# Tudo (erradamente) no mesmo saco
As palavras de Monsenhor Angelo Amato, que citei anteontem («[If] such lies and errors had been directed at the Koran or the Holocaust, they would have justly provoked a world uprising») suscitam-me alguns comentários adicionais.
O primeiro é que o porta-voz do Vaticano mete no mesmo saco coisas que são bem diferentes. Pôr a negação do Holocausto nazi no mesmo plano da negação («mentiras e erros», nas palavras do prelado) dos relatos bíblicos ou corânicos é uma equiparação falaciosa.
O Holocausto nazi é um facto histórico; o acontecimento em si, as suas motivações e mesmo os números envolvidos não andarão muito longe da verdade. A História baseia-se na observação dos acontecimentos, na consulta de fontes fidedignas e na procura/proposta de conclusões. No caso do Holocausto, eventuais imprecisões (inevitáveis em História — e, de modo geral, em todas as Ciências, mesmo as “exactas”) não alteram fundamentalmente o cerne da questão.
Já a Bíblia (nas suas versões judaica e cristã) ou o Corão não tratam de factos históricos. Quanto muito, reportam-se a factos religiosos — o que é uma maneira arrevesada de dizer “não-factos”. As suas conclusões (permitam-me abusar da palavra) baseiam-se na premissa de que o Livro Sagrado em causa resulta de inspiração divina, no caso do Judaísmo e do Cristianismo, ou tem uma natureza para-divina (é coexistente a Deus), no caso do Islão.
Segundo comentário: nos dois casos apresentados por Angelo Amato — a negação do Holocausto e os insultos ao Islão —, a forma de manifestação do «world uprising» é bem diferente em termos de civilidade, pelo que também não é cordato equipará-las. No caso dos “desentendimentos” com o Islão, a resposta dos seguidores deste é a sabida: ameaças de morte, assassinatos, tumultos, atentados; em contraste, a resposta à negação do Holocausto passa geralmente pelos tribunais. Pergunto-me que tipo de «world uprising» preconiza Monsenhor Angelo Amato como resposta a O Código Da Vinci e outras dissidências face à ortodoxia católica...
Finalmente, e em relação ao comentário anterior, falta dizer que, apesar de eu não ter dúvidas quanto à veracidade do Holocausto nazi, sou totalmente contra a criminalização da sua negação — como, de resto, contra todo o tipo de instituição de “delitos de opinião”. (Note-se que é uma coisa diferente basear na negação do Holocausto a conclusão de que Israel não tem direito a existir e deveria ser «riscado do mapa».)
Se afirmar coisas mais facilmente refutáveis — digamos, «a Terra é plana e o Sol orbita à sua volta» — não dá direito a processo judicial, tão-só (?) ao ridículo e ao descrédito generalizado, por que razão há-de a afirmação de que o Holocausto não aconteceu merecer tratamento diferente? No caso da Alemanha, sabemos qual é a resposta: a criminalização é a forma encontrada pelo Estado alemão democrático para dissipar qualquer dúvida de que abjura as práticas do Estado nazi que o precedeu. Mas o efeito catárctico de um acto de contrição não deve obscurecer a verdade: que criminalizar a simples expressão de opiniões, mesmo que “inegavelmente erradas”, é fundamentalmente antidemocrático.
O primeiro é que o porta-voz do Vaticano mete no mesmo saco coisas que são bem diferentes. Pôr a negação do Holocausto nazi no mesmo plano da negação («mentiras e erros», nas palavras do prelado) dos relatos bíblicos ou corânicos é uma equiparação falaciosa.
O Holocausto nazi é um facto histórico; o acontecimento em si, as suas motivações e mesmo os números envolvidos não andarão muito longe da verdade. A História baseia-se na observação dos acontecimentos, na consulta de fontes fidedignas e na procura/proposta de conclusões. No caso do Holocausto, eventuais imprecisões (inevitáveis em História — e, de modo geral, em todas as Ciências, mesmo as “exactas”) não alteram fundamentalmente o cerne da questão.
Já a Bíblia (nas suas versões judaica e cristã) ou o Corão não tratam de factos históricos. Quanto muito, reportam-se a factos religiosos — o que é uma maneira arrevesada de dizer “não-factos”. As suas conclusões (permitam-me abusar da palavra) baseiam-se na premissa de que o Livro Sagrado em causa resulta de inspiração divina, no caso do Judaísmo e do Cristianismo, ou tem uma natureza para-divina (é coexistente a Deus), no caso do Islão.
Segundo comentário: nos dois casos apresentados por Angelo Amato — a negação do Holocausto e os insultos ao Islão —, a forma de manifestação do «world uprising» é bem diferente em termos de civilidade, pelo que também não é cordato equipará-las. No caso dos “desentendimentos” com o Islão, a resposta dos seguidores deste é a sabida: ameaças de morte, assassinatos, tumultos, atentados; em contraste, a resposta à negação do Holocausto passa geralmente pelos tribunais. Pergunto-me que tipo de «world uprising» preconiza Monsenhor Angelo Amato como resposta a O Código Da Vinci e outras dissidências face à ortodoxia católica...
Finalmente, e em relação ao comentário anterior, falta dizer que, apesar de eu não ter dúvidas quanto à veracidade do Holocausto nazi, sou totalmente contra a criminalização da sua negação — como, de resto, contra todo o tipo de instituição de “delitos de opinião”. (Note-se que é uma coisa diferente basear na negação do Holocausto a conclusão de que Israel não tem direito a existir e deveria ser «riscado do mapa».)
Se afirmar coisas mais facilmente refutáveis — digamos, «a Terra é plana e o Sol orbita à sua volta» — não dá direito a processo judicial, tão-só (?) ao ridículo e ao descrédito generalizado, por que razão há-de a afirmação de que o Holocausto não aconteceu merecer tratamento diferente? No caso da Alemanha, sabemos qual é a resposta: a criminalização é a forma encontrada pelo Estado alemão democrático para dissipar qualquer dúvida de que abjura as práticas do Estado nazi que o precedeu. Mas o efeito catárctico de um acto de contrição não deve obscurecer a verdade: que criminalizar a simples expressão de opiniões, mesmo que “inegavelmente erradas”, é fundamentalmente antidemocrático.
Etiquetas: Holocausto, Igreja Católica, Islão, Israel, Judaísmo
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