foto: Bruno Espadana

31 maio 2006

#  Tão socialmente responsáveis que nós somos!

Abandonadas pelos vastos jardins do sítio onde trabalho — sob as árvores, entre os arbustos e nas bermas para onde o vento ou os pontapés as arrastaram —, vejo inúmeras garrafas plásticas de água, de todas as marcas e tamanhos.
Com muito raras excepções, falta-lhes a tampa.
Comovo-me: ser porco não é incompatível com o apoio a uma causa nobre.

29 maio 2006

#  Renasce a esperança quanto ao bolo da Jamaica!

bolo da JamaicaSim, é verdade! Com ou sem Dan Brown, tenho à-mão-de-semear as originais receitas dos bolos da Jamaica!

Apropriadamente chamados “Jamaican Surprise Cake” (para os neófitos) e “Jamaican Mystery Cake” (para os já iniciados no oculto culinário), consta que demoram tanto tempo a ser devorados como O Código Da Vinci.
A versão cinematográfica está já a ser preparada, com Maria de Lourdes Modesto confirmada no papel protagonista (já lhe chamam «o Tom Hanks da colher-de-pau»); Manuel Luís Goucha está a ser abordado para fazer o papel que no filme de Ron Howard calhou a Audrey Tautou.

Agradeço ao autor d’A Mensagem Brown esta preciosa dica. Pelo seu post não se percebe é se chegou ao site das receitas através do anunciado “Código Brown” ou, mais pragmaticamente, pesquisando no Google...

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27 maio 2006

#  T-zero (nanoconto)

O matemático pensou: «Duas a duas, as paredes paralelas encontram-se no infinito.»
— Fico com ele — disse. — Tem uma boa área.

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#  Era o orgulho dos pais (nanoconto)

Era uma moça prendada, que andava sempre na linha.
Um dia veio um comboio e colheu-a.

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24 maio 2006

#  Erwin Olaf

Erwin Olaf, fotógrafo holandês que a Periférica “apresentou” ao país, foi recentemente considerado «Photographer of the Year (1st Place — Outstanding Achievement)», no âmbito dos International Color Awards.

A seguir, algumas fotografias deste grande fotógrafo. As duas primeiras pertencem ao portefólio «Royal Blood», aquele que publicámos no n.º 5 da revista Periférica. As duas seguintes integram um portefólio mais recente, «People of the labyrinth» (uma interessante homenagem ao período áureo da pintura holandesa e flamenga). A última é de «Chessmen, an attempt to play the game», série de 32 fotos a preto e branco.

Jackie Kennedy / (c) Erwin Olaf
Jackie Kennedy

Diana / (c) Erwin Olaf
Diana

People of the labyrinth / (c) Erwin Olaf
People of the labyrinth / (c) Erwin Olaf
Chessmen / (c) Erwin Olaf

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#  «O discurso pedagógico no ensino das ciências»

Acabo de receber por e-mail a divulgação do seguinte evento:

O discurso pedagógico no ensino das ciências

26 de Maio, 19:00 horas
Com Ana Maria Morais
Professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

A teoria do discurso pedagógico de Bernstein perspectiva a aprendizagem escolar como algo que pode favorecer a aquisição de conhecimentos e competências por todas as crianças, independentemente do seu estatuto sócio-económico. No ensino das ciências, em particular, investigações recentes mostram que o discurso adoptado pelo professor pode contribuir para o sucesso das aprendizagens. Esta sessão, através da apresentação do livro Reading Bernstein, Researching Bernstein, procura responder às seguintes questões: Quais as características sociológicas das práticas pedagógicas de sucesso no ensino da ciência no 1º ciclo? Qual a relação entre estatuto sócio-económico, prática pedagógica e conhecimento científico?

LIVRARIA ALMEDINA - ATRIUM SALDANHA
Loja 71 - 2º Piso
Lisboa

Infelizmente, 400 km de permeio impedem-me de comparecer. Mas agradeço a quem quer que, lá indo, me possa informar do que foi dito.

Não conheço este Bernstein nem o que defende a sua teoria, mas uma coisa deixa-me alguma esperança: se o que entendo do texto é correcto, Bernstein parte da observação de práticas pedagógicas de sucesso comprovado (as chamadas “boas práticas”) para a elencação das “regras” que lhes subjazem. Algo muito diferente dos lirismos pseudopedagógicos que ensopam as recomendações do Ministério da Educação e as obras de muitos “pedagogos”, que partem, não de dados observacionais, mas exclusivamente de princípios ideológicos (de natureza sociopolítica), postulando-os como Santo Graal dos problemas da Educação.

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#  A boçal manada

Um post n’ A Origem das Espécies chamou-me a atenção para a notícia sobre um estudo de Rui Bebiano e Elísio Estanque, no âmbito do colóquio internacional “Movimento Estudantil: dilemas e perspectivas”. Sobre a praxe, um inquérito aos alunos de uma das mais importantes universidades portuguesas resultou em números vergonhosamente reveladores:
  • 32,3% concorda com a prática de actos de «violência física ou simbólica»;

  • 28% acham que praxe deve ser obrigatória e não deve respeitar quem não quiser aderir;

  • mais de 80% dizem-se favoráveis à discriminação sexual, recusando qualquer revisão do código da praxe que dê igualdade de direitos a homens e mulheres;

  • só 3% dos alunos defendem que a praxe «deve ser completamente abolida, pois é uma violência».
(Para ajudar ao retrato de conjunto, talvez referir que 18,4% admite que não lê livros. Não se sabe quantos não o admitem.)

Numa outra universidade nacional, o Código de Praxe (da responsabilidade do Conselho de Veteranos — leia-se, boçal manada dos mais comprovados ignorantes e calões) é também revelador: em vez de um instrumento de regulação — de refreio, mesmo! — da praxe, temos um documento pleno de inanidades, com que os “senhores doutores” acharam por bem divertir-se um pouco mais à custa dos caloiros. Só para terem uma ideia, o Capítulo VI («Dos Julgamentos») consagra que «A maior ofensa que um Caloiro pode cometer é ser Caloiro», e o Capítulo XIV («Graves Ofendus») coloca no topo do seu rol de ofensas à Praxe o facto de se «Ser Caloiro». E se está previsto, de facto, um estatuto de Objector à Praxe (cheio de desvantagens e proibições* — é quase um ghetto — para afugentar potenciais interessados), o processo de “obtenção” desse estatuto (que está dependente de «deferimento do pedido») é ele próprio uma praxe feita de requisitos documentais e etapas burocráticas: obrigações impostas a quem, exactamente por ser objector à praxe, não reconhece ao Conselho de Veteranos qualquer autoridade seja no que for...

* Há uns anos, uma versão anterior do Código em causa previa que os Objectores estivessem proibidos, não só de participar na Latada e no Cortejo Académico, como, imagine-se, sequer de assistir a estes eventos (que, como se sabe, se desenrolam na via pública). Na versão actual esta proibição foi retirada.


Adenda (25/05): Elísio Estanque diz no Público de hoje que não é legítima a interpretação dos dados do inquérito (que ainda decorre), tal como ela apareceu no JN de ontem.
Por exemplo, não é verdade que 32,3% tenha manifestado concordância com «violência física ou simbólica»; simplesmente não assinalaram a frase «[a praxe académica] deve repudiar qualquer forma de violência física ou simbólica» como uma das que descreve a sua opinião sobre o assunto.
Genericamente, Elísio Estanque considera que os resultados «apontam, até, para a existência de algum distanciamento crítico dos estudantes em relação à praxe».

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#  P’ràs câmaras

Há pouco mais de uma semana, numa escola do distrito de Vila Real, alunos de três turmas e respectivos pais manifestavam-se ruidosamente e fecharam portões em protesto contra a falta de aulas de Matemática, cujo professor está de baixa há coisa de um mês, não tendo sido substituído pela DREN. Os jornais deram a notícia, as câmaras da TVI estiveram lá. Tudo muito preocupado, tudo muito indignado, tudo muito reivindicativo — como deve ser —, um ou outro mais exaltado.

Dias depois, começavam as aulas de apoio a Matemática, para recuperar algum do tempo perdido e minorar os danos à aprendizagem dos alunos afectados. Nem um apareceu. Talvez porque faltassem as câmaras a registar o acto?

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#  Sacrilégios

Tempos ímpios estes, em que não há nenhum respeito por qualquer forma de sagrado, incluindo — grave entre as coisas graves! — por essa suprema epifania dos sentidos que é o chocolate!

Se dúvidas houver do sacrilégio, apresentemos as provas:

1. Dove
Como esperam que se retire o devido êxtase de uma barra de chocolate Dove, quando a poucos metros da prateleira de supermercado onde a encontrámos estão embalagens de sabonete Dove?! É inevitável saber-nos a boca a sabão! Como se não bastasse, o marketing de ambos os produtos tem a mania da seda: «Porquê algodão, quando pode ter seda?», pergunta-nos o chocolate; «Para uma pele de seda», parece responder o sabonete.

2. Lindor
De mal a pior. Há décadas que a chocolateira Lindt nos aproximava do éden degustativo com a sua linha de chocolates Lindor. Mas no melhor pano cai a nódoa — e esta cheira a mijo que tresanda! O mundo andava inundado (digamos assim) em incontinentes que clamavam por um absorvente que os resgatasse de volta a terra seca. Muito bem, seja feita a sua vontade. Mas precisava a Ausonia de baptizar a sua bóia de salvação mictória com o mesmo nome dos pedaços de céu da Lindt? Obviamente que não.

Só mesmo a ocidental falta de valores e de respeito pelo sagrado explica estas coisas!

23 maio 2006

#  Comes with the territory

Escrevia ontem Pedro Mexia no seu blogue:
Que João César das Neves seja ultramontano tanto se me dá como se me deu. Acho que até cumpre uma função lúdica. O que chateia é o modo como ele propaga alucinantes ilusões sobre a natureza humana. Nem os marxistas mais beatos e dogmáticos dizem tantas tolices sobre a nossa natureza.

João César das NevesCaro Mexia, o “ludismo” de João César das Neves resulta da forma involuntariamente caricatural, quase de comédia bufa, como ele é ultramontano. O que é indissociável da propagação de «alucinantes ilusões sobre a natureza humana», de ser «beato e dogmático» e de dizer «tolices sobre a nossa natureza»: uma e outra coisa são mais do que o anverso e o reverso da medalha — são causa e efeito. Se o efeito te «chateia», a causa não te pode ser indiferente. Decide-te.

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22 maio 2006

#  Coisas que valeu a pena ler hoje

Santana Castilho (director da Pontos nos ii) escreve no Público de hoje sobre «O Português e a pedagogia romântica», concretamente, sobre as perguntas de escolha múltipla previstas para o exame do 12.º ano (que mereceram o meu protesto há coisa de um mês). Citemos:
Um teste de escolha múltipla bem construído assenta no cruzamento complexo e sucessivo de respostas para determinar o resultado. Supõe uma extensa bateria de perguntas, que interagem e se validam em cascata. Não é um jogo de azar.

(Vejam-se os casos dos testes psicotécnicos e dos testes de QI, em que uma mesma capacidade — linguística, lógica, espacial, etc. — é aferida sucessivamente de formas diversas, numa tentativa de “garantir” a solidez e a objectividade do diagnóstico obtido).

E sobre a complexidade do processo avaliativo, acrescenta:
Julgo não incorrer em erro se afirmar que não há um só curso de formação de professores que conceda à avaliação educacional a dignidade de disciplina estruturante nos seus planos de estudo. Todavia, os professores passam a vida a avaliar e classificar os seus alunos. Admito que essa ausência de tratamento sistemático seja responsável pela contaminação do problema, na senda das abordagens pedagógicas românticas, com a paranóia da objectividade da avaliação. É neste erro que cai quem, em nome e na procura da objectividade, queira dissociar, para a proteger (a objectividade), a leitura da escrita, quando se trata de avaliar a compreensão de um texto.

De notar que esta «paranóia da objectividade» não é exclusiva dos casos em que se tenta avaliar “objectivamente” (o que alguns entendem “parcelarmente, passo a passo, competência a competência”) matérias que incluem em si muito de subjectivo (como seja a análise textual, particularmente no domínio literário). Mesmo em casos (seja a Electrónica Digital ou a Análise de Circuitos, para falar da minha experiência pessoal) em que os conteúdos primam pela objectividade e em que as diferentes fases ou partes de uma resposta são inequivocamente classificáveis como “correctas” ou “incorrectas”, a classificação final da resposta no seu todo é complexa e encerra uma grande dose de subjectividade — excepto, claro, no caso trivial em que tudo está certo (o “tudo está errado” e o “isto não vale nada” já dão azo a mais discussões). Os alunos revelam uma capacidade ímpar — com foros de sadismo, dir-se-ia — de nos pôr a duvidar dos nossos próprios critérios de classificação (que não dos “de correcção”, que muitos pensam erradamente serem a mesma coisa). Por isso é que eu digo frequentemente: «Corrigir é fácil; classificar é que é %#§&£!» E fico entre o surpreendido e o divertido quando vejo colegas de áreas ontologicamente subjectivas arrogarem-se de uma objectividade “científica” que teimam em receitar-me (bem prega Frei Tomás).

Mas voltemos ao artigo de Santana Castilho, que continua:
É pelo predomínio destas ideias na gestão do ensino que tropeço, constantemente, com alunos (futuros professores) do quarto ano de licenciaturas, incapazes de exprimir uma ideia original, reproduzir de forma compreensível as ideias dos outros, relacionar conhecimentos e usar com correcção o código de escrita, falemos de ortografia, sintaxe ou semântica. Admitir que a grandeza da nossa língua possa ser espartilhada por coletes de objectividade, começa por ser triste e acaba por ser tonto.

Resta-nos o consolo agridoce de ser praticamente impossível estar reservado a esses «alunos [...] do quarto ano de licenciaturas» o estatuto de «futuros professores». O aligeiramento científico dos currículos (em prol da alegre vacuidade didáctica e pedagógica), a falta de atenção à escrita, a não aferição da existência de um perfil adequado (quantos professores de Português são efectivamente leitores?) e a falta de consequências quando a inadequação é manifesta, tudo isto nos indica que estamos a formar maus não-sei-quê — mas, dada a saturação do mercado de trabalho, certamente não maus professores.

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21 maio 2006

#  Mais um incentivo para jogar no Euromilhões

José Pacheco Pereira, em Vila do Conde:
No futuro, e cada vez mais, as massas terão sexo virtual, ficando o sexo real reservado aos ricos e às elites.

19 maio 2006

#  Os suspeitos do costume

No Diário Económico de hoje, João César das Neves, Miguel Beleza e João Ferreira do Amaral explicam-nos «Por que se mantém elevado o desemprego». Não li nenhum dos artigos, mas imagino que, na opinião de João César das Neves, a culpa seja do aborto e das uniões de facto...

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#  3.º Encontro de Poesia de Vila do Conde

Vou para lá. Volto domingo.

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#  Trilema

No edifício onde trabalho, um cartaz anuncia a programação semanal do “Bar Académico” (concessionado pela respectiva Associação). Segunda-feira é “Noite Pimba”.

Não sei se lhes admire a franqueza, se lhes critique a falta de vergonha em admiti-lo — ou, finalmente, se seja indulgente com a pretensão ou inocência de que apenas segunda-feira será pimba.

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#  A Educação em palavras e imagens (3)

O texto citado e a imagem reproduzida pertencem, ora à expressão de ideias supostamente sérias, ora a um exercício de humor. Compete ao leitor deste blogue detectar as diferenças e decidir qual é o quê.


Sendo assim, o professor deverá respeitar sempre a opinião do aluno e, mesmo quando esta está incorrecta, evitará emitir sobre esta um juízo de valor.*
* Luísa Maria de Almeida Morgado, O Ensino da Aritmética: Perspectiva Construtivista, Almedina, 1993, p. 25. (Citado em Nuno Crato, O ‘Eduquês’ em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva, 2006, p. 109.)


(c) William Haefeli / The New Yorker
«Criámos um ambiente seguro, sem juízos de valor, que deixará os vosso filho mal preparado para a vida real.»
Cartoon de William Haefeli / The New Yorker (2004)

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#  Mitos

No editorial do Público de ontem («Mayflower, Anne Frank e Ayan Hirsi Ali»), escrevia José Manuel Fernandes (JMF):
Em 1620 um pequeno barco cruzou o Atlântico com um grupo de ingleses que fugiam das perseguições religiosas. Chamava-se Mayflower e a história dos que neles viajaram é um dos mitos fundadores do Novo Mundo — um Novo Mundo onde as convicções religiosas não fossem motivo de ostracismo, de perseguição ou de morte.
Curiosamente, uma parte dos que viajaram nesse navio tinha antes procurado refúgio na Holanda, primeiro em Amesterdão, depois em Leiden. [...]

Esta é a base para JMF estabelecer um paralelo com Anne Frank e Ayan Hirsi Ali, mas o que me interessa realçar é outra coisa: é opinião de muitos historiadores que a “fuga” dos puritanos do Mayflower não se deveu a perseguições religiosas de que fossem vítimas, mas à sua própria intolerância religiosa: não lhes agradava o laxismo da Igreja de Inglaterra, que tinha ficado a “meio caminho”, permitindo uma certa liberdade de culto (e obrigando-os, por isso, a conviver com outros, menos “puros”); não lhes agradou também a tolerância holandesa (que, por sua vez, via com maus olhos o rigorismo religioso dos recém-chegados). Haveria, sim, algum ostracismo (como há quase sempre num grupo mais liberal relativamente a alguém mais “beato” — e vice-versa) — mas não «perseguição ou morte».

(O “laxismo” da Igreja de Inglaterra e da Coroa foi, também, um dos factores que ditou a Guerra Civil Inglesa, liderada pelo “puritano” Oliver Cromwell, que decapitou o rei; este, casado com uma católica, era acusado de tolerar os “papistas”.)

O mito da “fuga libertadora” do Mayflower é, pois, isso mesmo: um mito. Em vez de liberdade, os “Peregrinos” procuravam, isso sim, um sítio onde pudessem livremente ser intolerantes e evitar o contacto com “O Outro, o impuro”.

Nota à margem: Da mesma forma, não é por qualquer forma de pacifismo que os judeus ultra-ortodoxos israelitas recusam o serviço militar, mas sim porque as Forças Armadas do seu país incorporam mulheres, esses seres “impuros” dotados de vagina, com quem seriam obrigados a partilhar as fileiras — e, está bom de ver, um tal convívio afastá-los-ia de Deus...

Seguem-se duas citações. A primeira é da Wikipédia. Para quem ponha (prudentemente) em causa a credibilidade de uma publicação em que qualquer um pode colaborar, segue-se um excerto da Columbia Encyclopedia, da responsabilidade de uma das universidades da Ivy League (crème de la crème das universidades americanas).

Wikipédia:
Although not actively persecuted, the group was subjected to ecclesiastical investigation and to the mockery, criticism, and disfavor of their neighbors (Columbia Encyclopaedia). They left, not for religious freedom, but because there was too much freedom of religion in England and they wanted it to be stricter. These separatist "Pilgrims" settled in Leiden for 12 years, but by 1617 a poor economy, and concern about the Dutch influence upon their community convinced many of them to move on, this time to the New World.
Concerned with the morals of the time in the Netherlands, and with their children being brought up in a Dutch environment, they decided to move to a place better-suited to them; and in 1620, they set sail on the ship Mayflower from Plymouth Harbor, bound for the Americas. These people became known as the Pilgrim Fathers.

The Columbia Encyclopedia, Sixth Edition. 2001-05:
Although not actively persecuted, the group was subjected to ecclesiastical investigation and to the mockery, criticism, and disfavor of their neighbors.
To avoid contamination of their strict beliefs and to escape the hated church from which they had separated, the sect decided to move to Holland, where other groups had found religious liberty [...].
Life in Holland was not easy, however, and the immigrants found the presence of radical religious groups there objectionable. Dutch influence also seemed to be altering their English ways, and the prospect of renewed war between the Netherlands and Spain threatened. For these reasons they considered moving to the New World.
[...]
The Leiden group constituted only 35 of the 102 passengers on the Mayflower; many of the English group gathered for the trip were not even separatists (they were thus called “Strangers”). Nonetheless, the Leiden group (the “Saints”) retained control and were the moving force behind the emigration. While most of the Leiden Pilgrims were English, modern scholars have found that several were French-speaking Walloons and one was a Pole.

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18 maio 2006

#  Santa inocência (ou “pensando mal”)

O tema de destaque do Público de hoje é, como seria de esperar, O Código Da Vinci. Cito a parte final da reportagem de Vasco Câmara:
[...] E que pensa sir Ian [McKellen] da tese do casamento entre Jesus e Maria Madalena? “Quando li o livro acreditei. Dan Brown foi esperto, conseguiu manipular a minha mente. Quando pus o livro de lado, pensei: ‘Que monte de tretas.’” Com sabedoria, rematou, e assim dizendo tudo o que havia para dizer: “Mas pensando bem, as teorias do casamento de Jesus e Maria Madalena ao menos provam que, afinal, ao contrário de outras teorias, Jesus não era gay.”

Non sequitur, sir Ian, non sequitur!...

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#  Eu queria era saber mais sobre o bolo da Jamaica...

bolo da JamaicaFrederico Duarte Carvalho (FDC), um jornalista cujo rigor e seriedade poderão talvez ser avaliados pelo seu currículo (Tal & Qual, 24Horas) publicou um livro (A Mensagem Brown — O Código Dentro do Código Da Vinci) no qual defende a tese de que há uma mensagem sobre Portugal escondida no best-seller de Dan Brown (seja por vontade deste ou por «intervenção divina»). O livro de FDC faz o pleno místico-oportunista (saiba o turismo português aproveitar...): numerologia, Templários, Ordem de Cristo, Quinta da Regaleira, Grão Vasco, Fernando Pessoa, Quinto Império...

Mais para o fim da reportagem, diz Alexandra Prado Coelho:
Frederico reconhece que é possível encontrar códigos em todo o lado. “Qualquer capítulo [d’O Código Da Vinci] dá para tudo, até para descobrir a receita de um bolo da Jamaica.”

E, quando eu começava a ficar verdadeiramente interessado, a reportagem acaba. Isso não se faz, Alexandra!

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#  Factos

Acho piada a quem acusa o livro de Dan Brown de «enganar os leitores» por começar com a afirmação:
Facto: [...] Todas as descrições de obras de arte, edifícios, documentos e rituais secretos que aparecem neste romance são exactas.

Serão essas pessoas uns leitores tão básicos, ao ponto de não perceberem que uma obra de ficção é-o do princípio ao fim, estando por isso “habilitada” a classificar como “factos” aquilo que bem lhe aprouver?

Veja-se o caso dos filmes de terror, em que a certa altura uma personagem poderá dizer: «Eu queria que isto fosse um pesadelo, mas afinal é real!» (É?)
Veja-se o caso de Saramago, que em epígrafe começou por citar autores reais e livros que existem (Estrabão, Fernão Lopes, Diderot, Evangelho de Lucas...), para a partir de certa altura passar a citar livros que só existem na sua biblioteca imaginária (Livro dos Conselhos, Livro das Evidências, Livro dos Contrários).

Obviamente, o leitor é livre (ou passível) de aceitar como factual algo que, em essência, é ficcional. Mas isso acontece desde sempre: veja-se o Bhagavad Ghita, veja-se o Livro de Mórmon, veja(m)-se a(s) Bíblia(s), veja-se o Corão... Em termos de credulidade — e citando um dos anteriores —, nihil nove sub sole.

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#  Revisionismo teológico (1)

O Evangelho de Judas:

(c) Jack Ziegler / The New Yorker
Happy hour” na Galileia com Jesus e Judas

Cartoon de Jack Ziegler / The New Yorker

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#  Revisionismo teológico (2)

O feminismo primevo, segundo Dan Brown (et alli):

(c) zé d’almeida / Pitecos
Cartoon de zé d’almeida / Pitecos

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17 maio 2006

#  Lógica-da-batata fideísta

Citando de memória “Lorenzo Council” (Samuel L. Jackson) em Freedomland:
Já vi coisas demais para acreditar na humanidade, mas acredito em Deus. E acredito que tudo de bom ou de mau que acontece é porque Deus o deseja. [...] Prometo-lhe que não descansarei até descobrir o sacana que... a última pessoa que viu o seu filho com vida!

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#  O problema (deles) é mesmo esse!

Leio n’umblogsobrekleist:
Acho graça àqueles que nos massacram os tímpanos com alusões alvoroçadas à jihad e ao califado, sem serem capazes de indicar um único exemplo de acção militar expansionista de um país muçulmano contra um país dito “ocidental” nas últimas décadas.

Alexandre Andrade tem razão no que diz — e não tem razão no que deixa implícito.

Eu também não consigo «indicar um único exemplo de acção militar expansionista de um país muçulmano contra um país dito “ocidental” nas últimas décadas» (ou, de facto, nos últimos séculos). Mas isso não se deve à ausência de apelos à jihad, à inexistência de uma aspiração ao califado universal, sequer à benignidade ou não-beligerância dos conceitos de “jihad” e “califado”. Deve-se, isso sim, à incapacidade dos países islâmicos de efectivarem militarmente os desígnios expansionistas do Islão*. E essa incapacidade — essa “castração” — explica muita da sanha do mundo muçulmano em relação ao Ocidente (v. O Médio Oriente e o Ocidente: O Que Correu Mal?, de Bernard Lewis).

* Note-se que, se não há expansão dos países muçulmanos, o mesmo não se pode dizer do Islão em sentido lato, que não só cresce demograficamente nos países de maioria muçulmana, como alarga a sua área de influência (por penetração e conversão) aos países exteriores ao “mundo muçulmano”.

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#  Nós já sabíamos!

'Auto-retrato com rosa', de Ricardo LeiteRicardo Leite venceu o Prémio Revelação de Pintura da Caixa Geral de Depósitos. Para nós, que vai para dois anos lhe publicámos um portefólio e o fizemos figurar na capa da Periférica n.º 10, Ricardo Leite não é uma revelação, mas uma confirmação.

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16 maio 2006

#  A Educação em palavras e imagens (2)

Os textos citados e a imagem reproduzida pertencem, ora à expressão de ideias (uma séria e outra supostamente séria), ora a um exercício de humor. Compete ao leitor deste blogue detectar qual é o quê.


[Os alunos] precisam de contrair certos hábitos de diligência, exactidão, compostura — também física — e de concentração psíquica sobre determinadas matérias [...]*
* Cf. «Em busca do princípio educativo», Antonio Gramsci, A Formação dos Intelectuais, Fronteira, 1976, p. 118. (Citado em Nuno Crato, O ‘Eduquês’ em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva, 2006, pp. 40–41.)


[...] da criança nada há a exigir senão que se desenvolva segundo o seu ritmo e toda a interferência tiranizante do indivíduo adulto, que vive conforme um ritmo completamente diverso, não lhe pode ser senão prejudicial; o respeito pela personalidade infantil, a recusa de toda a acção modeladora decorrem naturalmente da ideia de que o impulso vital da criança é soberano.**
** Agostinho da Silva, O Método Montessori, Inquérito, s/d, p. 23. (Citado em Nuno Crato, op. cit., p. 113.)


(c) Barbara Smaller / The New Yorker
«Tenha algum respeito pela minha forma de aprendizagem.»
Cartoon de Barbara Smaller / The New Yorker (1999)

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#  Sobe o pano!

Discordo de J. Rentes de Carvalho, que não gosta de teatro. Diz ele:
Ao contrário do cinema, onde o falso é eficientemente camuflado, o teatro não conhece o disfarce e espera do público a mesma crença ingénua que as crianças têm nos espectáculos de robertos. Em consequência os actores rebolam os olhos, agitam os braços, falam arrevesado, dão passos e fazem gestos que não são a representação artística dos da vida, mas o seu ridículo exagero. O cinema é a apoteose da ilusão, o teatro é só falsidade.

A grande vantagem do teatro — pelo menos do teatro que eu gosto — é que não requer do público qualquer adesão ao faz-de-conta, qualquer «crença». Libertos dos escolhos da fé, podemos mais livremente concentrar-nos nas palavras, nas ideias. E eu adoro umas e outras.

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#  Falta de respeito

Dizer, como Hugo Chávez disse ontem em Londres, que George W. Bush é «o maior genocida de todos os tempos» é uma falta de respeito para com todas as vítimas de todos os genocídios de todos os tempos. Dizê-lo com um sorriso nos lábios (curiosamente, um sorrisinho lorpa «à Bush») é duplamente imoral.

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#  «Tal como»

Chávez garante que «o Irão, tal como a Venezuela, quer a paz». Isso deve-nos descansar quanto ao Irão — ou preocupar mais quanto à Venezuela? É que o Irão até pode nem estar a tentar ter um arsenal nuclear, mas dizer que um país que quer «riscar do mapa» um outro «só quer a paz» aproxima-se mais da stand-up comedy* do que do discurso político sério e consequente.

* Talvez, daí, o sorrisinho?...

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15 maio 2006

#  Coisas que valeu a pena ler hoje (2)

Público:

Melhor estar preso em Israel do que viver em Jenin

Um crescente número de jovens palestinianos está a deixar-se prender, voluntariamente, em checkpoints israelitas, de onde são enviados para prisões do Estado judaico, revelaram autoridades de Israel e da Autoridade Palestiniana.
Os jovens, a maioria adolescentes, estão a adoptar esta perigosa medida, em parte porque dizem ser mais fácil estudar para os seus exames nas prisões de Israel, do que nas suas casas, na Cisjordânia. Também há os que querem fugir a uma dura vida familiar e à pobreza galopante.
[...] Abdul-Rahman tinha um canivete e Malik transportava, à vista de todos, um rádio-bomba em mau estado. Foram detidos e libertados 25 dias depois porque “não representavam uma ameaça à segurança”.
Para Abdul-Rahman foi uma grande desilusão. “Perdi a minha oportunidade”, contou, já de volta a casa. “Eu queria fazer o liceu e os exames na prisão porque é mais fácil do que na minha escola”. Revelou que o seu plano era ficar na prisão três anos, acabar o liceu e parte dos estudos universitários. Nas cadeias israelitas há grupos de estudo que permitem aos palestinianos propor-se a exames de várias disciplinas.

Alguns dirão: se é melhor estar preso do que viver na Cisjordânia, a culpa é de Israel, que não permite uma Palestina viável.
Será verdade — pelo menos em parte. Mas pergunto: em algum outro país do Médio Oriente será minimamente apelativo (e seguro) estar preso? E nem precisa de ser (como neste caso) às mãos do “opressor estrangeiro” — à guarda do governo do próprio país, que seja.

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#  Um (?) degrau acima na escala civilizacional...

De J. Rentes de Carvalho:
C.O.C., a associação que na Holanda defende, e muito bem, os direitos dos homossexuais, faz 60 anos.

Para assinalar as festividades do acontecimento fizeram-se os cartazes e as bandeirolas que junto. As fotografias são do vosso conhecido Erwin Olaf, o grafismo é de Mónica Carvalho/Artgrafica. Esse material, espalhado pela cidade, faz parte de uma exposição que a seguir correrá a Holanda até ao fim do ano.

Mas o que mais interessa nisto tudo: creio que em nenhum outro país se adornaria assim o mais importante templo e ex-libris da cidade (Westerkerk, 1638) ou a torre cilíndrica da câmara municipal.

Há-de demorar antes que cartazes destes enfeitem os Jerónimos ou a Torre dos Clérigos. Mas quem sabe...

Cartazes
WesterkerkCâmara Municipal

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#  Coisas que valeu a pena ler hoje

Entrevista de Albino Aroso (membro da comissão que recomendou o encerramento de maternidades) ao jornal Público e à Rádio Renascença.
Alguns excertos:

Portugal enriqueceu muito nos últimos anos, mas a evolução das mentalidades não se fez com a mesma rapidez. Se eu pensar que em 1954 estive no Norte da Europa e já aí as mulheres não eram condenadas por interromperem a gravidez... [...]

Nós não somos moralmente melhores que os suecos ou os finlandeses. Contudo, nós criminalizamos o acto [da interrupção voluntária da gravidez], eles não.

[...] Não podemos em 2006 aceitar que o sofrimento no parto seja espiritualmente útil à mulher.

[...] a sociedade ainda não compreende que a mulher grávida é uma heroína.

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#  Apesar das alegrias da fé...

Um conhecido meu, viajando de autocarro de Lisboa para o Porto, esteve uma hora e meia “entalado” em Fátima no dia 13. A senhora que viajava ao seu lado, olhando a parda multidão de peregrinos que passava, soltou o comentário: «Todos tão tristes...»


Leitura sugerida: «Mater Dolorosa», n’A Terceira Noite

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14 maio 2006

#  (Re)Current mood

(c) Charles Barsotti / The New YorkerCartoon de Charles Barsotti / The New Yorker


(Como contraponto, e mais realisticamente, recomenda-se a leitura do conto «A miragem», talvez a melhor das «Deambulações de Cat’ e Gat’», incluídas no livro Fabulário, de Mário de Carvalho.)

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#  A Educação em palavras e imagens (1)

As palavras citadas e as imagens reproduzidas pertencem, ora à expressão de ideias supostamente sérias, ora a exercícios de humor. Compete ao leitor deste blogue detectar as diferenças e decidir quais delas são o quê.


Se a sala de aula deve ser o viveiro das ideias matemáticas dos alunos, então deverá haver espaço para a argumentação, para a experimentação, para a tolerância perante a dissensão. Esta visão confronta a perspectiva platónica de um currículo da Matemática referente para o conhecimento dos alunos. A sala de aula deverá dar espaço para o surgimento de visões matemáticas alternativas e será da competição entre o seu poder de convencimento que os conceitos matemáticos se formarão.*
* José Manuel Matos, «Revisitando duas ideias», in Henrique Manuel Guimarães (org.), Dez Anos de ProfMat: Intervenções, Associação de Professores de Matemática, 1996, p. 104. (Citado em Nuno Crato, O ‘Eduquês’ em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva, 2006, p. 61.)


(c) Barbara Smaller / The New Yorker
«Talvez não seja uma resposta errada — talvez seja apenas uma resposta diferente.»
Cartoon de Barbara Smaller / The New Yorker (2001)


O papel do professor não é pois o de transmitir ideias feitas aos alunos mas de os ajudar, através das tarefas apresentadas, a construir os seus próprios conhecimentos. [...] Sendo assim, o professor deverá respeitar sempre a opinião do aluno e, mesmo quando esta está incorrecta, evitará emitir sobre esta um juízo de valor.**
** Luísa Maria de Almeida Morgado, O Ensino da Aritmética: Perspectiva Construtivista, Almedina, 1993, p. 25. (Citado em Nuno Crato, op. cit., p. 109.)


(c) David Sipress / The New Yorker
«Pode estar errado, mas é assim que eu sinto.»
Cartoon de David Sipress / The New Yorker (2004)

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#  ... em pele de cordeiro

Fantásticos, os malabarismos retóricos dos muchachos do Partido Nacional Renovador e grupos afins. Dá para pensar se PNR não quererá dizer, de facto, Partido Nazi-Retórico.

Racistas, há já muito tempo que se vêm travestindo de “racialistas”: não, eles não desprezam as outras raças nem proclamam a superioridade ontológica da raça branca — eles são é pela “pureza” de todas as raças: os pretos que mantenham a sua negritude em terra de pretos, os chinocas que amarelejem de volta às paragens de onde vieram... Tudo em nome da identidade de cada povo! Tivessem eles vídeos (se calhar têm) e quase não os distinguiríamos da National Geographic.

Já esta semana, foi a vez do PNR se manifestar em Vila de Rei «contra os traidores à Pátria». Exactamente: eles não são contra os estrangeiros — na realidade eles defendem os direitos desses estrangeiros que não querem cá! O alvo do seu ódio são, isso sim, os portugueses que trouxeram aqueles brasileiros para serem explorados em Portugal, em vez de chamarem cidadãos nacionais desempregados (criteriosamente escolhidos, presumo, entre todos os que não querem saber onde fica Vila de Rei, muito menos ir para lá viver) para, condignamente remunerados, repovoarem o concelho.

Sobrevém-me a dúvida: com tanto afã na defesa dos direitos e da identidade dos povos, sem distinção de cor ou credo, proponho-os para serem agraciados com a Ordem da Liberdade — ou, face às acrobacias e piruetas retóricas a que são tão dados, serão eles mais merecedores da Ordem do Mérito Desportivo?

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13 maio 2006

#  Leituras a metro

Um percurso literário pelo Metro de Lisboa


Guia Prático do Utilizador
Logotipo (alternativo) do Metro de LisboaEm muitos Metros lê-se por todo o lado (no de Lisboa nem por isso). O de Madrid tem mesmo tradição de campanhas de promoção da leitura (a Administração do Metro de Lisboa desconhece o conceito). Resolvido a colmatar tal lacuna, sugiro aqui um roteiro literário/guia de leitura para toda a extensão da rede, incluindo obras em curso. As escolhas* foram ditadas pela existência de alguma relação — por vezes estranha — entre as linhas e estações (ou zonas envolventes) e os livros em causa. À parte, também a versão light (pluralismo oblige).

* Por vezes mais de uma por estação (ver lista).

Um percurso literário pelo Metro de Lisboa
(Clique no mapa para ampliar)

Alameda: O homem que quis ser rei (Rudyard Kipling)
Alfornelos: Toda a Terra (Ruy Belo)
Alto dos Moinhos: Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes)
Alvalade: Muros (Júlio Machado Vaz); Os sete loucos (Roberto Arlt); Insânia (Hélia Correia)
Amadora Este: A Leste do Paraíso (John Steinbeck)
Ameixoeira: Oranges Are Not the Only Fruit (Jeanette Winterson)
Anjos: O Anjo Ancorado (José Cardoso Pires)
Areeiro: A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (Mário de Carvalho)
Arroios: As Inumeráveis Águas (Nuno Júdice)
Avenida: Avenida Névski (Nikolai Gógol)
Baixa-Chiado: A Cruz de Santo André (Camilo José Cela) & O Livro do Desassossego (Bernardo Soares)
Bela Vista: Uma mancha na paisagem (Tom Sharpe)
Cabo Ruivo: Passagem do Cabo (Maria Ondina Braga)
Cais do Sodré: Três homens num barco (Jerome K. Jerome)
Campo Grande: A Casa Verde (Mario Vargas Llosa)
Campo Pequeno: Rol de Cornudos (Camilo José Cela); Fiesta (Ernest Hemingway)
Carnide: Enciclopédia dos Mortos (Danilo Kiš)
Chelas: A Colmeia (Camilo José Cela)
Cidade Universitária: O Livro do Riso e do Esquecimento (Milan Kundera)
Colégio Militar/Luz: Pantaleão e as Visitadoras & Conversa na Catedral (Mario Vargas Llosa)
Entre Campos: A Feira dos Assombrados (José Eduardo Agualusa)
Intendente: Memória das minhas putas tristes (Gabriel García Márquez)
Jardim Zoológico: Bichos (Miguel Torga); O triunfo dos porcos (George Orwell); Más de cien bestias atrapadas en un punto (Salvador Gutiérrez Solís)
Laranjeiras: A Laranja Mecânica (Anthony Burgess)
Lumiar: Céu em Fogo (Mário de Sá-Carneiro)
Marquês do Pombal: Sebastião José (Agustina Bessa-Luís)
Martim Moniz: História do Cerco de Lisboa (José Saramago)
Odivelas: Contos do Extremo Norte (Jack London)
Olaias: A Guerra das Laranjas (António Ventura)
Olivais: África Minha (Karen Blixen)
Oriente: Contos Orientais (Marguerite Yourcenar)
Parque: Eu que Servi o Rei de Inglaterra (Bohumil Hrabal)
Picoas: Os Filhos da Droga (Christiane F.)
Pontinha: Pisar o Risco (Salman Rushdie); Lulu on the Bridge (Paul Auster)
Praça de Espanha: O Senhor Embaixador (Erico Veríssimo); The Catcher in the Rye (J. D. Salinger); Praças e Quintais (Rui Pires Cabral)
Quinta das Conchas: O Búzio de Cós e outros poemas (Sophia de Mello Breyner Andresen); O Estrangeiro (Albert Camus)
Rato: Of Mice and Men (John Steinbeck)
Restauradores: Os Dragões do Éden (Carl Sagan); Comboios Rigorosamente Vigiados (Bohumil Hrabal)
Roma: A Cidade Queimada (Mário Cesariny)
Rossio: O Visconde Cortado ao Meio (Italo Calvino)
Saldanha: O Sr. Ministro (Camilo Castelo Branco)
Santa Apolónia: Trainspotting (Irvine Welsh); O homem que via passar comboios (Georges Simenon)
São Sebastião: Eu hei-de amar uma pedra (António Lobo Antunes)
Senhor Roubado: Ruba’iyat (Omar Khayam)
Telheiras: A Cabana do Pai Tomás (Harriet Beecher-Stowe); Abrigos (António Pinto Ribeiro)
Terreiro do Paço: Manhã Submersa (Vergílio Ferreira)


linha Azul: Ave-do-Arremedo (Walter Tevis)
linha Amarela: A Orelha de Van Gogh (Moacyr Scliar)
linha Verde: História Trágico-Marítima (Bernardo Gomes de Brito)
linha Vermelha: Crime no Expresso do Oriente (Agatha Christie)

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#  Leituras a metro: versão light

Um percurso literário pelo Metro de Lisboa


Como seria se o Metro de Lisboa fosse um metropolitano ligeiro de superfície.*

(Clique no mapa para ampliar)

* Superficial, portanto.


Existe também uma versão não-light.

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#  Uma medida do impacto na cultura de massas

A maioria dos computadores do ponto de acesso à Internet onde escrevo estas palavras está ocupada por adolescentes que jogam em rede ao Counter Strike. Em grande algazarra, tratam-se pelos nicks adoptados. Um deles é o “Lopes da Silva”.

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#  A derradeira questão ontológica

... ou “mccarthismo the largo espectro”:

(c) Gahan Wilson / The New Yorker
«Are you now, or have you ever been?»

Desenho de Gahan Wilson / The New Yorker
Legenda sugerida pelo leitor Stuart Spitalnic

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#  Tss tss...

Monsenhor Angelo Amato queixa-se das faltas de respeito à fé cristã. Pergunto-me o que pensaria se soubesse que o JN de ontem se referia ao beato-pastorinho Francisco Marto como «consolador de Deus»...

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#  Mais uma via para o autoconhecimento

... a/c Editores da Pergaminho:

(c) Mike Twohy / The New Yorker
«More important, however, is what I learned about myself.»

Desenho de Mike Twohy / The New Yorker
Legenda sugerida pelo leitor Roy Futterman

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12 maio 2006

#  Stranger in a strange land

Cartaz com o programa do 3.º Encontro de Poesia de Vila do CondeNão me perguntem porquê, mas, no âmbito do 3.º Encontro de Poesia de Vila do Conde, vou estar no próximo dia 20 no painel «O blogue de opinião» (ou seja, podem estar descansados, que não irei falar de poesia...).
Os outros membros do painel serão José Pacheco Pereira, Manuel Jorge Marmelo, Pedro Sena-Lino e João Paulo Sousa (o moderador).

Noutro painel (que pretende cruzar blogues e literatura), estarão João Pedro George, Sandra Costa, Carla Hilário de Almeida Quevedo (os melhores acordares da blogosfera) e Filipa Leal.

O resto do programa, como se deseja num encontro de literatura, trata menos de blogues e mais de livros.

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#  Tudo (erradamente) no mesmo saco

As palavras de Monsenhor Angelo Amato, que citei anteontem («[If] such lies and errors had been directed at the Koran or the Holocaust, they would have justly provoked a world uprising») suscitam-me alguns comentários adicionais.

O primeiro é que o porta-voz do Vaticano mete no mesmo saco coisas que são bem diferentes. Pôr a negação do Holocausto nazi no mesmo plano da negação («mentiras e erros», nas palavras do prelado) dos relatos bíblicos ou corânicos é uma equiparação falaciosa.
O Holocausto nazi é um facto histórico; o acontecimento em si, as suas motivações e mesmo os números envolvidos não andarão muito longe da verdade. A História baseia-se na observação dos acontecimentos, na consulta de fontes fidedignas e na procura/proposta de conclusões. No caso do Holocausto, eventuais imprecisões (inevitáveis em História — e, de modo geral, em todas as Ciências, mesmo as “exactas”) não alteram fundamentalmente o cerne da questão.
Já a Bíblia (nas suas versões judaica e cristã) ou o Corão não tratam de factos históricos. Quanto muito, reportam-se a factos religiosos — o que é uma maneira arrevesada de dizer “não-factos”. As suas conclusões (permitam-me abusar da palavra) baseiam-se na premissa de que o Livro Sagrado em causa resulta de inspiração divina, no caso do Judaísmo e do Cristianismo, ou tem uma natureza para-divina (é coexistente a Deus), no caso do Islão.

Segundo comentário: nos dois casos apresentados por Angelo Amato — a negação do Holocausto e os insultos ao Islão —, a forma de manifestação do «world uprising» é bem diferente em termos de civilidade, pelo que também não é cordato equipará-las. No caso dos “desentendimentos” com o Islão, a resposta dos seguidores deste é a sabida: ameaças de morte, assassinatos, tumultos, atentados; em contraste, a resposta à negação do Holocausto passa geralmente pelos tribunais. Pergunto-me que tipo de «world uprising» preconiza Monsenhor Angelo Amato como resposta a O Código Da Vinci e outras dissidências face à ortodoxia católica...

Finalmente, e em relação ao comentário anterior, falta dizer que, apesar de eu não ter dúvidas quanto à veracidade do Holocausto nazi, sou totalmente contra a criminalização da sua negação — como, de resto, contra todo o tipo de instituição de “delitos de opinião”. (Note-se que é uma coisa diferente basear na negação do Holocausto a conclusão de que Israel não tem direito a existir e deveria ser «riscado do mapa».)
Se afirmar coisas mais facilmente refutáveis — digamos, «a Terra é plana e o Sol orbita à sua volta» — não dá direito a processo judicial, tão-só (?) ao ridículo e ao descrédito generalizado, por que razão há-de a afirmação de que o Holocausto não aconteceu merecer tratamento diferente? No caso da Alemanha, sabemos qual é a resposta: a criminalização é a forma encontrada pelo Estado alemão democrático para dissipar qualquer dúvida de que abjura as práticas do Estado nazi que o precedeu. Mas o efeito catárctico de um acto de contrição não deve obscurecer a verdade: que criminalizar a simples expressão de opiniões, mesmo que “inegavelmente erradas”, é fundamentalmente antidemocrático.

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11 maio 2006

#  Infelizmente

Opina José Mário Silva:
ESCREVER SEMPRE
No romance Lo demás es silencio, o autor guatemalteco Augusto Monterroso inclui um «Decálogo del escritor». A primeira lei desse decálogo é esta:
Cuando tengas algo que dicir, dilo; cuando no, también. Escribe siempre.
Tomara que fosse assim tão fácil.

Quatro anos a receber (e a rejeitar) propostas de publicação na Periférica mostraram-me que, em especial no caso da “poesia”, infelizmente é assim tão fácil.

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#  Falta de seriedade

Público online:
Estudo indica que blocos de parto a fechar têm menor mortalidade
Os blocos de parto que o Governo quer encerrar não estão entre as unidades que registam os maiores valores de mortalidade ou complicações pós-parto, indica um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública [...]. O levantamento não cruza os resultados com o número de partos realizados. [Isto é,] o estudo não indica a percentagem de mortes em relação ao total de intervenções.

Estamos, claramente, perante um estudo pouco sério — coisa mais digna de contas no tampo da mesa da Tasca do Mó do que de uma Escola Nacional seja lá do que for. É que não falta só a indicação da percentagem de mortes no parto; falta também indicar, para cada unidade hospitalar:
  1. quantas parturientes (em absoluto e em percentagem) são enviadas para outras maternidades, por complicações no parto e falta de condições na maternidade de origem;

  2. quantas parturientes (em absoluto e em percentagem) são recebidas de outras maternidades, pelas mesmas razões;

  3. que percentagem dos partos resultantes de transferências de última hora acabam em morte (da parturiente e/ou do bebé);

  4. que percentagem do total de mortes no parto são resultantes de transferências de última hora.
Só assim poderemos julgar convenientemente a qualidade de serviço de cada maternidade e o custo (em vidas humanas) das transferências de última hora.

Não digo que o Governo (não) tenha decidido bem quanto às maternidades a encerrar, nem que as populações locais e as autarquias (não) tenham razão quanto à excelência das suas unidades hospitalares — mas, se os aspectos que indiquei atrás não forem clarificados, prevalecerá a demagogia. De parte a parte.

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#  Tudo bons rapazes

O Kontratempos chamou-me a atenção para esta notícia:
China, Cuba e a Arábia Saudita foram hoje eleitas para o novo Conselho dos Direitos Humanos da ONU [...].
[...]
O Conselho dos Direitos Humanos vai substituir a Comissão dos Direitos Humanos, sedeada [sic] em Genebra, desacredita[da] pela presença entre os seus Estados-membros de países que violam os direitos humanos como China e Cuba.

Tendo em conta que
Esta eleição é considerada como o primeiro teste à credibilidade do Conselho dos Direitos Humanos, criado em Março passado [...].
acho que podemos dizer que o CDH passou o primeiro teste — se aplicarmos os “critérios de aprovação” propostos pelo nosso Ministério de Educação para a escolaridade obrigatória...


O que escapou ao olho clínico do Tiago Barbosa Ribeiro foi esta parte:
Os membros [...] podem ser suspensos se cometerem abusos sistemáticos dos direitos humanos.
Ora, os contadores de abusos dos direitos humanos em países como Cuba, China e Arábia Saudita já deram a volta (várias vezes!) — e, logo por coincidência, no dia da eleição os ditos cujos estavam de novo a zero.


Já agora,
[...] os Estados Unidos foram contra a forma proposta para o Conselho, considerando que ela não apresenta garantias de que irá funcionar convenientemente.
Como é óbvio, o sentido que os EUA dão à expressão «funcionar convenientemente» tem pouco que ver com garantias de seriedade do Conselho e mais com o requisito (não assegurado) de que este fechará os olhos também às violações dos direitos humanos que os próprios americanos cometem. (That’s what friends are for...)

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10 maio 2006

#  «Por aí se vai...»

Segundo o The Times,
In contrast to a Vatican statement last week condemning the 40-million bestseller, Opus Dei and the Catholic Church in England and Wales intend to capitalise on the interest created by the book to win converts.
[...] The bishops, including Cardinal Cormac Murphy-O’Connor, are intending to remain aloof from the controversy but are understood to regard the book and film as “teaching opportunities”, not heresies.
(Um portal católico indiano utilizou mesmo a expressão «a chance to explain faith».)

Isto de «explicar a fé» devolve-me memórias da infância — de quando eu nas minhas brincadeiras rompia ligeiramente uma peça de roupa e a minha mãe dizia, em jeito de vaticínio: «Por aí se vai...»

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#  «Também queremos queimar embaixadas ou assim...»

Ainda segundo o The Times, a opinião dos bispos católicos britânicos quanto ao caso d’O Código Da Vinci vai contra as mais recentes recomendações do Vaticano:
This approach is at odds with that of Monsignor Angelo Amato, the No 2 at the Vatican’s Congregation for the Doctrine of the Faith, who last week called on Catholics to boycott the film and organise protests. He said that if “such lies and errors had been directed at the Koran or the Holocaust, they would have justly provoked a world uprising”.

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#  Secularismo, versão católica indiana

Segundo a AFP, citada pela edição online do diário britânico The Times,
Christians in India were urged to starve themselves to death by the Catholic Secular Forum in protest at the release of the film The Da Vinci Code. Bombay crowds are expected to burn effigies of Dan Brown, the novel’s author.

Alguém faltou ao curso de Secularismo para Principiantes...

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#  Na mouche

Num humorado artigo («Don’t be touchy, Cardinal») sobre os apelos da Igreja Católica ao boicote da versão cinematográfica d’O Código Da Vinci, Camilla Cavendish diz:
Hyperventilating about The Da Vinci Code, the Catholic Church has produced — guess what? — a rebuttal documentary. Forget the meek, the turning of the cheek: they’re fighting celluloid with celluloid, brother.

Os apelos, no entanto, parecem ter pouca receptividade junto dos fiéis, mesmo (ou especialmente?...) nos países esmagadoramente católicos:
The Vatican has already called on Christians to boycott the film when it airs this month — only to find that advance tickets have almost sold out in Catholic Italy, Spain and Mexico.

E a articulista do The Times conclui:
Yes, we’re all susceptible to superstition. How do you think religion got its first break?

Na mouche, sister.

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#  Siga a festa!

Leio n’Os Canhões de Navarone:
Claro que esta é uma luta perdida. Os pirotécnicos têm um vasto apoio na inconsciente sociedade portuguesa. Populações e autarcas são solidários. A tradição é um valor acima de qualquer bom senso. [...]
e reconheço a triste verdade do diagnóstico.

Em 2005 o Alvão ardeu como havia já muito não ardia: dois ou três dias seguidos, do Parque Natural à N2 e para lá dela, levando à frente árvores, mato, terrenos de cultivo e casas. Da minha janela via, ao longe, a noite iluminada pelo vermelho das chamas que lavravam. Entrava-me o fogo em casa também pela janela da televisão. No sopé da montanha — como se noutra realidade fosse —, as explosões do foguetório recordavam-nos os Santos Populares.

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#  Qual Green Card, qual quê! (5)

The New Yorker cartoon caption contest #50 — a minha contribuição:

(c) Victoria Roberts / The New Yorker
«I take it you’re finally logged in.»

Desenho de Victoria Roberts / The New Yorker

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07 maio 2006

#  O Escritor (microcontos)

1

Queria ser escritor.
Não tinha disciplina nem profundidade para o romance. Não tinha objectividade para a novela. Não tinha relevância para o conto. Não tinha poder de síntese para o microconto. Fora isso, não lhe faltava nada.
Nem sequer o Moleskine.


2

Queria ser escritor. Desse por onde desse, seria escritor.
Tentara o romance, tentara o conto — nunca acabara nada.
Tentara, em desespero de causa, o microconto — nenhuma ideia surgira.
Um dia, uma súbita inspiração: abriu o Moleskine e, de rajada, escreveu um ponto final.


3

A publicação de “.” apanhou a cena literária e o mercado livreiro de surpresa.
Em pouco tempo a sua obra inaugural arrebatava os tops de vendas. No final do ano a crítica foi unânime em elegê-lo como escritor-revelação. Era a nova coqueluche literária: não havia epígrafe em que não figurasse, não havia curso de escrita criativa que não o glosasse, nem dissertação de mestrado ou tese de doutoramento que não o citasse.
Era também terrivelmente plagiado. Mas aprendeu, estoicamente, a resignar-se.


4

À surpresa seguiu-se a certeza: contra todos os medos e maus agoiros, as obras seguintes confirmaram o fulgor e a frescura do Escritor. E não só como ficcionista, mas também como pensador: da sátira (“þ”) à Economia (destaque para a diversas vezes reimpressa trilogia “>”, “<” e “=”), o seu contributo foi tudo menos irrelevante. De facto, a sua primeira incursão pelo ensaio — “?” — tornou-se rapidamente leitura obrigatória nos mais prestigiados cursos de Filosofia. Anos depois, por pressão de alunos que se queixavam da exigência de tal obra de leitura integral, alguns cursos — à semelhança, de resto, do que já se passava em todas as faculdades de Teologia — adoptariam o menos inquisitivo e mais assertivo “.” (não confundir com a obra de ficção homónima, do mesmo autor). E, num exercício próximo da heteronímia, ou sinal de obsessão pelo contraditório, publicaria quase em simultâneo, sob nome suposto, “;”, uma refutação implacavelmente sardónica de “.” (referimo-nos ao ensaio, naturalmente).

5

Já num campo mais marginal, foi internacionalmente aclamado como «ground-breaking» o psicadélico “Ctrl+Alt”, também descrito como «o único digno sucessor de “The Doors of Perception”».
E, claro, como esquecer “æ” e “œ” («duas obras-primas da literatura erótica», chamaram-lhes), ou os muito mais polémicos “§” e “¶” (cuja temática homo-erótica ditou a sua remoção de muitos escaparates)?
Só não vingou na poesia. O manuscrito de “!” foi considerado «de um débil e inflacionado “sentimentalismo” poético» pelo único editor que contactou; o balde de água fria retirou-lhe o ânimo para novas tentativas.


6

Radicalmente anti-elitista, não desprezou os ditos “géneros menores”.
Foi com total desassombro que trouxe à luz do dia “—”, livro de auto-ajuda (subcategoria, autoconhecimento) que, à venda em todas as estações dos Correios, pôs meio país a falar com o seu Eu interior. (Pela mesma editora, o manual de yoga “&” foi apenas um sucesso relativo.)
Organizou também “«»”, uma bem sucedida recolha de citações famosas. A segunda edição revista (“«”) seria agraciada com o Prémio Escola Democrática da Associação para a Promoção de Novas Práticas Pedagógicas (APNPP) por «abrir a obra à participação activa e criativa do leitor-em-formação, contribuindo desta forma para uma Escola centrada no aluno»; no ano seguinte, a mesma APNPP atribuiria ainda uma Menção Honrosa, pelo mesmo «apelo à participação», à sua iniciativa — inédita e coroadíssima de sucesso — de organizar sessões de auto-autógrafos para/com a criançada.


7

Um dia atribuíram-lhe o Prémio Nobel. Polida mas irredutivelmente, recusou: as solicitações sociais de um laureado eram «too time-demanding».
E o que ele queria mesmo era escrever.



(Nova versão, «revista e aumentada».)

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#  O indivíduo e a multidão: o dilema da Educação

'Pontos nos ii' n.º 4Antes que saia a Pontos nos ii n.º 5 (na próxima terça-feira, creio), destaco aqui um último assunto focado no n.º 4 desta revista: a questão do tamanho das turmas.

Se este é, de facto, um problema central na Educação, goza estranhamente (pelo que me apercebo) de pouca ênfase no discurso dos sindicatos. O que se afigura incompreensível: turmas menores significam melhores condições de trabalho para os professores e (muito importante) mais emprego na área da Educação.

Mas, uma vez mais, citemos:

Luís Filipe Torgal, artigo «A ilusão do sucesso educativo»:
[...] é obviamente impossível oferecer a turmas tão numerosas e cada vez mais problemáticas e heterogéneas, uma eficiente pedagogia diferenciada na sala de aula. Como também é utópico praticar nestas condições uma avaliação contínua individualizada e — como pretendem certos especialistas das Ciências da Educação — sistemática e “científica”. [...]

Lia Marques, correio dos leitores:
[...] alguém me dirá como é possível aplicar uma pedagogia diferenciada dentro de uma sala de aula com 26 jovens, que não querem e, muitas vezes, não sabem estar em ambiente de trabalho? Como é possível atender, explicar e estar disponível ao mesmo tempo para todos os alunos que necessitam da minha atenção, do meu esclarecimento e tantas vezes da minha supervisão? [...]

Efectivamente, não é possível ir mais além do “despejo” da matéria com uma sala a transbordar, não é possível acautelar situações de dificuldades de aprendizagem se a cada aluno não cabem mais do que dois minutos de atenção. Mas o Ministério da Educação parece viver bicefalamente (ou acefalamente?) com um pé em cada mundo: preconiza nominalmente a pedagogia individualizada, mas efectivamente faz de cada turma uma multidão. E nem o problema demográfico que enfrentamos — que podia ser aproveitado para a promoção de um ensino de qualidade — obsta a que se continue a amontoar os alunos nas salas.

Um exemplo de que tenho conhecimento pessoal ilustra bem esta política. Há meia dúzia de anos uma escola secundária do meu distrito perdeu de um ano lectivo para o outro uns 25% da sua população estudantil, devido a factores demográficos e outros. No entanto, tal não obstou a que o tamanho médio das turmas do 3.º Ciclo do Ensino Básico se mantivesse nos 28 alunos, com pelo menos uma turma a ter 31. Tive a oportunidade de assistir a uma aula desta turma: a sala tinha apenas 15 carteiras duplas, pelo que uma delas era partilhada por três (e não duas) alunas! Enquanto isso, face à diminuição do número total de turmas, havia salas vazias, inúteis.

O colégio (privado) classificado em primeiro lugar no ranking nacional de 2005, recorde-se, tem turmas de apenas 8 alunas. E, segundo a já citada Lia Marques, na Finlândia o tamanho médio das turmas é de 11 elementos. Mas no nosso utópico caminho rumo ao “modelo finlandês” parece mais fácil adoptarmos sobrenomes terminados em –nen do que diminuirmos seriamente as turmas nas nossas escolas públicas.

Dir-me-ão: turmas menores implicam maiores custos, só suportáveis em escolas privadas com propinas à altura (como é o caso do tal Colégio do Sagrado Coração de Maria) ou em países ricos (como a Finlândia). Concedido: turmas menores, mais professores, mais instalações — mais custos. Mas também melhores resultados. E se a Educação é um investimento do país, o fundamental são os resultados, o retorno desse investimento. Gastar dinheiro num sistema que dá tão maus resultados como o nosso é deitar dinheiro à rua. Gastar um pouco mais com a diminuição das turmas pode garantir que se aproveita um pouco mais.

Uma analogia rápida: um carro sem motor é certamente mais barato do que um carro completo — mas não anda. Gastar dinheiro num motor talvez não seja de todo uma má ideia.

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05 maio 2006

#  Mais um dia no país dos CTT...

Frente do envelope Verso do envelope
Não muito certo, mas andou lá perto...

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04 maio 2006

#  Déjà vu?

Leio no Kontratempos a excelente “HISTÓRIA BREVE DE UM ÍNDIO NA BOLÍVIA”, que termina com esta tirada lapidar:
Contudo, apesar disso, ainda há quem acredite que a culpa é das multinacionais. É a escolha entre a realidade ou o guião.
e penso: Quanto da proposta heráldica da Pedagogia Romântica não seria aproveitável para a anti-globalização, a alter-mundialização e demais romantismos prêt-a-porter dos deserdados da ressaca pós-marxista?...

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02 maio 2006

#  “Ciências” da Educação: uma proposta

Urge recuperar em Portugal a heráldica corporativa, mormente a ligada às artes e ofícios. A título de exemplo, desde já proponho a seguinte representação simbólica da Confraria das “Ciências” da Educação:

Proposta de um símbolo para as 'Ciências' da Educação
Descrição:
Cortado, o primeiro de prata, pleno, em chefe; o segundo partido de azul, carregado de um chapéu de mago de prata, e de ouro, carregado de um ouroboros de vermelho. Por timbre, um livro aberto, de prata, com dois ómegas maiúsculos, de negro, inscritos nas suas páginas. Listel branco com o mote “MALGRÉ LA RÉALITÉ”, de negro.

Simbologia:
O chapéu de mago representa a natureza de ciências ocultas das “Ciências” da Educação. O ouroboros, para além de reforçar a anterior simbologia mística, remete para a auto-justificação das teorias, que se alimentam de si mesmas, não se baseando na observação dos factos (vide mote). O chefe, vazio, simboliza os efectivos resultados das práticas pedagógicas defendidas. O duplo ómega do timbre afirma a Pedagogia romântica como um fim em si mesmo.

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#  Técnica do Quadrado

As Ciências da Educação (espécie de ramo educacional das Ciências Ocultas) protegem o “Eduquês” como os bois-almiscarados as respectivas crias: reúnem-se à sua volta e marram contra tudo o que se lhes aproxima ameaçadoramente.

É uma reacção instintiva: num e noutro caso — crias e teorias “eduquesas” —, são elas que garantem a sobrevivência do grupo enquanto tal.

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#  Escolaridade obrigatória e absentismo

Não sei quem foi o génio que estabeleceu uma relação de implicação entre a escolaridade obrigatória e a impossibilidade de reprovação por faltas, mas os números estão aí para atestar os resultados: para além do insucesso conhecido (por muito camuflado que seja), o absentismo. Um estudo recente demonstra-o: 42% dos absentistas frequentam (ou melhor: nem por isso...) o 3.º Ciclo do Ensino Básico (7.º–9.º anos), enquanto menos de 5% são alunos do Ensino Secundário (onde as faltas “contam”). São também os rapazes quem mais falta, fruto de uma educação mais desresponsabilizadora do que a das raparigas.

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01 maio 2006

#  Inverosimilhança

Acabo de ver o filme O Segredo (The Nun, no original). O enredo resume-se facilmente: o fantasma de uma freira vem pela canalização para matar aquelas que 18 anos antes a mataram. Tudo, portanto, coisas banais, do dia-a-dia de todos nós...

... mas três espanhóis a falarem fluentemente inglês arruína-lhe a verosimilhança.

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