foto: Bruno Espadana

12 julho 2008

#  12+1 < 23+11

Foi há pouco mais de um ano que a alteração legislativa decorrente do Referendo à despenalização do aborto entrou em vigor. O Jornal de Notícias de hoje traz dados comparativos que permitem perceber os benefícios para a saúde da mulher decorrentes da vitória do Sim: durante o segundo semestre de 2007, a Direcção Geral da Saúde registou 12 episódios de septicemia e 1 acidente resultando em perfuração de órgão na sequência de abortos clandestinos; no primeiro semestre desse ano (isto é, antes da entrada em vigor da despenalização), o número de septicemias tinha sido quase o dobro (23) e o número de perfurações fixara-se uma ordem de grandeza acima (11).

O aborto clandestino continua a existir, sem dúvida, mas estes números mostram que as suas misérias foram muito mitigadas.

Veja o vídeo em que Francisco George fala desta questão.

Etiquetas:

07 julho 2008

#  A osmose educativa é ainda mais poderosa do que se supunha

Pelo que vejo no portal do Ministério da Educação, o Plano de Acção para a Matemática foi lançado em 2006, mas apenas em Junho, ou seja, no final do ano lectivo. Quer isso dizer que, ao contrário do que eu disse anteriormente, os alunos beneficiários deste Plano concluíram este ano, na melhor das hipóteses, o 10.º ano de escolaridade.

A osmose educativa é, pois, ainda mais poderosa do que se supunha!

Etiquetas:

#  Tiro pela culatra

O mais recente “Milagre de Lourdes”, corporizado numa média de 14 valores no exame nacional de Matemática, não se repetiu na disciplina de Português: aqui os resultados foram os piores dos últimos 12 anos, descendo pela primeira vez desde então abaixo dos 10 valores (a média nacional foi de 9,7).

Reagindo a estes resultados, Paulo Pinto Mascarenhas colocou no blogue da revista Atlântico um post constituído apenas pelo título:

Esqueceram-se de facilitar no português


Eu, pelo contrário, não acho que se esqueceram de facilitar no Português: simplesmente o tiro saiu-lhes pela culatra.

A ideia de pôr de lado Saramago e Pessoa e focar as atenções em temas contemporâneos mais ou menos na moda (Direitos Humanos, Ambiente, Globalização...) era precisamente a de facilitar a coisa. Os autores referidos são supostamente difíceis e, adicionalmente, os temas «contemporâneos» na mentalidade de muita gente permitem aceitar quase tudo o que os alunos escrevam, pois entramos no domínio do opinativo (ou melhor, do «acho que», do «a mim parece-me que») e dos “valorzinhos” (que são sempre estimados, em especial se se papaguearem clichés bem intencionados, isto é, politicamente correctos).

A estratégia adoptada foi simples: na elaboração do enunciado trocaram-se conteúdos relacionados com obras e autores de leitura obrigatória (coisas “sisudas”), por temas “modernaços”, que se convencionou «comunicarem» com os nossos jovens e sobre os quais supostamente todos temos uma opinião.
A lógica subjacente também não é difícil de detectar: para além das razões «motivacionais» anteriores, a análise de excertos de obras de leitura obrigatória exige estudo e a avaliação das respostas tem o defeito de uma maior objectividade (há muito trabalho publicado sobre Saramago e Pessoa e nunca no Secundário se abordam questões que não sejam consensuais entre os peritos); ora, a objectividade não permite passar quem não sabe... Já os temas «do nosso tempo», para além de alegadamente nos saírem pelos poros pelo simples facto de serem «do nosso tempo», sem qualquer necessidade de estudo prévio, têm a adicional virtude de estarem prenhes de subjectividade — o que, para os “pedagogos” que infestam o Ministério da Educação, significa irrefutabilidade: é a carta de alforria para todo o tipo de vacuidade. Ou seja, a linha-mestra da elaboração do exame nacional de Português foi trocar conteúdos pão-pão-queijo-queijo por temas insuflados de uma leveza de ser.

Acontece que não só a maior parte dos alunos preparou-se para o exame a contar com perguntas de análise pão-pão-queijo-queijo dos autores estudados, como nem sequer é verdade que estejam particular e naturalmente atentos ao “ar do tempo”. Por assim dizer, os alunos preparam o palato e o estômago para o pão e para o queijo — mas saiu-lhe um caos culinário que o ignorante-armado-em-chef teve o desplante de tentar fazer passar por requintado soufflé, por expressão máxima da nouvelle cuisine... Resultado: boca seca, indigestão, náuseas e outros sintomas de intoxicação alimentar. Muitos alunos médios bloquearam, pois o teste não se enquadrava nas suas expectativas — nem os alunos «do nosso tempo» se enquadravam no retrato-robot que deles fizeram aprioristicamente os teólogos teóricos das Ciências da Educação. Uma maratona de dez horas para adaptar a posteriori os critérios de correcção às reacções de alunos e professores não foi suficiente para maquilhar o descalabro e evitar o desastre.

Mas o que se passou para um tão grande divórcio entre as expectativas dos autores dos exames e a performance dos alunos? Está bom de ver: os autores dos exames nacionais são professores requisitados exclusivamente para isso (ou seja, não dão aulas). Como constituem uma clique dentro do Ministério da Educação (“pedagogos”, “metodólogos” e quejandos), frequentemente ficam anos — décadas! — arredados das escolas, da realidade da sala de aula. A Escola destes “técnicos” é uma abstracção, só existe na cabeça deles e nos congressos deles. Os alunos, idem. Aquilo que era fácil para eles e para os alunos que existem dentro das cabeças deles não era fácil para os alunos que todos os dias se sentam nos bancos das escolas que existem fora das suas cabeças — naquela coisa a que chamamos Mundo Real e que eles, lá nos seus gabinetes, o mais das vezes esquecem que existe.

Etiquetas:

#  ... e não se pensa mais nisso

(In)Sucesso para debaixo do tapete

Etiquetas:

05 julho 2008

#  Osmose educativa

Instado a comentar o resultado nunca visto do exame nacional de Matemática, o Ministério da Educação afirma que «é seguramente o efeito combinado de três factores», sendo o primeiro deles «mais tempo de trabalho e estudo por parte dos alunos acompanhado pelos professores [...] no âmbito do Plano de Acção para a Matemática».

A ser verdade que este é um dos factores do sucesso agora alcançado, há um corolário a que se pode chegar: que, ao contrário do que alguns autores e professores dizem, a concentração num mesmo espaço de alunos de ciclos de ensino diferentes é benéfica.
(Àqueles que acham que estou a misturar alhos com bugalhos — ou, como diriam no Beco das Sardinheiras, a confundir género humano com Manuel Germano — peço que condescendam um pouco e acompanhem o meu raciocínio.)

Vejamos. O Plano de Acção para a Matemática (P.A.M.) só foi lançado há dois anos e é aplicável apenas ao 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico. Quer isto dizer que, na melhor das hipóteses, os primeiros beneficiários directos do P.A.M. (que só fruíram de um anito do dito Plano) concluíram agora o 11.º ano. Apesar disso, segundo o Ministério, os seus colegas do 12.º ano — que já estavam pelo menos no 10.º ano quando o P.A.M. foi introduzido — tiraram benefícios desse Plano com que nunca contactaram. Milagre? Telepatia? Mentira pura e simples? Nada disso. Pensando um pouco, a resposta surge óbvia: Osmose.

Isso mesmo. A mera convivência, nos pátios e corredores das escolas, com os colegas mais novos sujeitos ao P.A.M. granjeou aos alunos que agora concluíram o 12.º ano aquele extra something que lhes permitiu bater o recorde a Matemática!

(Um artigo de fundo — Osmosis-based Learning in Homo Lusitanensis specimens — sobre o fenómeno agora identificado em Portugal está já a ser escrito por M. L. Rodrigues e V. Lemos para futura publicação na prestigiada revista Nature. Especialistas prevêem que este artigo seminal estabelecerá os fundamentos de uma nova forma de aprendizagem, que vai tornar o e-Learning ultrapassado e sem qualquer élan; a designação proposta é o-Learning.)

E note-se: este efeito osmótico foi conseguido num ambiente inóspito, em que os alunos cujas aulas não se realizem são mantidos em cativeiro em (in)actividades de substituição. Pudessem os alunos do 12.º ano («P.A.M.-deprived specimens», na terminologia do artigo em preparação), pudessem estes alunos, dizia eu, circular livremente pelos pátios escolares, contactando sem mais impedimentos com os colegas beneficiários do P.A.M. («P.A.M.-enhanced specimens»), e sabe-se lá onde as potencialidades da aprendizagem por osmose nos poderiam ter levado!

De repente, uma escala até 20 começa a parecer limitadora...

Etiquetas:

#  Heróis do M.E., nobre povo, / GAVE valente e imortal / Levantai hoje do novo / O esplendor de Portugal!

A edição de hoje do Público tem talvez a melhor primeira página de sempre:

2004:8,8; 2005:8,1; 2006:8,1; 2007:10,6; 2008: 14. Surpresa: os alunos já são bons a Matemática
Quem disse que só Luiz Felipe Scolari nos conseguiria conduzir à glória (o que não se confirmou), e que só Cristiano Ronaldo é um virtuoso, um verdadeiro artista?

Na sua área (a manipulação estatística), Maria de Lourdes Rodrigues, Valter Lemos y sus muchachos são artistas imensamente mais talentosos. Estivessem mortos, e seriam trasladados ao Panteão Nacional. Por mim, passava-se por cima desse detalhe e fechavam-se já lá...

Etiquetas: ,