# Salada de agrião: “Assim, Não”
Nunca gostei de salada. Quando era miúdo fazia finca-pé na minha recusa de tal acompanhamento alimentício.
A certa altura, porém, e num acto de “diplomacia manhosa” admirável (para uma criança), mudei de táctica: passei a contemporizar com os meus pais nos seus incentivos à deglutição de saladas. Simplesmente... hélas!... a salada que me serviam nunca era a salada «aceitável». Se me apresentavam salada de tomate, desabafava: «Se fosse de alface!...»; quando sobre a mesa estava a de alface, suspirava: «Uma salada de tomate é que era, agora assim...»; e quando havia a possibilidade de optar entre as duas (os meus pais por vezes esforçavam-se numa tentativa de me cortarem a rota de fuga), pedia asilo político ao agrião: «Eu de tomate e alface não gosto, já o agrião...» E assim desenvolvi um afecto especial por esta planta herbácea da família das crucíferas, que tinha um único mérito: raramente aparecia lá por casa.
(Adoptei técnica semelhante com outra das minhas fobias infantis, o queijo: tornei-me grande fã da extinta marca Queijinhos Zeca, precisamente quando a dita desapareceu do mercado... O que eu suspirei por um Queijinho Zeca!)
Esta manhosa “fuga com o cu à seringa”, que faz sorrir quando detectada numa criança, não deixa de ser usada por adultos, e adultos com responsabilidades intelectuais e profissionais. Assim de repente, ocorre-me o nome do Professor (e jurista) Marcelo Rebelo de Sousa (MRS).
Diz Marcelo Rebelo de Sousa (e muitos outros com ele) que, se a pergunta fosse outra, até apoiaria a mudança da lei. Mas “Assim, Não”. E então — coisa inaceitável num constitucionalista e Professor de Direito —, defende que a lei fique igual, mas não seja aplicada. (Nil nove sub sole.)
O argumento principal de MRS é que a proposta de alteração da lei não prevê apenas a descriminalização do aborto, mas uma verdadeira «liberalização» deste (a pergunta tal como está «é uma pergunta mentirosa», nas palavras do Professor). Ora, isso é falso. Recordo que a pergunta a referendar é:
Onde está a tão propalada «liberalização»? O que vemos é uma proposta em que se impõem regras claras (e bem restritas): um limite temporal apertado (10 semanas, contra 12 ou mais na maior parte dos países) e não só o cumprimento das condições técnicas para a realização do aborto em segurança («estabelecimento de saúde»), mas também condições administrativas («legalmente autorizado», através de algo como um alvará, presume-se).
Ou seja, o «aborto de vão de escada» continuará ilegal. Mesmo o aborto realizado por um médico com a devida preparação técnica e dotado de todas as condições de equipamento e higiene (numa clínica, por exemplo) será ilegal se a clínica onde a intervenção for realizada não estiver especificamente autorizada para o efeito.
Não haja dúvidas: não se está a «liberalizar» nada — está-se, isso sim, a pôr ordem na casa, a impor regras restritas e claras, a garantir a saúde da mulher, a combater a lei da selva em que vivemos. Exactamente aquilo que um Estado se demite de fazer quando «liberaliza» algo.
A certa altura, porém, e num acto de “diplomacia manhosa” admirável (para uma criança), mudei de táctica: passei a contemporizar com os meus pais nos seus incentivos à deglutição de saladas. Simplesmente... hélas!... a salada que me serviam nunca era a salada «aceitável». Se me apresentavam salada de tomate, desabafava: «Se fosse de alface!...»; quando sobre a mesa estava a de alface, suspirava: «Uma salada de tomate é que era, agora assim...»; e quando havia a possibilidade de optar entre as duas (os meus pais por vezes esforçavam-se numa tentativa de me cortarem a rota de fuga), pedia asilo político ao agrião: «Eu de tomate e alface não gosto, já o agrião...» E assim desenvolvi um afecto especial por esta planta herbácea da família das crucíferas, que tinha um único mérito: raramente aparecia lá por casa.
(Adoptei técnica semelhante com outra das minhas fobias infantis, o queijo: tornei-me grande fã da extinta marca Queijinhos Zeca, precisamente quando a dita desapareceu do mercado... O que eu suspirei por um Queijinho Zeca!)
Esta manhosa “fuga com o cu à seringa”, que faz sorrir quando detectada numa criança, não deixa de ser usada por adultos, e adultos com responsabilidades intelectuais e profissionais. Assim de repente, ocorre-me o nome do Professor (e jurista) Marcelo Rebelo de Sousa (MRS).
Diz Marcelo Rebelo de Sousa (e muitos outros com ele) que, se a pergunta fosse outra, até apoiaria a mudança da lei. Mas “Assim, Não”. E então — coisa inaceitável num constitucionalista e Professor de Direito —, defende que a lei fique igual, mas não seja aplicada. (Nil nove sub sole.)
O argumento principal de MRS é que a proposta de alteração da lei não prevê apenas a descriminalização do aborto, mas uma verdadeira «liberalização» deste (a pergunta tal como está «é uma pergunta mentirosa», nas palavras do Professor). Ora, isso é falso. Recordo que a pergunta a referendar é:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Onde está a tão propalada «liberalização»? O que vemos é uma proposta em que se impõem regras claras (e bem restritas): um limite temporal apertado (10 semanas, contra 12 ou mais na maior parte dos países) e não só o cumprimento das condições técnicas para a realização do aborto em segurança («estabelecimento de saúde»), mas também condições administrativas («legalmente autorizado», através de algo como um alvará, presume-se).
Ou seja, o «aborto de vão de escada» continuará ilegal. Mesmo o aborto realizado por um médico com a devida preparação técnica e dotado de todas as condições de equipamento e higiene (numa clínica, por exemplo) será ilegal se a clínica onde a intervenção for realizada não estiver especificamente autorizada para o efeito.
Não haja dúvidas: não se está a «liberalizar» nada — está-se, isso sim, a pôr ordem na casa, a impor regras restritas e claras, a garantir a saúde da mulher, a combater a lei da selva em que vivemos. Exactamente aquilo que um Estado se demite de fazer quando «liberaliza» algo.
Etiquetas: Aborto, Eleições e Referendos
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