# Coisas que valeu a pena ler hoje
Santana Castilho (director da Pontos nos ii) escreve no Público de hoje sobre «O Português e a pedagogia romântica», concretamente, sobre as perguntas de escolha múltipla previstas para o exame do 12.º ano (que mereceram o meu protesto há coisa de um mês). Citemos:
(Vejam-se os casos dos testes psicotécnicos e dos testes de QI, em que uma mesma capacidade — linguística, lógica, espacial, etc. — é aferida sucessivamente de formas diversas, numa tentativa de “garantir” a solidez e a objectividade do diagnóstico obtido).
E sobre a complexidade do processo avaliativo, acrescenta:
De notar que esta «paranóia da objectividade» não é exclusiva dos casos em que se tenta avaliar “objectivamente” (o que alguns entendem “parcelarmente, passo a passo, competência a competência”) matérias que incluem em si muito de subjectivo (como seja a análise textual, particularmente no domínio literário). Mesmo em casos (seja a Electrónica Digital ou a Análise de Circuitos, para falar da minha experiência pessoal) em que os conteúdos primam pela objectividade e em que as diferentes fases ou partes de uma resposta são inequivocamente classificáveis como “correctas” ou “incorrectas”, a classificação final da resposta no seu todo é complexa e encerra uma grande dose de subjectividade — excepto, claro, no caso trivial em que tudo está certo (o “tudo está errado” e o “isto não vale nada” já dão azo a mais discussões). Os alunos revelam uma capacidade ímpar — com foros de sadismo, dir-se-ia — de nos pôr a duvidar dos nossos próprios critérios de classificação (que não dos “de correcção”, que muitos pensam erradamente serem a mesma coisa). Por isso é que eu digo frequentemente: «Corrigir é fácil; classificar é que é %#§&£!» E fico entre o surpreendido e o divertido quando vejo colegas de áreas ontologicamente subjectivas arrogarem-se de uma objectividade “científica” que teimam em receitar-me (bem prega Frei Tomás).
Mas voltemos ao artigo de Santana Castilho, que continua:
Resta-nos o consolo agridoce de ser praticamente impossível estar reservado a esses «alunos [...] do quarto ano de licenciaturas» o estatuto de «futuros professores». O aligeiramento científico dos currículos (em prol da alegre vacuidade didáctica e pedagógica), a falta de atenção à escrita, a não aferição da existência de um perfil adequado (quantos professores de Português são efectivamente leitores?) e a falta de consequências quando a inadequação é manifesta, tudo isto nos indica que estamos a formar maus não-sei-quê — mas, dada a saturação do mercado de trabalho, certamente não maus professores.
Um teste de escolha múltipla bem construído assenta no cruzamento complexo e sucessivo de respostas para determinar o resultado. Supõe uma extensa bateria de perguntas, que interagem e se validam em cascata. Não é um jogo de azar.
(Vejam-se os casos dos testes psicotécnicos e dos testes de QI, em que uma mesma capacidade — linguística, lógica, espacial, etc. — é aferida sucessivamente de formas diversas, numa tentativa de “garantir” a solidez e a objectividade do diagnóstico obtido).
E sobre a complexidade do processo avaliativo, acrescenta:
Julgo não incorrer em erro se afirmar que não há um só curso de formação de professores que conceda à avaliação educacional a dignidade de disciplina estruturante nos seus planos de estudo. Todavia, os professores passam a vida a avaliar e classificar os seus alunos. Admito que essa ausência de tratamento sistemático seja responsável pela contaminação do problema, na senda das abordagens pedagógicas românticas, com a paranóia da objectividade da avaliação. É neste erro que cai quem, em nome e na procura da objectividade, queira dissociar, para a proteger (a objectividade), a leitura da escrita, quando se trata de avaliar a compreensão de um texto.
De notar que esta «paranóia da objectividade» não é exclusiva dos casos em que se tenta avaliar “objectivamente” (o que alguns entendem “parcelarmente, passo a passo, competência a competência”) matérias que incluem em si muito de subjectivo (como seja a análise textual, particularmente no domínio literário). Mesmo em casos (seja a Electrónica Digital ou a Análise de Circuitos, para falar da minha experiência pessoal) em que os conteúdos primam pela objectividade e em que as diferentes fases ou partes de uma resposta são inequivocamente classificáveis como “correctas” ou “incorrectas”, a classificação final da resposta no seu todo é complexa e encerra uma grande dose de subjectividade — excepto, claro, no caso trivial em que tudo está certo (o “tudo está errado” e o “isto não vale nada” já dão azo a mais discussões). Os alunos revelam uma capacidade ímpar — com foros de sadismo, dir-se-ia — de nos pôr a duvidar dos nossos próprios critérios de classificação (que não dos “de correcção”, que muitos pensam erradamente serem a mesma coisa). Por isso é que eu digo frequentemente: «Corrigir é fácil; classificar é que é %#§&£!» E fico entre o surpreendido e o divertido quando vejo colegas de áreas ontologicamente subjectivas arrogarem-se de uma objectividade “científica” que teimam em receitar-me (bem prega Frei Tomás).
Mas voltemos ao artigo de Santana Castilho, que continua:
É pelo predomínio destas ideias na gestão do ensino que tropeço, constantemente, com alunos (futuros professores) do quarto ano de licenciaturas, incapazes de exprimir uma ideia original, reproduzir de forma compreensível as ideias dos outros, relacionar conhecimentos e usar com correcção o código de escrita, falemos de ortografia, sintaxe ou semântica. Admitir que a grandeza da nossa língua possa ser espartilhada por coletes de objectividade, começa por ser triste e acaba por ser tonto.
Resta-nos o consolo agridoce de ser praticamente impossível estar reservado a esses «alunos [...] do quarto ano de licenciaturas» o estatuto de «futuros professores». O aligeiramento científico dos currículos (em prol da alegre vacuidade didáctica e pedagógica), a falta de atenção à escrita, a não aferição da existência de um perfil adequado (quantos professores de Português são efectivamente leitores?) e a falta de consequências quando a inadequação é manifesta, tudo isto nos indica que estamos a formar maus não-sei-quê — mas, dada a saturação do mercado de trabalho, certamente não maus professores.
Etiquetas: Educação
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