a ordem, em vez do actual que, como está, só tem servido para agravá-las. Mas para que a escola cumpra essa sua missão, tem de se fechar em torno do conhecimento. Tal só se atinge em ambientes estáveis. Ou seja, defendo que a escola seja descontaminada ou relativamente imunizada da histeria social em que vivemos. O que pode parecer uma heresia nos dias que correm, é para mim a via mais adequada. Significaria uma verdadeira mudança de paradigma de que tanto a escola quanto a sociedade estão gravemente necessitadas. Tenho insistido neste ponto, porque reclamo uma maior autonomização da escola de tudo o resto, mesmo e sobretudo da família, como condição sine qua non do seu sucesso.
Se a escola passar a ser concebida assumidamente como um espaço limitado com uma identidade própria, sem se confundir seja com o que for, terá toda a legitimidade para estabelecer regras próprias que apenas valem nas suas fronteiras, sem que terceiros se arroguem a um sistemático direito de interferência. Tudo ficaria muito mais fácil.
No estado actual em que tudo se confunde, se as crianças e jovens têm determinado tipo de relacionamento com os progenitores ou padrões de comportamento familiar (desadequados ou não, por agora não interessa), acham legítimo reproduzi-los na escola, tida como extensão da família. Há nisto culpas da própria escola e de todo o sistema de ensino.
A Lógica dos Burros (2007), p. 173 (artigo publicado originalmente no n.º 8 da revista Pontos nos ii, de Agosto de 2006):
[...] A escola, antes de ser o espaço dos alunos, antes de ser o espaço dos professores, deve ser o espaço específico do conhecimento. Tal consegue-se através de medidas políticas de carácter curricular, pedagógico ou administrativo que remetam para a centralidade simbólica do conhecimento no contexto da instituição-escola. Infelizmente, a esse nível, continuamos a navegar em sentido contrário, para fora da filosofia (trocando a centralidade do «amor» ao Saber pela centralidade do «amor» ao aluno) e para fora da escola (trocando a decisiva artificialidade da escola em torno dos «agentes de dentro», da escrita, da leitura e do cálculo, pela valorização, dentro da escola, dos pais e encarregados de educação que arrastam para o seu interior «os interesses e preocupações das comunidades», muitas vezes nos seus piores vícios).
Vem isto a propósito de uma notícia publicada hoje no Público online, de que reproduzo a seguir um excerto:
Violência nas escolas é um problema que vem de fora, diz secretário de Estado
O secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, disse hoje, em entrevista à TSF, que a violência nas escolas se deve a factores externos às instituições e que os estabelecimentos têm mecanismos para atacar estes problemas. As declarações do responsável vêm no seguimento do procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, citado pelo "Diário Económico", ter pedido mais autoridade para os professores.
Valter Lemos sustentou a sua opinião com os dados do programa “Escola Segura” que foram recebidos pelo ministério e onde os comandantes da polícia garantem que os problemas são “importados de fora” e que o ministério está a agir na resolução desta situação.
Não deixa de ter a sua piada, tudo fazer para esboroar o «cordão sanitário» que protegia a Escola das influências do exterior e depois apontar o dedo acusador aos «factores externos» assim que os problemas daí resultantes começam a atingir proporções que já não permitem ignorá-los...
Etiquetas: Educação
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