# Aborto
Por vezes acontece-nos isto: estamos a ler um livro sobre um assunto e parece-nos que o livro é sobre outro, que andamos a discutir alhures. Foi o que se passou com a leitura das páginas iniciais de A Sujeição das Mulheres, de John Stuart Mill (ensaio de 1869, publicado agora na Almedina). Vejamos:
Obviamente, há que admitir que a irracionalidade de argumentos de que implicitamente acuso os defensores do Não na questão do aborto pode ser por eles devolvida (sem razão, diria eu) aos defensores do Sim, em que me incluo. E não mais se sai do pingue-pongue.
Já quando alguém diz que:
Disse no início que «estamos a ler um livro sobre um assunto e parece-nos que o livro é sobre outro, que andamos a discutir alhures». Mas falando de aborto e de sujeição das mulheres, não sei de facto se os assuntos são assim tão independentes. Não são o mesmo, mas vão de mãos dadas ou são velhos compagnons de route.
[...] A dificuldade é a que ocorre em qualquer caso que envolva uma muralha de sentimentos contra a qual seja necessário lutar. O facto é que, quando uma opinião está fortemente enraizada nos sentimentos, não só não se deixa abalar, como se torna ainda mais firme por haver argumentos de maior peso contra ela. Se tivesse sido aceite como corolário de um raciocínio, a refutação do raciocínio poderia abalar a solidez da convicção; mas, se se baseia unicamente em sentimentos, quanto pior se sai do debate mais convencidos ficam os seus defensores de que o que sentem tem de ter uma razão mais funda que a argumentação não alcança. [...] (pp. 33–34)
Obviamente, há que admitir que a irracionalidade de argumentos de que implicitamente acuso os defensores do Não na questão do aborto pode ser por eles devolvida (sem razão, diria eu) aos defensores do Sim, em que me incluo. E não mais se sai do pingue-pongue.
Já quando alguém diz que:
O que está aqui em causa, é uma questão de ética, e de respeito pelo ser humano. Que existe, até prova em contrário, a partir do momento da concepção. (realce no original)penso que não haverá dúvidas que se lhe aplicam as seguintes palavras de John Stuart Mill:
Prosseguindo em questões de ordem prática, também se considera que o ónus da prova recai sobre aqueles que são contra a liberdade, os que advogam uma qualquer restrição ou proibição, seja ela uma limitação da liberdade de acção humana em geral, ou uma qualquer desqualificação ou disparidade de privilégios que afecte uma pessoa, ou categoria de pessoas, em relação a outras. [...] (p. 35)
Disse no início que «estamos a ler um livro sobre um assunto e parece-nos que o livro é sobre outro, que andamos a discutir alhures». Mas falando de aborto e de sujeição das mulheres, não sei de facto se os assuntos são assim tão independentes. Não são o mesmo, mas vão de mãos dadas ou são velhos compagnons de route.
Etiquetas: Aborto, Condição feminina, Feminismo
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