foto: Bruno Espadana

24 outubro 2006

#  Jornalismo Babel Fish

A edição online do Público informa-nos do recente ranking internacional da liberdade de informação, elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Ficamos a saber que a Dinamarca perdeu a liderança e que a Coreia do Norte, o Turquemenistão, a Eritreia e Cuba ficam no topo da lista quando esta está de pernas para o ar; orgulhamo-nos com o facto de os 25 países onde o jornalismo é mais livre serem todos europeus* (da União ou não), apesar de a recente divulgação de casos de censura na Polónia a empurrarem para o 58.º lugar; confirmamos que no Médio Oriente as coisas vão de mal a pior e que na Rússia os atropelos à liberdade estão de boa saúde, obrigado; que em África as coisas melhoram devagar aqui e ali, mas continuam negras (trocadilho não intencional), e que o paralelo 38 que separa as duas Coreias faz toda a diferença (137 lugares de diferença no ranking, para ser exacto).

No total, a notícia do Público refere 23 dos 168 países constantes do ranking. E Portugal? Não é dito. Podemos desconfiar da nossa presença entre os 25 europeus que lideram a lista, mas, não sendo claramente referido, fica a dúvida. Porquê esta ausência? A resposta vem logo na primeira frase do segundo parágrafo: «No primeiro lugar da lista de 2006 a que a AFP teve acesso [...]»

Compreendo que no press release da AFP não se fale em Portugal, um país pequeno e discreto nestas coisas internacionais. Mas jornalismo deve ser mais do que tradução dos press releases escritos algures numa agência noticiosa internacional. Os jornalistas do Público tinham a obrigação de complementar a informação fornecida pela AFP com dados quanto à posição de Portugal no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras. Demora 5 segundos a descobrir o site dos Repórteres Sem Fronteiras e o resumo do relatório com a resposta à nossa dúvida: estamos em 10.º lugar, ex aequo com a Hungria, a Letónia e a Eslovénia. A nossa pontuação (que é tanto melhor quanto menor for o número) é 3,00; a dos quatro melhores (Finlândia, Irlanda, Islândia e Países Baixos) é 0,50; a da Coreia do Norte é 109,00.

Simples, não? É que não temos de nos limitar ao “jornalismo Babel Fish”.



* Esta informação está errada (erro da AFP, do Público — ou do Babel Fish?). Segundo os dados do relatório dos RSF, a Bolívia e o Canadá ocupam o 16.º lugar; a Nova Zelândia e Trinidad e Tobago estão em 19.º; e o Benim e a Jamaica em 23.º — sempre ex aequo com países europeus, é verdade.

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23 outubro 2006

#  Aborto

Capa de 'A Sujeição das Mulheres', de John Stuart Mill Por vezes acontece-nos isto: estamos a ler um livro sobre um assunto e parece-nos que o livro é sobre outro, que andamos a discutir alhures. Foi o que se passou com a leitura das páginas iniciais de A Sujeição das Mulheres, de John Stuart Mill (ensaio de 1869, publicado agora na Almedina). Vejamos:

[...] A dificuldade é a que ocorre em qualquer caso que envolva uma muralha de sentimentos contra a qual seja necessário lutar. O facto é que, quando uma opinião está fortemente enraizada nos sentimentos, não só não se deixa abalar, como se torna ainda mais firme por haver argumentos de maior peso contra ela. Se tivesse sido aceite como corolário de um raciocínio, a refutação do raciocínio poderia abalar a solidez da convicção; mas, se se baseia unicamente em sentimentos, quanto pior se sai do debate mais convencidos ficam os seus defensores de que o que sentem tem de ter uma razão mais funda que a argumentação não alcança. [...] (pp. 33–34)

Obviamente, há que admitir que a irracionalidade de argumentos de que implicitamente acuso os defensores do Não na questão do aborto pode ser por eles devolvida (sem razão, diria eu) aos defensores do Sim, em que me incluo. E não mais se sai do pingue-pongue.

Já quando alguém diz que:
O que está aqui em causa, é uma questão de ética, e de respeito pelo ser humano. Que existe, até prova em contrário, a partir do momento da concepção. (realce no original)
penso que não haverá dúvidas que se lhe aplicam as seguintes palavras de John Stuart Mill:
Prosseguindo em questões de ordem prática, também se considera que o ónus da prova recai sobre aqueles que são contra a liberdade, os que advogam uma qualquer restrição ou proibição, seja ela uma limitação da liberdade de acção humana em geral, ou uma qualquer desqualificação ou disparidade de privilégios que afecte uma pessoa, ou categoria de pessoas, em relação a outras. [...] (p. 35)

Disse no início que «estamos a ler um livro sobre um assunto e parece-nos que o livro é sobre outro, que andamos a discutir alhures». Mas falando de aborto e de sujeição das mulheres, não sei de facto se os assuntos são assim tão independentes. Não são o mesmo, mas vão de mãos dadas ou são velhos compagnons de route.

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06 outubro 2006

#  ... ele não sabe o que faz

Para o que der e vier, vou participar neste projecto:

04 outubro 2006

#  Aos olhos do Expresso somos todos iguais

O Público voltou a disponibilizar gratuitamente o acesso online à sua edição impressa. Há, contudo, excepções: alguns conteúdos, nomeadamente os “artigos de fundo”, (ainda) não são de acesso livre.

Essa é a vantagem do novo Expresso: para não discriminar os leitores online, a edição em papel também não dá acesso a artigos de fundo.

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03 outubro 2006

#  Um Passado novo, todos os dias

Passado/Presente: a construção da memória no mundo contemporâneo
Rui Bebiano, Tiago Barbosa Ribeiro e Miguel Cardina acabam de inaugurar o quase-blogue Passado/Presente. No editorial do projecto podemos ler que:
A obsessão contemporânea pelo passado — pelas comemorações, pelos museus e pelos monumentos, pelos velhos bairros e centros históricos, pelas tradições (autênticas ou fabricadas), pelas perigosas «essências identitárias», tanto quanto pelas biografias, pelos filmes e romances de temática histórica, pelos textos sagrados, pela ressurreição dos antigos ícones, por um consumo revivalista — parece compensar os inevitáveis progressos do esquecimento. Mas este interesse pelo acontecido tende sempre a revê-lo, a adaptá-lo, a ficcioná-lo também, produzindo e reproduzindo um passado-outro que não é senão um novo cenário, projectado sobre um velho palco, para os relatos do mundo.

Mais uma paragem obrigatória na (quase-)blogosfera portuguesa.

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