foto: Bruno Espadana

17 março 2006

#  As mulas empacadas nos seus quintais

Segundo o Público, um relatório preliminar do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado prevê (supostamente) o desaparecimento das Regiões de Turismo (RT). O artigo não é claro se por «desaparecimento» se entende a redução do número de RT’s (actualmente são 19, que nem sequer cobrem todo o território nacional), criando RT’s maiores, ou se efectivamente se pretende acabar de todo com o conceito de Região de Turismo. Acabar pura e simplesmente com as RT’s é absurdo; já a ideia da redução não é nova e, de resto, tem muita razão de ser.

Dando o exemplo de Trás-os-Montes e Alto Douro, os concelhos da região estão divididos por quatro regiões de turismo (Alto Tâmega e Barroso, Nordeste Transmontano, Serra do Marão e Douro Sul), com alguns concelhos (p. ex., Peso da Régua e Vila Nova de Foz Côa) fora de qualquer RT. E mesmo concentrando-nos apenas na região do Douro Vinhateiro (que, como Património da Humanidade, deveria ser um destino turístico em si mesmo), o cenário não ganha mais nexo: de quatro passamos para três RT’s, mais alguns concelhos “independentes”. Este caos, esta “lógica de bairro”, tem custos elevados: fragmentação da oferta (não se consegue criar uma “imagem de marca”), descoordenação e dispersão das campanhas promocionais (não há sinergias — há é demasiado ruído cacafónico, ou demasiado silêncio, por falta de uma voz que se faça de facto ouvir), desperdício de meios humanos e financeiros (multiplicação das estruturas), diminuição da capacidade de candidatura a projectos de alguma envergadura.

Foram estes e outros os problemas apontados há uns anos por um estudo (em que um colega meu participou), que propunha nas conclusões a criação de uma Região de Turismo única para toda a região de Trás-os-Montes e Alto Douro (com duas sub-regiões). A ideia foi liminarmente recusada. Porquê? No fundo, simplesmente porque uma região quer dizer um presidente, enquanto quatro regiões quer dizer quatro presidentes, mais respectivos séquitos. A lógica do tacho, do quintalzinho particular, derrotou a lógica da operacionalidade e do bem comum.

Agora que um estudo encomendado pelo Governo parece indicar a redução dos feudos turísticos, que argumentos de peso apresentam as RT’s para a manutenção do statu quo? Nenhum, excepto a arrogância (ou a falta de vergonha na cara) do imobilismo: segundo o vice-presidente na Associação Nacional das Regiões de Turismo, «Não aceitamos lições de ninguém» é a palavra de ordem. Sei que há quem veja na luta contra a extinção do gado asinino um factor de desenvolvimento regional e turístico — mas a defesa de tal espécie não tem obrigatoriamente de passar pela sua eleição para as Regiões de Turismo.

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