# Paridade (2)
O Público apresenta hoje alguns «números e factos no feminino». Os dados são fornecidos quase a seco, sem análise — não sei se por acharem que as conclusões saltam à vista. Assim não sendo, vejamos:
Se por um lado se afirma que homens e mulheres «contribuem por igual para o orçamento familiar» (a maneira como os dados são concretizados é algo confusa), por outro é dito que elas «em casa trabalham quase quatro vezes mais» do que eles (semanalmente, 26 horas contra 7 horas gastas com a «lida da casa»). Ora este é um dos problemas: a não valorização do trabalho doméstico. Como se pode dizer que duas pessoas contribuem de igual forma para o orçamento familiar, quando uma presta o quádruplo dos “serviços” ao agregado familiar — serviços que, se não fossem prestados à borla por um dos membros da família, teriam de ser pagos a terceiros (logo, afectando negativamente o orçamento familiar)?
Esta mentalidade de menorização do trabalho doméstico foi inclusivamente interiorizada pelas próprias mulheres: quantas, que exercem exclusivamente a actividade de domésticas (donas-de-casa), não se referem a si mesmas dizendo que «não trabalham»?! E é também esta mentalidade (delas e deles) que justifica, em parte, o facto de 61,9% das mulheres portuguesas exercerem uma profissão remunerada, contra 56% de média da UE; não se veja aqui um sinal de maior paridade portuguesa — simplesmente, para além dos baixos salários dos homens (que é preciso complementar), há o estigma recente que recai sobre a mulher que «não trabalha».
Outro dado interessante é o facto de 56,6% dos estudantes do Ensino Superior em Portugal serem mulheres (54,6% na UE); a percentagem da população feminina nacional é, recorde-se, 51,84%. Em poucas décadas — assim que lhes deixou de ser barrado o caminho para a educação — as mulheres passaram de «seres pouco dados às coisas do intelecto» a maioria expressiva nas universidades (há até quem já grite ó da guarda).
Esta tendência reforça-se quando se analisa a percentagem de diplomas de bacharelato e licenciatura que lhes são atribuídos (64,1%) ou mesmo de mestrado (56,6%). Ou seja: as mulheres não só frequentam mais a universidade do que os homens, como efectivamente vão lá fazer alguma coisa. Isto, recorde-se, quando as responsabilidades domésticas recaem esmagadoramente sobre as mulheres: elas cuidam da casa e, enquanto isso, licenciam-se também; eles vegetam por aí, uma geração perdida de machos falhados*.
O cenário só se altera com o doutoramento: apenas 3.8% foram atribuídos a mulheres. Quando à lida da casa se junta a “lida dos filhos” — e as mulheres são frequentemente consumidas por remorsos a priori, pela perspectiva do estigma da «má mãe»... —, é difícil encontrar tempo de dedicação à tese.
* A propósito disto, vou ver se encontro algumas passagens em que Moisés Espírito Santo fala sobre a forma infantilizante e desresponsabilizadora como o macho português é tradicionalmente educado, por contraposição à educação das raparigas, cedo apelidadas de “mulherzinhas”. Os resultados tornaram-se patentes quando a educação deixou de ser coutada deles: elas ganharam endurance, eles criaram bolor.
Se por um lado se afirma que homens e mulheres «contribuem por igual para o orçamento familiar» (a maneira como os dados são concretizados é algo confusa), por outro é dito que elas «em casa trabalham quase quatro vezes mais» do que eles (semanalmente, 26 horas contra 7 horas gastas com a «lida da casa»). Ora este é um dos problemas: a não valorização do trabalho doméstico. Como se pode dizer que duas pessoas contribuem de igual forma para o orçamento familiar, quando uma presta o quádruplo dos “serviços” ao agregado familiar — serviços que, se não fossem prestados à borla por um dos membros da família, teriam de ser pagos a terceiros (logo, afectando negativamente o orçamento familiar)?
Esta mentalidade de menorização do trabalho doméstico foi inclusivamente interiorizada pelas próprias mulheres: quantas, que exercem exclusivamente a actividade de domésticas (donas-de-casa), não se referem a si mesmas dizendo que «não trabalham»?! E é também esta mentalidade (delas e deles) que justifica, em parte, o facto de 61,9% das mulheres portuguesas exercerem uma profissão remunerada, contra 56% de média da UE; não se veja aqui um sinal de maior paridade portuguesa — simplesmente, para além dos baixos salários dos homens (que é preciso complementar), há o estigma recente que recai sobre a mulher que «não trabalha».
Outro dado interessante é o facto de 56,6% dos estudantes do Ensino Superior em Portugal serem mulheres (54,6% na UE); a percentagem da população feminina nacional é, recorde-se, 51,84%. Em poucas décadas — assim que lhes deixou de ser barrado o caminho para a educação — as mulheres passaram de «seres pouco dados às coisas do intelecto» a maioria expressiva nas universidades (há até quem já grite ó da guarda).
Esta tendência reforça-se quando se analisa a percentagem de diplomas de bacharelato e licenciatura que lhes são atribuídos (64,1%) ou mesmo de mestrado (56,6%). Ou seja: as mulheres não só frequentam mais a universidade do que os homens, como efectivamente vão lá fazer alguma coisa. Isto, recorde-se, quando as responsabilidades domésticas recaem esmagadoramente sobre as mulheres: elas cuidam da casa e, enquanto isso, licenciam-se também; eles vegetam por aí, uma geração perdida de machos falhados*.
O cenário só se altera com o doutoramento: apenas 3.8% foram atribuídos a mulheres. Quando à lida da casa se junta a “lida dos filhos” — e as mulheres são frequentemente consumidas por remorsos a priori, pela perspectiva do estigma da «má mãe»... —, é difícil encontrar tempo de dedicação à tese.
* A propósito disto, vou ver se encontro algumas passagens em que Moisés Espírito Santo fala sobre a forma infantilizante e desresponsabilizadora como o macho português é tradicionalmente educado, por contraposição à educação das raparigas, cedo apelidadas de “mulherzinhas”. Os resultados tornaram-se patentes quando a educação deixou de ser coutada deles: elas ganharam endurance, eles criaram bolor.
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