# Coisas que valeu a pena ler hoje
Opinião de Nuno Crato na Actual (Expresso):
Nuno Crato fornece um exemplo bem denunciador deste cuidado no disfarce da retórica eduquesa: face à polémica em volta do conceito das «competências» (que para os apóstolos do eduquês são incompatíveis com coisas tão maléficas como os «conteúdos» programáticos, a «abstracção» e o «conhecimento» em geral...), a palavra está totalmente ausente do novo documento que o Ministério da Educação tem em preparação; o anátema foi ao ponto de, ao referi-lo, se truncar o nome do «Currículo» de 2001! Os retocadores de fotografias de Estaline não fariam melhor...
Infelizmente, é mesmo só de mudança retórica que se trata: na sua essência, o eduquês está lá todo. Por exemplo, ao mesmo tempo que despreza ferramentas matemáticas simples e de eficácia secularmente comprovada (como sejam os algoritmos da divisão e da multiplicação), o novo documento recomenda que os alunos — desprovidos das ferramentas básicas! — realizem «investigação matemática», pois obviamente serão capazes de, dotados apenas das capacidades inatas que a Natureza lhes deu, «fazer Matemática de modo autónomo», nomeadamente «formular e investigar conjecturas matemáticas».
Para quem não sabe (e os pedagogos românticos parecem não saber), em Matemática, «formular e investigar uma conjectura» não é “mandar uns bitaites”: uma conjectura matemática é algo de muito concreto — uma afirmação que parece provável que seja verdadeira (não é conhecido nenhum contra-exemplo, nem parece provável que exista), mas cuja veracidade não foi formalmente demonstrada segundo as regras da lógica matemática; assim que se prova formalmente que uma conjectura é verdadeira, ela é elevada ao estatuto de teorema, podendo ser usada daí em diante com segurança na construção de outras demonstrações matemáticas formais.
Algumas conjecturas demoraram séculos a serem provadas verdadeiras ou falsas; muitas esperam ainda uma prova formal; de algumas provou-se entretanto ser impossível decidir se são verdadeiras ou falsas...
E ainda há quem diga que o eduquês não almeja a excelência do ensino!
P.S. O artigo de Nuno Crato está integralmente reproduzido no Portugal dos Pequeninos.
O eduquês envergonhado
[...] Esperariam pais e professores que o novo documento resolvesse as incoerências entre o «Programa» [de Matemática do Ensino Básico] de 1991 e o «Currículo [Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais]» de 2001 e que traçasse objectivos claros, ano a ano, com rigor, objectividade e alguma exigência
Engano. O nosso Ministério da Educação tem dito que quer cortar com o passado. Transmite uma imagem de rigor e até de intransigência. Seria bom que cortasse também com o passado nas orientações pedagógicas que a experiência mostrou serem erróneas. A reformulação do programa é pouco clara nos objectivos e conteúdos, mas insiste na má orientação pedagógica da Matemática e em muitos dos erros das últimas décadas.
[...] O reconhecimento público quase generalizado de que as coisas não vão bem no ensino, em particular no da Matemática, não tem abrandado o dogmatismo daqueles teóricos da pedagogia que de há anos a esta parte negam a evidência dos resultados e se esforçam por propagar a «escola inclusiva», as «competências gerais», a «pedagogia não directiva» e o «ensino centrado no aluno». Mas tem obrigado a um maior comedimento nas palavras. Os dislates discursivos que ficaram conhecidos como «eduquês» abrandaram. O sestro não.
Nuno Crato fornece um exemplo bem denunciador deste cuidado no disfarce da retórica eduquesa: face à polémica em volta do conceito das «competências» (que para os apóstolos do eduquês são incompatíveis com coisas tão maléficas como os «conteúdos» programáticos, a «abstracção» e o «conhecimento» em geral...), a palavra está totalmente ausente do novo documento que o Ministério da Educação tem em preparação; o anátema foi ao ponto de, ao referi-lo, se truncar o nome do «Currículo» de 2001! Os retocadores de fotografias de Estaline não fariam melhor...
Infelizmente, é mesmo só de mudança retórica que se trata: na sua essência, o eduquês está lá todo. Por exemplo, ao mesmo tempo que despreza ferramentas matemáticas simples e de eficácia secularmente comprovada (como sejam os algoritmos da divisão e da multiplicação), o novo documento recomenda que os alunos — desprovidos das ferramentas básicas! — realizem «investigação matemática», pois obviamente serão capazes de, dotados apenas das capacidades inatas que a Natureza lhes deu, «fazer Matemática de modo autónomo», nomeadamente «formular e investigar conjecturas matemáticas».
Para quem não sabe (e os pedagogos românticos parecem não saber), em Matemática, «formular e investigar uma conjectura» não é “mandar uns bitaites”: uma conjectura matemática é algo de muito concreto — uma afirmação que parece provável que seja verdadeira (não é conhecido nenhum contra-exemplo, nem parece provável que exista), mas cuja veracidade não foi formalmente demonstrada segundo as regras da lógica matemática; assim que se prova formalmente que uma conjectura é verdadeira, ela é elevada ao estatuto de teorema, podendo ser usada daí em diante com segurança na construção de outras demonstrações matemáticas formais.
Algumas conjecturas demoraram séculos a serem provadas verdadeiras ou falsas; muitas esperam ainda uma prova formal; de algumas provou-se entretanto ser impossível decidir se são verdadeiras ou falsas...
E ainda há quem diga que o eduquês não almeja a excelência do ensino!
P.S. O artigo de Nuno Crato está integralmente reproduzido no Portugal dos Pequeninos.
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