foto: Bruno Espadana

14 março 2006

#  O cabide

Ao longo da revista Pontos nos ii deparo-me (et pour cause) com diversas referências à demissão de responsabilidade por parte dos pais, que na prática se recusam a ser «Encarregados de Educação».

Santana Castilho (já citado):
Os pais deixaram de ser os aliados primeiros do professor na modelação dos filhos. Hoje, delegam neles todas as responsabilidades, mesmo as indelegáveis. E depois acusam e exigem.
David Justino (artigo «Amor e disciplina»):
Mas há também uma reconfiguração dos papéis sociais tradicionalmente atribuídos ao pai e à mãe: eles estão afectivamente mais ausentes. O tempo da vida familiar alterou-se profundamente.
[...] a televisão, a consola de jogos, a Internet, a obsessão consumista, quantas vezes utilizados como forma de compensação dessa ausência afectiva dos pais.
Um professor, testemunhando na reportagem «A (in)explicável violência...»:
A escola é um armazém onde os pais entregam os meninos e não se preocupam mais. [...] só quando se fala em suspensão é que os pais temem, porque o filho não pode ser enviado para o “depósito”.
Reportagem «Filme de terror»:
A crítica final [da professora] vai para o Estado, que desresponsabiliza alunos e pais, fazendo das escolas «contentores de crianças» [...]
Em especial as imagens presentes nas duas últimas citações trouxeram-me à memória uma ideia que me ocorreu há muitos anos atrás. Uma amiga minha, que na altura estudava para ser educadora de infância, pediu-me para responder a um questionário para um trabalho integrado no seu estágio. O tema central era algo como «O que é e para que serve um Jardim-de-Infância?» Na altura, um pouco em jeito de brincadeira, respondi oralmente (mas não registei no papel) que era «uma espécie de cabide onde os pais penduram os filhos enquanto vão trabalhar» — e sugeri mesmo a criação de um Jardim-de-Infância ou ATL precisamente chamado «O Cabide».

Era então eu bem mais inocente, como se vê: não notava que o cabide se estendia por todo o sistema educativo.

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