foto: Bruno Espadana

07 maio 2006

#  O indivíduo e a multidão: o dilema da Educação

'Pontos nos ii' n.º 4Antes que saia a Pontos nos ii n.º 5 (na próxima terça-feira, creio), destaco aqui um último assunto focado no n.º 4 desta revista: a questão do tamanho das turmas.

Se este é, de facto, um problema central na Educação, goza estranhamente (pelo que me apercebo) de pouca ênfase no discurso dos sindicatos. O que se afigura incompreensível: turmas menores significam melhores condições de trabalho para os professores e (muito importante) mais emprego na área da Educação.

Mas, uma vez mais, citemos:

Luís Filipe Torgal, artigo «A ilusão do sucesso educativo»:
[...] é obviamente impossível oferecer a turmas tão numerosas e cada vez mais problemáticas e heterogéneas, uma eficiente pedagogia diferenciada na sala de aula. Como também é utópico praticar nestas condições uma avaliação contínua individualizada e — como pretendem certos especialistas das Ciências da Educação — sistemática e “científica”. [...]

Lia Marques, correio dos leitores:
[...] alguém me dirá como é possível aplicar uma pedagogia diferenciada dentro de uma sala de aula com 26 jovens, que não querem e, muitas vezes, não sabem estar em ambiente de trabalho? Como é possível atender, explicar e estar disponível ao mesmo tempo para todos os alunos que necessitam da minha atenção, do meu esclarecimento e tantas vezes da minha supervisão? [...]

Efectivamente, não é possível ir mais além do “despejo” da matéria com uma sala a transbordar, não é possível acautelar situações de dificuldades de aprendizagem se a cada aluno não cabem mais do que dois minutos de atenção. Mas o Ministério da Educação parece viver bicefalamente (ou acefalamente?) com um pé em cada mundo: preconiza nominalmente a pedagogia individualizada, mas efectivamente faz de cada turma uma multidão. E nem o problema demográfico que enfrentamos — que podia ser aproveitado para a promoção de um ensino de qualidade — obsta a que se continue a amontoar os alunos nas salas.

Um exemplo de que tenho conhecimento pessoal ilustra bem esta política. Há meia dúzia de anos uma escola secundária do meu distrito perdeu de um ano lectivo para o outro uns 25% da sua população estudantil, devido a factores demográficos e outros. No entanto, tal não obstou a que o tamanho médio das turmas do 3.º Ciclo do Ensino Básico se mantivesse nos 28 alunos, com pelo menos uma turma a ter 31. Tive a oportunidade de assistir a uma aula desta turma: a sala tinha apenas 15 carteiras duplas, pelo que uma delas era partilhada por três (e não duas) alunas! Enquanto isso, face à diminuição do número total de turmas, havia salas vazias, inúteis.

O colégio (privado) classificado em primeiro lugar no ranking nacional de 2005, recorde-se, tem turmas de apenas 8 alunas. E, segundo a já citada Lia Marques, na Finlândia o tamanho médio das turmas é de 11 elementos. Mas no nosso utópico caminho rumo ao “modelo finlandês” parece mais fácil adoptarmos sobrenomes terminados em –nen do que diminuirmos seriamente as turmas nas nossas escolas públicas.

Dir-me-ão: turmas menores implicam maiores custos, só suportáveis em escolas privadas com propinas à altura (como é o caso do tal Colégio do Sagrado Coração de Maria) ou em países ricos (como a Finlândia). Concedido: turmas menores, mais professores, mais instalações — mais custos. Mas também melhores resultados. E se a Educação é um investimento do país, o fundamental são os resultados, o retorno desse investimento. Gastar dinheiro num sistema que dá tão maus resultados como o nosso é deitar dinheiro à rua. Gastar um pouco mais com a diminuição das turmas pode garantir que se aproveita um pouco mais.

Uma analogia rápida: um carro sem motor é certamente mais barato do que um carro completo — mas não anda. Gastar dinheiro num motor talvez não seja de todo uma má ideia.

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